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LIMITES OBJETIVOS DA GRATUIDADE

No documento Acesso à justiça e carência econômica (páginas 166-175)

A Lei nº 1.060/50 contém, como já ressaltamos, disposições híbridas, atinentes à assistência judiciária e à gratuidade. É sobre estas últimas que nos concentraremos. Disposições chaves neste contexto são os arts. 3º e 9º do diploma em questão, que estipulam os fios condutores na análise deste aspecto do problema. É óbvio que a análise de outros dispositivos e a menção a outras regras será natural, tanto da mesma Lei nº 1.060/50, como de outros diplomas normativos. O que salientamos é que o ponto de partida de nossa exposição será a interpretação conjunta destas regras.

Segundo o art. 3º a assistência judiciária compreende as seguintes isenções: i) das taxas judiciárias e dos selos; ii) dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça; iii) das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais; iv) das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados; v) dos honorários de advogado e peritos; vi) das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade.

O último item foi incluído no rol de isenções pela Lei nº 10.317, em vigor desde 6º de dezembro de 2001.

Ainda, o art. 9º assegura: “Os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias”.

Temos então nas duas regras a extensão material da gratuidade, compreendendo quais as despesas albergadas pela isenção; e a extensão procedimental, indicando quais fases do procedimento serão atingidas (que no caso são todas, até às instâncias recursais).

O primeiro ponto de análise oportuna que surge é o de se saber do caráter deste rol apresentado pelo art. 3º. Artêmio Zanon, nesta quadra, assim se pronuncia: “O que a LAJ menciona no parágrafo único do art. 2º dá-lhe taxatividade nas isenções do art. 3º”433. O parágrafo único do art. 2º é que define necessitado para fins legais como “aquele cuja

433ZANON, Artêmio. Assistência Judiciária gratuita: comentários à Lei da Assistência Judiciária (Lei nº

situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”.

Se a idéia do autor em questão era afirmar que as isenções são taxativas no sentido de que abarcam apenas os necessitados para fins legais (e daí porque alude ao p.único do art. 2º), então somos compelidos a concordar com sua posição.

Por outro lado, se sua idéia era de afirmar que o elenco do art. 3º já transcrito é taxativo, então não nos parece haver coerência com o postulado de acesso à justiça. De fato, em sentido contrário, Augusto Tavares Rosa Marcacini leciona que toda referência legal acerca das isenções abrangidas pela gratuidade só pode ser interpretada como sendo uma enumeração exemplificativa, valendo tal interpretação para o art. 3º da Lei nº 1.060/50434.

Também afirmam que o rol é meramente exemplificativo Fredie Didier Jr. e Rafael Oliveira, em monografia dedicada ao benefício da gratuidade435. Também afiança que o “catálogo legal tem feitio exemplificativo”, Araken de Assis, que, aliás, apresenta pertinente crítica à técnica legislativa empregada observando que seria muito mais proveitosa uma isenção genérica, envolvendo despesas e honorários, que o citado art. 3º da Lei nº 1.060/50. Melhor seria omitir o elenco legal justamente porque o benefício “não tolera limitações”, observando que bastaria aplicar o art. 9º, que já compreende todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias436.

Compreende-se o debate que esteja à raiz desta pequena divergência de opiniões. Parece fora de dúvida que a concessão de gratuidade para o litígio constitui forma elementar de proceder à equalização dos mais carentes, meio de atender ao postulado da isonomia material.

434MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita. Rio

de Janeiro: Forense, 1996. p. 36.

435DIDIER JR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael. Benefício da justiça gratuita. 3. ed. Salvador, Jus Podivm, 2008.

p. 14. Embora sem menção clara, Maurício Vidigal também sugere compreender pela não exaustividade do rol encetado pelo referido art. 3º da LAJ: “O exame do art. 3º demonstra que não somente o valor das custas e dos honorários advocatícios devem ser considerados, mas todas as despesas necessárias ao exercício efetivo da defesa” (Lei da Assistência Judiciária interpretada. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 24).

