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Primeiro ato: a deflagração da crise

PARTE II – MÉTODO

Capítulo 4 – O fim do lucro e o jornalismo sem fins lucrativos

4.1 Primeiro ato: a deflagração da crise

Há poucos anos, Philip Meyer alertava: “O jornalismo de alta qualidade ainda é economicamente viável, mas não é mais tão lucrativo”.114 Tinha total razão. A crise do jornalismo norte-americano chegou ao seu ápice no final da primeira década dos anos 2000. Questionava-se tanto o modelo de negócio do jornalismo quanto a credibilidade das redações.

Acontece que a crise não era apenas econômica. Abria-se, também, uma crise de credibilidade. A guerra no Iraque e a crise imobiliária de 2007 abalaram a confiança das redações comerciais nos Estados Unidos. Segundo matéria publicada pelo Nieman Lab115, um dos motivos da desconfiança com a imprensa foi ela ter falhado em não questionar Colin Powell nem Alan Greenspan. O primeiro conseguiu promover o discurso de que o Iraque detinha armas de destruição em massa, enquanto o segundo propalava o mundo encantando das finanças.

Anos antes, as redações comercias haviam frustrado o público por não ter denunciado fraudes contábeis que desembocaram no escândalo da Enron (2002). Se os grandes veículos não eram mais capazes de antecipar problemas de ordem econômica e de desmascarar manobras militares, quem seria? Em que locais os jornalistas teriam a oportunidade de tocar projetos investigativos fundamentais para o exerício da democracia? Cada vez mais, a questão era feita pelo público e por repórteres e editores.

Em 2008, a crise financeira norte-americana afetou os modelos de negócio do jornalismo. Entre 2000 e 2008, as indústrias de mídia perderam algo próximo de 200 mil postos de trabalho, em análise da Advertising Age. Em 2008, o grupo Gannett & McClatchy cortou sozinho mais de 5 mil empregos em jornal. A lista de demissões incluía premiados com o Pulitzer. Houve corte sumário de seções investigativas de jornais, emissoras de televisão e revistas (LEWIS, 2009)116.

114 MEYER, Philip. Os jornais podem desaparecer? Como salvar o jornalismo na era da informação. São Paulo:

Contexto, 2007. 258 p. Título original: “The vanishing newspaper: saving journalism in the information age” (2004). Recomenda-se como leitura complementar o artigo: <http://niemanreports.org/articles/precision- journalism-and-narrative-journalism-toward-a-unified-field-theory>.

115 FROOMKIN, Dan. Truth or Consequences: Where is Watchdog Journalism Today? Despite budget cuts and

shrinking newsrooms, watchdog reporters are finding new ways to fulfill an old mission – holding those in power to account. Nieman Reports, Spring 2013. Disponível em: <http://niemanreports.org/articles/truth-or- consequences-where-is-watchdog-journalism-today>. Acesso em: 21 nov. 2015.

116 LEWIS, Charles. A Social-Network Solution: How investigative reporting got back on its feet. Columbia

Journalism Review, New York, March/April, 2009. Disponível em:

A “devastação nas redações” promoveu uma verdadeira diáspora de centenas de repórteres investigativos e de editores. A perda de poder de investigação não poderia ter vindo em pior hora: os Estados Unidos encaravam uma grave crise financeira, apenas de menor tamanho que a Grande Depressão de 1929, sem contar o cenário global cada vez mais complexo (LEWIS, 2009). No Brasil, o Obsevatório da Imprensa informou que sequer havia acabado fevereiro e eram anunciadas quase 500 demissões de jornalistas em cinco grandes jornais dos Estados Unidos117.

Contudo, mudanças começavam a despontar. Naquele mesmo mês, o portal sem fins lucrativos The Christian Science Monitor divulgou uma matéria sobre a emergência de redações colaborativas e “nonprofits”118. O veículo lembrava o ProPublica119, no qual se destacava a liderança de Paul Steiger, ex-editor-chefe do The Wall Street Journal. O projeto era narrado pela combinação de apoio filantrópico, contratação de jornalistas veteranos e oferecimento de histórias gratuitas aos meios de comunicação. Outro objeto de comentário foi o Voice of San

Diego (VOSD)120, que assumia o papel equivalente a um jornal de cidade grande, embora não tivesse “jornalistas suficientes sequer para montar uma equipe de softball”. Além disso, a redação estava inspirando iniciativas semelhantes em outras três cidades: St. Louis (Missouri), New Haven (Connecticut) e Minneapolis (Minnesota).

Desde 2012, 1.366 jornalistas foram dispensados de redações brasileiras e, pelo menos, 419 em 2015. Ao total, foram 4.300 demissões por custos em empresas de mídia, segundo dados contabilizados pelo Volt Data Lab121 em 30 de outubro de 2015, em seu projeto A conta dos

passaralhos122. No Brasil, pelo menos 35 jornalistas foram demitidos cada mês nos últimos três anos (de janeiro de 2012 a agosto de 2015), de acordo com dados publicados nos portais

Imprensa, Comunique-se e Portal dos Jornalistas. Durante esse período, a Editora Abril cortou

163 postos de trabalho e o Portal Terra, outros cem. Em 2015, a “reestruturação” do Terra levou a um corte de 80% de sua redação e ao fechamento de sucursais – 60 jornalistas ficaram desempregados123.

117 A repercussão das demissões foi imediata no Brasil, com receio de que seria um sinal de tendência a ser seguida,

conforme a matéria de Carlos Castilho para o Observatório da Imprensa – “Demissões de jornalistas batem recordes nos Estados Unidos”, 23/02/2008. Link: http://observatoriodaimprensa.com.br/codigo-aberto/demissoes- de-jornalistas-batem-recordes-nos-estados-unidos/

118 The Christian Science Monitor, 12/02/2008. <http://www.csmonitor.com/USA/2008/0212/p03s01-usgn.html>. 119 <https://www.propublica.org/>.

120 <http://www.voiceofsandiego.org/>.

121 Descrição da página: “[é] um website independente de jornalismo de dados e novos formatos digitais”. O projeto

de dados é dirigido pelo jornalista Sergio Spagnuolo.

122 <http://passaralhos.voltdata.info/>.

123<https://medium.com/volt-data-lab/com-passaralho-terra-assume-2%C2%BA-lugar-em-total-de-