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Ao lado da reforma canadense da província de Quebec, levada a efeito em 1972, e da reforma sueca de 1973, o modelo instituído na Inglaterra a partir de 1949 é considerado um dos expoentes da segunda tendência referida anteriormente, em que a assistência legal compreende-se como uma de várias competências da assistência pelo Estado, segundo a ideologia de Welfare State.

Segundo Denti, o modelo mais importante desta tendência é o advindo do Legal

Aid and Advice Act inglês de 1949340. Entre outras falhas, a este modelo faltava um plano

geral de instituição de um ofício público de assistência, relegando-se a administração do sistema de assistência à Law Society, a corporação de advogados inglesa, que observa em sua gestão prevalentemente o interesse dos profissionais liberais, daí a proposta surgida de se atribuir a administração da assistência a um órgão público independente, que não seja parte de órgão de governo, mas não esteja tão vinculado aos interesses privados da Law

Society. A virtude, de outro lado, deste diploma foi unificar um esquema de assistência

legal, até 1949 inexistente.

Em finais da década de 60 e início da de 70 do século passado já se via o esgotamento do modelo advindo da legislação de 1949 e a necessidade de expansão do esquema assistencial, com o surgimento de importantes modelos alternativos norte- americanos, no contexto, naquele país, das lutas pelos direitos civis.

Fato é que até 1988 o esquema de assistência legal permaneceu sob a administração da Law Society, somente com o Legal Aid Act de 1988 formou-se a Legal Aid Board, responsável pelo financiamento do serviço público em questão com recursos públicos.

339DENTI, Vittorio. L’evoluzione del legal aid nel mondo contemporaneo, cit., v. 2, p. 1169. 340DENTI, Vittorio. L’evoluzione del legal aid nel mondo contemporaneo, cit., v. 2, p. 1172.

Em 1999 editou-se o Access to Justice Act, que aboliu o Legal Aid Board, estabelecendo em seu lugar o Legal Services Comission (LSC), remodelando radicalmente o modelo até então observado341.

A Legal Service Comission é o órgão gestor da assistência jurídica, estando hierarquicamente vinculada ao Lord Chancellor, e composta por não menos que sete membros e não mais que doze (limites, entretanto, que podem ser alterados pelo Lord

Chancellor de acordo com o que lhe pareça apropriado). Os membros igualmente são

nomeados pelo Lord Chancellor, o qual também indicará o presidente da Comissão.

Tais membros, segundo regulamenta o diploma de 1999, é desejável que tenham experiência e conhecimento na provisão de serviços que a Comissão pode financiar como parte do serviço do Community Legal Service ou do Criminal Defence Service; no trabalho das cortes; assuntos relacionados aos consumidores; condições sociais e gestão.

A assistência legal é prestada, de modo geral, por duas grandes frentes: Community

Legal Service (CLS), destinado ao auxílio cível; e Criminal Defence Service (CDS), destinado

ao trabalho na área criminal. Qualquer firma ou agência que intente assumir a prestação de serviços de assistência legal deverá manter um contrato com a CLS ou com a CDS.

O Community Legal Service (CLS), que será referido daqui por diante como serviço legal comunitário, numa tradução livre, consiste nos seguintes componentes: i) prover informações gerais sobre a lei e o sistema legal e a disponibilidade de serviços legais; ii) provisão de ajuda por meio do aconselhamento legal, a exemplo de identificar como a lei se aplica em um circunstância particular; iii) a provisão de ajuda na prevenção, na composição ou outro modo de solução de disputas acerca de direitos e deveres legais; iv) provisão de ajuda no cumprimento das decisões por meio das quais estas disputas são resolvidas e v) provisão de ajuda no que concerne aos procedimentos legais não relacionados a disputas342.

Já o Criminal Defence Service (CDS), facilmente traduzível como serviço de defesa criminal, inclui: i) procedimentos perante qualquer corte com relação a um indivíduo

341Esta evolução histórica está descrita no texto disponibilizado no seguinte endereço eletrônico: LEGAL

AID. Disponível em: <http://www.lawcentres.org.uk/uploads/Legal_Aid.pdf>. Acesso em: mar. 2011.