436ASSIS, Araken de. Benefício da gratuidade. Ajuris: revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do

Sul, Porto Alegre, v. 25, n. 73, p. 165, jul. 1998. Cândido Rangel Dinamarco embora não se posicione especificamente sobre esta questão, apresenta interpretação até surpreendentemente restritiva com relação aos itens componentes do rol de isenções, como oportunamente se verá.

Por isto é que as benesses concedidas justificam-se na medida em que se prestem ao atendimento desta finalidade. Aí não vai novidade nenhuma, e dispensamos nesta oportunidade considerações mais detidas sobre este evidente propósito do benefício.

Havendo um indevido alargamento das isenções, de modo a perder a correspondência com as necessidades advindas da isonomia processual e do princípio do acesso substancial à justiça, passa-se ao extremo oposto: o beneficiário deixa de ser indivíduo devidamente alçado ao pé de igualdade com aqueles que detêm recursos suficientes para litigar, para ser pessoa injustificadamente albergada por privilégios

odiosos, que lhe asseguram indevida posição de superioridade em relação ao adversário.

Com um exemplo ilustramos a questão, ao ensejo em que já aproveitamos para tratar de outro tema de relevo na seara do que temos abordado.

Vê-se às claras que o art. 3º da Lei nº 1.060/50 não menciona isenção extensiva às eventuais multas processuais impostas à parte, no mais das vezes por litigância de má-fé (CPC, arts. 17 e 18) ou por ato atentatório à dignidade da justiça (CPC, arts. 600 e 601). Compreendendo tratar-se o rol de mera exemplificação dos valores abrangidos seria legítimo concluir, então, que o beneficiário também de tais verbas estaria isento?

A resposta negativa poderia saltar aos olhos como óbvia, porém assim não é, especialmente porque segundo o art. 35 do Código de Processo Civil, as sanções impostas às partes em conseqüência de má-fé serão contadas como custas e reverterão em benefício da parte contrária.

Ora, gozando as sanções processuais, na forma do dispositivo supra citado, o mesmo regime jurídico das custas, e estando estas abarcadas pela isenção decorrente do benefício da gratuidade, conseqüência lógica inarredável é que as multas também o estejam.

A aparente juridicidade deste argumento é tão convincente, que há até julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça que, embora não negue a possibilidade de impor-se ao beneficiário litigante de má-fé multa processual, afirma a suspensão da exigibilidade nos mesmos termos que as demais verbas processuais (custas e despesas): “A circunstância de ser o recorrente beneficiário da gratuidade de justiça não impossibilita a imposição das multas em razão da interposição dos recursos manifestamente improcedentes e protelatórios. A Corte, assim, impõe a multa na hipótese referida, porém, tem determinado

a suspensão do pagamento em razão da concessão de gratuidade de justiça” (STJ, AgRg

nos EDcl no AgRg no Ag 563.492/GO, Rel.Carlos Alberto Menezes Direito, j. 28.10.04). Cuidava-se na espécie de multa aplicada com fundamento no p.único do art. 538 do Código de Processo Civil, para o caso de interposição de embargos de declaração manifestamente protelatórios, multa esta que reverte em favor do adverso. Aliás, no voto condutor do julgamento retro citado há menção a precedente no mesmo sentido (isto é com aplicação de multa nos termos do art. 538, p.único, do CPC, e suspensão de exigibilidade em razão da gratuidade deferida): EDclREsp nº 264.661/MG, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 10/11/03.

Com a devida vênia, ousamos divergir do Colendo Sodalício. Sanções processuais não podem gozar o mesmo regime jurídico de custas e despesas porque ostentam natureza jurídica manifestamente diversa. As segundas representam o ônus oriundo do regular

exercício de um direito; para o autor, do regular exercício do direito de ação, para o réu, do

regular exercício do constitucional direito de defesa. Tanto assim é que a imposição do pagamento das custas e despesas processuais, no atual sistema que tem como regra nuclear o art. 20 do Código de Processo Civil, independe da postura processual da parte437, importando apenas que saia derrotada. Por outras palavras: mesmo a parte que se portou de forma altaneira no curso do processo, se derrotada, ver-se-á na contingência de ressarcir o adversário das despesas por ele antecipadas, e ainda pagar-lhe-á a verba honorária. O fundamento da imposição na espécie é o princípio da causalidade, e não a prática de qualquer ilícito processual. Repudiamos, por isto, qualquer idéia que assemelhe ônus da sucumbência com sanção processual.

