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PARTE II – MÉTODO

Capítulo 2 – Jornalismo Investigativo

2.3 O teste de hipóteses

Questões cívicas afora, o jornalismo investigativo importa em termos metodológicos porque é aquele que possui a menor dependência das fontes pessoais, quer dizer, ele não depende tanto do que algumas pessoas entrevistadas dizem ao repórter. Por ser capaz de cruzar

92 Entre os autores identificados com essa fase, a enciclopédia on-line Wikipédia lista os nomes de Lincoln Steffens

(um dos grandes investigadores da corrupção, que publicou, em 1904, Shame of the Cities) e de Upton Sinclair, escritor e jornalista premiado com o Pulitzer por seu trabalho The Jungle (1906), o qual serviu para alinhavar uma discussão sobre legislação relativa à indústria alimentícia. Cita ainda: Ida Tarbell, quem, além de escrever dezenas de peças jornalísticas sobre a Standard Oil, lançaria o livro The History of the Standard Oil Company (1904), Edwin Markham (em Children in Bondage, de 1914, trataria de trabalho infantil); Jacob Riis (escreveu sobre a miséria em Nova Iorque, em How the Other Half Lives, de 1890); David Graham Phillips (seu artigo The Treason

of the Senate denunciou corrupção em governo de Roosevelt, o que levou à adoção da 17ª Emenda); Henry

Demarest Lloyd (em Wealth against Commonwealth, de 1894, narrou a ascensão de John D. Rockefeller e da Standard Oil); Ray Stannard Baker (tratou de questões raciais em Following the Color Line, trabalho publicado em 1908); Brand Whitlock (romance que contestava a pena de morte, The Turn of the Balance, de 1907) e Samuel Hopkins Adams (denunciou a indústria médica). Digno de nota que esse verbete se encontra alentado por mais de 31 referências, entre elas The Muckrakers and American Society (Herbert Shapiro, 1968) e The Muckrakers:

Crusading Journalists who Changed America (Fred Cook, 1972). Link: <https://en.wikipedia.org/wiki/

informações e por formular suas próprias argumentações – chegando ao caso de desmentir declarações –, o jornalismo investigativo realiza, naturalmente, conversas com informantes, não necessariamente “em off”, mas tem fôlego próprio para vasculhar documentos e bancos de dados com o auxílio de computadores e das redes digitais.

Para o filósofo Luiz Henrique Dutra, todo tipo de investigação pode ser comparado a partir do “foco da descoberta”. Sob esse referencial, podemos debater a presença de hipóteses no trabalho jornalístico. Na sua abordagem sobre todos os tipos de investigação (científica, policial, jornalística, jurídica etc.), o autor esquematiza quatro etapas:

– A elaboração de um problema;

– A elaboração de uma hipótese, visando solucionar o problema;

– A constituição de uma base de dados, com a qual a hipótese será comparada; – A constatação de um acordo entre a hipótese e a base de dados, a averiguação propriamente dita (DUTRA, 2001, p. 141, grifo do autor).

Se “o objetivo final de uma investigação é a verificação de uma hipótese”, o objetivo intermediário é “o estabelecimento de uma base de dados” (2001, p. 148). Ou seja, ainda que o jornalismo mantenha como característica genérica a atribuição de ser um trabalho investigativo, nem sempre desenvolve as etapas formais de uma investigação com o interesse de cumprir um método no sentido estrito.

Ao pensar as “etapas da investigação”, esta pesquisa sintetiza três constatações quanto ao uso de hipóteses em notícias, reportagens e outras peças de jornalismo:

(1) Nem todo jornalismo é investigativo, ou seja, o trabalho jornalístico não precisa ser obrigatoriamente movido por hipóteses investigativas, mas, ao ser um exercício de jornalismo investigativo, terá que lidar com a formulação e checagem de hipótese;

(2) portanto, todo jornalismo investigativo aplica hipóteses; e

(3) o uso de hipóteses no jornalismo pode trazer esclarecimentos sobre as prováveis contribuições epistemológicas do jornalismo, ao se considerar uma teoria do conhecimento racionalista.

No jornalismo investigativo, o repórter precisa ter clareza de qual hipótese conduz sua reportagem. Manuais de metodologia científica e dicionários de filosofia ajudam a identificar essa ferramenta metodológica como uma resposta preliminar com a qual se confronta um problema dentro de uma investigação. É o entendimento do conflito “problema versus hipótese” que dá andamento à investigação:

Em geral, [a hipótese é] um enunciado (ou um conjunto de enunciados) que só pode ser comprovado, examinado e verificado indiretamente, através das suas consequências. Portanto, a característica da hipótese é que ela não inclui nem garantia da verdade nem a possibilidade de verificação direta. Uma premissa evidente não é uma hipótese, mas, no sentido clássico do termo, um axioma. Um enunciado verificável é uma lei ou uma proposição empírica, não uma hipótese. Uma hipótese pode ser verdadeira, mas sua verdade só pode resultar da verificação de suas consequências (ABBAGNANO, 2000, p. 501, grifo do autor).

