• Nenhum resultado encontrado

Lippmann: pseudoambientes, estereótipos e democracia

PARTE III – CONCEITO

Capítulo 1 – A “sociedade civil global” em construção

1.2 Ascensão e fractalização da opinião pública

1.2.1. Lippmann: pseudoambientes, estereótipos e democracia

“Na minha interpretação, a importância de Lippmann está mais nas questões em que levantou do que nas respostas que levou a cabo” (PETERSEN, 2003, tradução livre). A polêmica sempre rondou o nome de Lippmann, pois além de ser um homem de pesquisas, era próximo de decisões políticas de impacto internacional num país que se tornaria, nas décadas seguintes às guerras mundiais, a superpotência do capitalismo217. Foi Lippmann, inclusive, quem cunhou a expressão “Guerra Fria”.

Para Petersen, entre os problemas relacionados à obra lippmanniana está o de não considerar a própria sujeição dos especialistas à OP e o de carregar consigo seus preconceitos e estereótipos. Nos livros de relações públicas, por exemplo, Lippmann tende a ser tratado como o cientista político que incentivou a manipulação dos meios de comunicação de massa; Bernays classificou-o como uma “figura maquiavélica” (GARCÍA, 2010). Entre “as questões que levantou”, contudo, ele apresentou conceitos como estereótipo, pseudoambiente, “insiders” e “outsiders”, tendo feito ainda a distinção entre verdade e notícia. Lippmann promoveu debates que permanecem atuais, como: a diferença profissional entre jornalistas e assessores de imprensa218; as limitações da democracia representativa; e o poder do lobby no processo político decisório; dentre outros.

Lippmann emprega o termo pseudoambiente para se referir à imagem mental de um evento que uma pessoa não vivenciou. Trata desse aspecto de ficcionalização sem associá-lo à mentira, uma vez que a representação do ambiente seria, em menor ou maior medida, algo feito pelo próprio ser humano (LIPPMANN, 2008, p. 30). E observa o perfil do analista da OP como o de alguém que “precisa começar reconhecendo a relação triangular entre a cena da ação, a imagem humana daquela cena e a resposta humana àquela imagem atuando sobre a cena da ação” (LIPPMANN, 2008, p. 27).

A restrição aos pseudoambientes residiria na dificuldade em se ter acesso aos fatos, presentes em limitações como: censuras artificiais; limitações do contato pessoal; falta de tempo para prestar atenção nos assuntos públicos; distorção resultante da necessidade de comprimir

217 Quando editor da The New Republic, aproxima-se de Woodrow Wilson, de quem se tornaria conselheiro. No

futuro, trabalharia no CPI (Committe on Public Information), responsável por monitorar a imprensa estrangeira e por encontrar informações que pudessem baixar o moral norte-americano. Outro órgão para o qual colaborou foi a Inter-Allied Propaganda (GARCÍA, 2010).

218 Aos interessados no contexto brasileiro dessa discussão profissional, recomendo a leitura do artigo: BUCCI,

eventos em mensagens breves; dificuldade de expressar um mundo complexo em poucas palavras; e temor de enfrentar os fatos que ameaçam a rotina estabelecida.

O estereótipo (um conceito reducionista acerca de um conceito, ideia ou realidade) teria uma condição social dupla. Por um lado, ele indica uma compreensão parcial de um fenômeno; por outro, é uma fortaleza de tradição, uma defesa para os seres humanos continuarem a se sentir seguros da posição que ocupam. Os estereótipos estão presentes desde o início da humanidade. Pensemos nas Cruzadas, por exemplo, em que, segundo a Europa cristã, os mouros eram todos maus. Ou em imagens da sociedade norte-americana em que o bem emanava de Roosevelt e o mal era originário de Trotsky e de Lênin.

Em The Phantom Public (1925), Lippmann define o público como mero “fantasma” ou uma abstração. A diferença entre “insiders” e “outsiders” é feita para diferenciar partes do público que possuem acesso direto ao conhecimento e aqueles que não possuem. Ou seja, para cada assunto público, há atores e espectadores. Lippmann foi um autor de inspiração positivista que lançou bases para novas abordagens metodológicas e empíricas. A influência recaiu em nomes como Bernays (a OP é vista como um agregado resultante de opiniões individuais) e Allport (autor de trabalho sobre grupo de falácias relativas à OP).

Um dos estudos empíricos de Lippmann serviu para provar a oposição dos meios norte- americanos ao regime soviético. Em Test of the News – An Examination of the News Reports in

the NYT on Aspects of the Russian Revolution of Special Importance to Americans. March, 1917 – March, 1920, ele esquadrinhou peças jornalísticas que anunciavam o colapso do regime

bolchevique, o que só foi ocorrer em 1991. Concluiu, portanto, que as notícias sobre a Rússia eram um caso em que os homens viam aquilo que gostariam de ter visto, em vez de verem o que ocorria.

Se, por um lado, Lippmann relacionou jornalismo e democracia, por outro, ele aparece como o autor que, pela primeira vez, indicou as falhas da democracia. Depois de um flerte com o socialismo, foi influenciado pelo ceticismo de nomes como George Santayana e pelo “socialismo fabiano”. Segundo García, críticos de Lippmann indicam seu aspecto conservador devido ao fato de que seus ideais democráticos possuem miradas cínicas e utilitárias, numa espécie de “despotismo iluminista”.

Um exemplo do lado cínico de Lippmann se apresenta no desmantelamento de ideias como a de que os meios de comunicação de massa capacitam a sociedade para o julgamento de assuntos públicos, ao indicarem a verdade dos fatos; sendo que ele diferenciava notícia de verdade. Entre os fatores que prejudicam os meios de comunicação de massa a educarem seus públicos, Lippmann considera: a falta de acesso direto à realidade; a existência de censura

política e militar; o alto custo de se fazer jornalismo; a falta de conhecimento dos jornalistas; e as inclinações ideológicas e socioculturais dos editores.

Quando se recupera o nome de Lippmann na escola norte-americana, é comum relacioná-lo a um suposto debate entre ele e John Dewey. Na visão do sociólogo Michael Schudson (2008, p. 10), porém, “a redescoberta ou a invenção do debate Lippmann-Dewey pelos anos 1986-1996 é parte de um esforço de localizar a história dentro de uma tradição crítica norte-americana”. A polêmica pareceu mais como uma realização de intelectuais liberais, sendo que, ao contrário, eles experimentavam um momento de desilusão democrática. Para rebater um dos argumentos acerca do suposto elitismo de Lippmann, Michal Schudson observa que não localizou em nenhum local de sua obra o trecho onde ele afirmaria que os eleitores são incompetentes. Dewey figurava nessa contenda como alguém em defesa da democracia participativa e do papel dos meios nesse sistema.