Sanções processuais, como parece intuitivo, são conseqüências de comportamentos

ilícitos praticados pela(s) parte(s) no curso do processo. A falta de correspondência ou

relação com custas e despesas é tão evidente, que pode a parte sagrar-se vencedora e mesmo assim ter de arcar com multas, p.ex., por litigância de má-fé 438.

437Excepciona-se no caso a regra do art. 22 do Código de Processo Civil, prevendo que a negligência do réu

em argüir fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito do autor, ensejando o prolongamento da lide, levá-lo-á a arcar com custas a partir do saneamento e à perda do direito de haver honorários, mesmo que vencedor. Nesta hipótese, contudo, a natureza da verba sucumbencial é desnaturada, pois que deixa de representar normal decorrência do exercício de um direito, para tornar-se em sanção por uma negligência processual. É o legislador que no caso a utiliza como forma de punição.

438“Por sua vez, multas, creio que até o leigo tem exata noção do que sejam: penalidades, punições. Embora

se contem como custas não são despesas processuais” (ZANON, Artêmio. Assistência Judiciária gratuita: comentários à Lei da Assistência Judiciária (Lei nº 1.060, de 5-2-1950), cit., p. 29). O mesmo autor nega caráter punitivo à condenação ao pagamento de custas.

A afirmação do legislador de que as multas serão contadas como custas não significa qualquer espécie de homogeinização da natureza jurídica dos institutos. Significa apenas que as multas processuais serão apuradas, calculadas e pagas na mesma

oportunidade processual em que as custas processuais439.

Pelo visto não se pode estender às multas processuais qualquer das benesses inerentes ao benefício da gratuidade, seja a isenção, seja a suspensão de exigibilidade. Neste sentido é a abalizada posição de Fredie Didier Jr. e Rafael Oliveira, cuja transcrição é propícia face à contundência e correção dos argumentos invocados, com os quais nos alinhamos inteiramente:

“A gratuidade judiciária não abrange, nem poderia abranger, as multas processuais. Se assim não fosse, estar-se-ia admitindo um acesso irresponsável e inconseqüente à justiça, consubstanciado no fato de o beneficiário poder, impunemente, abusar do direito de demandar, sem que nenhuma sanção lhe pudesse ser aplicada (nos casos de multa com caráter punitivo) ou sem que fosse possível impor-lhe medidas coercitivas para efetivação da tutela jurisdicional (nos casos de multas com caráter coercitivo). Deve-se lembrar que o escopo da norma é beneficiar a pessoa carente de recursos, jamais municiá-la com um escudo legal para defendê-la da própria torpeza”440.

É também neste mesmo sentido a opinião de Barbosa Moreira (que também é citado pelos autores supra referidos), para quem a pobreza não pode amparar um bill de indenidade quanto a comportamentos antijurídicos441.

É bom que se diga que a jurisprudência não é insensível à posição que ora defendemos, valendo citar o precedente oriundo do julgamento pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n° 15.600, oriundo de São Paulo, em que foi relator o Ministro Aldir Passarinho Junior, e julgado em 20 de maio de 2008: “A concessão do benefício da assistência judiciária não tem o condão de tornar o assistido infenso às penalidades processuais legais por atos de litigância de má-fé por ele praticados no curso da lide”442.

439No mesmo sentido: COSTA MACHADO, Antonio Cláudio. Código de Processo Civil interpretado, cit., p. 42. 440ZANON, Artêmio. Assistência Judiciária gratuita: comentários à Lei da Assistência Judiciária (Lei nº

1.060, de 5-2-1950), cit., p. 14.

441BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O direito a assistência jurídica - evolução no ordenamento brasileiro

de nosso tempo. Revista de Processo, São Paulo, v. 17, n. 67, p. 124, jul./set. 1992.