342Tradução livre do seguinte excerto do Access of Justice Act 1999: “The description of services referred to

in subsection (1) are – (a) the provision of general information about the Law and legal system and the availability of legal services; (b) the provision of help by the giving of advice as to how the law applies in particular circumstances; (c) the provision of help in preventing, or settling or otherwise resolving, disputes about legal rights and duties; (d) the provision of help in enforcing decisions by which such disputes are resolved, and (e) the provision of help in relation to legal proceedings not relating to disputes”.

acusado de uma infração; ii) procedimentos perante qualquer corte concernente a um indivíduo condenado pela prática de uma infração (incluindo procedimento em respeito a uma sentença ou ordem); iii) procedimentos relacionados a indivíduo sob o Extradiction

Act 2003; iv) procedimentos para obrigar um indivíduo a manter a paz ou se comportar

bem sob a seção 115 do Magistrates Courts Act 1980 e para lidar com um indivíduo que falhe em obedecer a uma ordem sob a égide desta seção; v) procedimentos de apelação ofertada por um indivíduo sob a seção 44A do Criminal Appeal Act 1968; vi) procedimentos por atentado cometido, ou dito com tendo sido cometido, por um indivíduo contra uma corte e vii) outros procedimentos concernentes a um indivíduo, perante qualquer outra corte ou outra instituição, como seja prescrito343.

Podem também ser incluídos no âmbito no CDS o serviço de aconselhamento legal para indivíduos detidos ou envolvidos em processos que possam levar à detenção.

Importante frisar também que incumbe ao LSC o credenciamento de pessoas ou equipes para a prestação dos serviços de assistência legal, podendo inclusive autorizar terceiros a promover tal credenciamento. Uma das fontes de receita da entidade é justamente a possibilidade de cobrança de taxa pelas atividades de credenciamento; monitoramento dos serviços prestados pelas entidades e pessoas credenciadas e autorização de credenciamento por terceiros.

Por fim, cumpre anotar que o diploma de 1999 criou o Funding Code, que é o conjunto de regras que norteia a concessão da assistência, estabelecendo os critérios e requisitos que qualificam o postulante como possível beneficiário344.

Os critérios são complexos e variam de acordo com a natureza da causa, bem como são diversos em extensão. Os pretensos assistidos igualmente devem qualificar-se financeiramente para percepção do benefício, para tanto devem providenciar prova adequada de sua condição financeira, mediante apresentação de extratos bancários e

343Mais uma tradução livre do seguinte excerto do Access of Justice Act 1999: “In this Part ‘criminal

proceedings’ means – (a) proceedings before any court for dealing with an individual accused of an offence; (b) proceedings before any court for dealing with an individual convicted of an offence (including proceedings in respect of a sentence or order); (c) proceedings for dealing with an individual under the Extradition Act 2003; (d) proceedings for binding an individual over to keep the peace or to be of good behavior under section 115 of the Magistrates Courts Act 1980 and for dealing with an individual who fails to comply with an order under that section; (e) proceedings on an appeal brought by an individual under section 44A of the Criminal Appeal Act 1968; (f) proceedings for contempt committed, or alleged to have been committed, by an individual in the face of a court and (g) such other proceedings concerning an individual, before any such court or other body, as may be prescribed”.

344Com uma boa descrição, inclusive histórica, acerca do sistema de assistência legal inglês conferir o texto

disponibilizado no sítio eletrônico: LEGAL AID. Disponível em:

documentos assemelhados345. Aliás, de acordo com as condições financeiras, podem os pretendentes até mesmo ser compelidos ao pagamento de uma contribuição.

Segundo anota mais uma vez Denti, o problema deste modo de prestar assistência concentra-se em proporcionar o serviço em caráter singular, ou seja, como forma de solução particularizada dos problemas legais dos indivíduos, sem atentar para as necessidades legais dos grupos marginalizados enquanto categoria social, carecendo-se então de uma reforma legal que considere a pobreza em caráter mais geral346.

No documento Acesso à justiça e carência econômica (páginas 133-136)