Uma reportagem de jornalismo investigativo se diferencia de uma notícia e, mais ainda, de um editorial diante do investimento metodológico do jornalista, de seu interesse em validar a informação e o método que apresenta (TAMBOSI, 2003, 2005, 2007). As teorias da verdade (estudadas no campo filosófico) servem de recurso para quem pretende entender como responder a demandas lógicas para sedimentar uma argumentação em jornalismo para além dos recursos retóricos (HAACK, 1978; KIRKHAM, 2003). Para Tambosi, “um requisito fundamental para que a informação se transforme em conhecimento é a verdade”. Mas a questão aqui comentada é como produzir conhecimento, no sentido de uma crença verdadeira e justificada (HAACK, 1978). Na linguagem jornalística, a ação de montar a base de dados está ligada à fase de apuração.

Pode-se dizer que, quando o jornalista trata de “hipótese”, não significa que esta seja considerada uma resposta parcial a um problema-chave científico. Percebe-se que, ao se empenhar num trabalho de fôlego, o repórter precisa de teses intermediárias para orientar sua pesquisa (hipóteses dois, três, quatro etc.) para averiguar a solução dos problemas propostos pela investigação. À medida que as confirma ou as refuta, alteram-se seus rumos de trabalho. O andamento da investigação, porém, exige o levantamento de hipóteses. Conforme os dados são recolhidos e organizados, eles passam por uma etapa de teste e justificação. Em certas ocasiões se consegue “provar” algo; em outras, o simples percurso e explicação da pesquisa são esclarecedores quanto aos propósitos iniciais.

Para finalizar a reflexão “metodológica” sobre a investigação do jornalismo, apresenta- se três elaborações desenvolvidas na dissertação de mestrado do autor desta tese (DEMENECK, 2009), quando apresentou uma proposta de análise da objetividade em três momentos:

1) Como ponto de partida da investigação jornalística:

O impulso do jornalista à verdade (seus princípios e motivações).

Num âmbito prático: quando se escolhe a pauta e se orientam abordagens.

2) Como percurso da investigação jornalística:

Os critérios do jornalista para cercar a verdade (métodos).

3) Como validação a posteriori dos resultados da investigação jornalística

A validação do enunciado jornalístico, conforme a melhor base cognitiva disponível naquele momento histórico (justificação do conhecimento). Num âmbito prático: quando se prova que determinada informação trazida a público por um jornalista adquire o status de conhecimento proposicional. (DEMENECK, 2009).

Adiante-se, por ora, que o tema da objetividade será examinado com mais vagar na Parte III desta tese. Não obstante, algumas notas são pertinentes desde já. A tendência é que a atividade jornalística seja sempre uma estranha no ninho em se tratando de objetivações por milhares de interferências – inclusive as de fundo filosófico, como qual é a definição de realidade e como a diferenciar da fantasia. E é por serem frequentes e variados os ataques ao conceito de objetividade do jornalismo que a jornalista Stéphanie Martin organizou oito tipos de refutações ao conceito em seu artigo Verdade e objetividade jornalística: é mesmo

contestação?93 (Tradução livre, 2004). Os ataques mais constantes à objetividade são de ordem ideológica, econômica, técnica, formal, profissional, organizacional, individual e, ainda, os antirrealistas.

Segundo Adelmo Genro Filho, o jornalismo produz “uma forma de conhecimento cristalizada no singular”. Em seu livro “O segredo da pirâmide” (1989), ele indicava que o jornalismo investigativo era capaz se deslocar para um nível mais amplo de conhecimento – com vistas ao conhecimento vinculado ao particular e mesmo ao universal (MEDITSCH, 2012).

Para Adelmo Genro Filho, a teoria deveria começar pela construção de um conceito que explicasse o jornalismo, e ele o propõe como sendo uma produção social de informação e de conhecimento cuja forma se cristaliza no singular, diferentemente da arte, que se cristalizaria no particular, e da ciência, no universal, a partir de referências da Estética de Luckács (MEDITSCH, 2012, p. 177). Aplicando a teoria do jornalismo proposta por Adelmo Genro Filho, para quem tal prática social produz “uma forma de conhecimento cristalizada no singular”, vislumbra-se que tal método coloca o jornalismo numa condição mais ambiciosa na produção de “conhecimentos proposicionais” (“crença verdadeira e justificada”, segundo HAACK, 1978). Nessa perspectiva, o sistema de confirmação de hipóteses precisa ser ainda mais elaborado. Numa linguagem típica da epistemologia, sofisticou-se a “base cognitiva disponível” do trabalho da imprensa (RESCHER, 1997; NORRIS, 2007). Ou seja, numa era de

93 Segundo Stéphanie Martin, a rejeição da objetividade no jornalismo passa pela rejeição da verdade. Ela propõe

uma definição operacional de objetividade, inclusive em condições de ser medida. Como referência, ela toma os estudos de John Searle, em suas diferenciações entre senso epistêmico e senso ontológico quanto às noções de objetividade e subjetividade.

desprestígio do conceito de objetividade, renova-se discussões sobre a verdade como missão do jornalismo. Se a objetividade está em crise, é preciso conceber uma nova objetividade, em novas bases.