442É interessante ressaltar que o mesmo relator que figurou nos autos do AgRg nos EDcl no AgRg no Ag

563.492/GO, por nós citado anteriormente, Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, havia proferido anteriormente, em 23.09.03 (portanto cerca de um ano antes do julgamento por nós invocado), entendimento contrário, no sentido de que “A parte beneficiária de justiça gratuita não pode se utilizar

A rigor não podemos afirmar que o julgado retro referido seja inteiramente contrário ao inicialmente trazido, de relatoria do eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, já que naquele não se negou a aplicação da multa, mas sim afirmou-se a suspensão de sua exigibilidade. Fato é, contudo, que neste segundo julgado nenhuma menção se faz a tal suspensão de exigibilidade, o que se vê não só pela simples leitura da ementa, mas pela análise do próprio voto condutor, que nada refere. Daí se concluir que neste caso entendeu-se aplicável a multa e plenamente exigível443.

Parece-nos equivocado valer-se do caráter exemplificativo do rol inscrito no art. 3º da Lei nº 1.060/50 para estender a isenção e a suspensão de exigibilidade quanto às custas e demais despesas processuais, deferidas ao beneficiário da gratuidade, também às multas processuais.

De outro lado não é razoável afirmar o caráter taxativo do rol do art. 3º do diploma supra citado, em razão dos abusos e excessos que ocasionalmente possam ocorrer. A solução é corrigirem-se tais desvios.

Não é preciso maior digressão nem elaborado raciocínio jurídico para concluir que as isenções e benesses deferidas ao carente de recursos econômicos têm como única finalidade propiciar-lhe o acesso à ordem jurídica justa em pé de igualdade com o adverso economicamente abastado. A isenção que à luz destes propósitos é justificada é aquela que atinja as despesas decorrentes naturalmente do regular exercício do direito de ação ou de

defesa.

dessa circunstância para ingressar com pedidos sabidamente teratológicos e protelatórios, devendo ser penalizada com multa” (EDcl no AgRg nos EmbDev no REsp 94.648/SP). A rigor não se pode dizer que este julgado seja manifestamente contrário ao anterior, pois que naquele não se negou a possibilidade de imposição da multa, apenas que afirmou-se a suspensão de sua exigibilidade, o que é diverso. De toda forma, como naquele primeiro julgamento, de setembro de 2003, não se menciona possível suspensão de exigibilidade, crê-se que a isto não se procedeu.

443No âmbito do Eg.Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, encontramos julgados assim ementados:

“LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ - Multa – Alteração deliberada da verdade dos fatos - Hipótese em que a mera condição de beneficiário da assistência judiciária gratuita não pode servir de óbice à imposição da pena por litigância de má-fé, uma vez evidenciado que o autor alterou deliberadamente a verdade dos fatos, omitindo a notícia de que as contas postuladas já haviam sido prestadas pela ré perante o PROCON, conquanto discordasse o autor sobre o critério das informações fornecidas - Sentença reformada - Recurso provido, em parte” (TJSP, apelação cível n° 991.01.036355-7, Rel. João Camillo de Almeida Prado Costa, j. 09.02.10). Ainda: “EMBARGOS À EXECUÇÃO — Cerceamento de defesa não caracterizado - Depoimento pessoal e prova testemunhal que não tem o condão de se sobrepor a prova documental - Beneficiário da Assistência Judiciária - Execução da multa e indenização por litigância de má-fé - Hipótese em que a execução deve prosseguir, mesmo sendo o executado beneficiário da assistência judiciária - Não pode o beneficiário da assistência judiciária se eximir do pagamento da indenização por litigância de má-fé, sob pena de desvirtuamento do referido beneficio - Recurso improvido” (TJSP, apelação cível n° 7.083.859-6, Rel. Heraldo de Oliveira Silva, j. 20.09.06).

Parece evidente que os valores oriundos de sanções processuais não se podem enquadrar nesta categoria, visto que representam conseqüência do abuso do direito de ação

ou de defesa, isto é, exercício irregular de tais direitos, o que constitui modalidade de ato ilícito. Aí se vê com clareza porque parece absolutamente impossível a equiparação de

regimes jurídicos.

Para pôr pá de cal sobre a questão é bastante que se perceba que as sanções processuais de ordem econômica sob nenhuma perspectiva representam óbice de acesso à justiça, pois que não há previsão de que seu pagamento seja condicionante à prática de atos processuais ou mesmo ao ajuizamento de ação (exceto na hipótese do art. 268, “caput”, do Código de Processo Civil, em que parece-nos que havendo imposição de pena na demanda anterior, extinta sem resolução do mérito, a repropositura dependeria também do pagamento da sanção).

Em verdade estender a isenção às sanções processuais representaria dar à parte beneficiária uma vantagem desconexa à sua condição de economicamente carente. E conceder tratamento desigual sem correspondência com o fator de desequiparação significa albergar privilégio indevido, o que afronta a mais comezinha idéia de isonomia material.

Conclusão: isentar o beneficiário da gratuidade das sanções processuais pecuniárias, ou mesmo suspender-lhes a exigibilidade, sobre não favorecer o acesso à justiça, assegura ao beneficiário uma posição de vantagem injustificada sobre o adversário, além de deixar impune eventual comportamento ilícito processual, o que é sobejamente convidativo ao deslize.

Foi por isto que optamos por tratar da questão da extensão ou não da gratuidade às sanções ao ensejo da análise do caráter exemplificativo ou exaustivo do rol do art. 3º da Lei nº 1.060/50, e o receio de que se possa conceder ao beneficiário tratamento injustificadamente benéfico em demasia, a afrontar a isonomia.

A este propósito, uma segunda conclusão pode ser alinhavada: o rol do art. 3º da Lei nº 1.060/50 é exemplificativo444, para o fim de acolher eventuais despesas ali não enumeradas, porém que decorram naturalmente do regular exercício do direito de ação ou

de defesa.

444Na jurisprudência, neste sentido: TJSP, Agravo de Instrumento n° 7.287.970-0, da Comarca de Araçatuba,

Rel. Rubens Cury, j. 08.09.08. Ainda no sentido da interpretação extensiva do rol do art. 3º já citado: TJSP, Agravo de Instrumento nº 1.254.877-0/9, Rel. Norival Oliva, j. 14.04.09.

Uma última questão cumpre seja analisada, qual seja, a de se saber se as multas

coercitivas acham-se albergadas pelo benefício da gratuidade. Na lição transcrita

parágrafos atrás, da lavra de Fredie Didier Jr. e Rafael Oliveira já tivemos oportunidade de anotar a posição dos referidos autores, no sentido negativo.

Concordamos com este posicionamento, contudo algumas ponderações devem ser feitas porque o fundamento de tal posicionamento é no caso completamente diverso daquele que ilustra nossa posição referente às multas processuais sancionatórias.

Não nos seria propício aqui destrinchar com detalhes a tipificação das tutelas jurisdicionais à luz da forma de sua efetivação, o que necessariamente passaria pela polêmica das classificações ternária e quinária.

Vale entretanto observar que Marinoni vê na multa, forma de execução ou coerção indireta, o traço distintivo entre as tutelas mandamental e executiva, visto que esta estaria sujeita à execução direta, isto é, realização prática independente da vontade do devedor445. São do mesmo autor as assertivas que merecem transcrição: “A multa limita-se a forçar o réu a adimplir, mas não garante a realização do direito independentemente da sua vontade ... não há cabimento em pensar que o juiz, ao impor a multa, condena o demandado”446. É claro, prossegue Marinoni, que como toda a multa, também a processual coercitiva transmuda-se em sancionatória assim que haja o descumprimento do preceito.

Devemos tomar aquele critério que temos defendido para a avaliação de quais verbas podem ser consideradas abarcadas pelo rol exemplificativo do art. 3º da Lei nº 1.060/50, qual seja, a consideração da relevância da verba para fins de possibilitar ou obstar o acesso à justiça, bem como o risco de permitir ao beneficiário posição de

injustificada vantagem sobre o adversário (quando aludimos a injustificada, queremos

dizer sem correspondência com sua situação de carência econômica, que é o fator que justificaria o tratamento desigual).

Ora, as astreintes, como parece ter ficado demonstrado, têm caráter intimidatório, e

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