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Ser jornalista na fronteira com o Paraguai

PARTE II – MÉTODO

Capítulo 5 – Tipos de jornalismo e cenário global

5.3 Ser jornalista na fronteira com o Paraguai

Mauri König, testemunha ocular de ocorrências das fronteiras brasileiras, afirma que tal zona territorial pena por ser aquela onde mais há a maior distância do Estado. É onde há um

vácuo legislativo, econômico e cultural, como se a distância geográfica simbolizasse um pretexto para ser esquecida.

Sinal de isolamento dessas cidades de fronteira é o caso da colombiana Letícia e da brasileira Tabatinga, unidas pelo desamparo e pela vegetação amazônica. Toda a frota de veículos da cidade brasileira é mantida por combustível contrabandeado da Colômbia.

Igualmente problemáticas, em diferentes graus, são as cidades Chuí (RS), Ponta Porã (MS) e Guajará-Mirim (RO). Embora Foz de Iguaçu (PR) seja a mais vigiada, é a mais problemática. É aquela por onde passa o maior volume de contrabando e de tráfico de armas e drogas pelas fronteiras brasileiras.

[QUANDO PRECISOU MUDAR DE CIDADE].

Eu tive que mudar de Foz para Curitiba porque fui ameaçado pela Polícia em Foz [do Iguaçu]. Isso está no meu livro Narrativas de um correspondente de rua173. Fui ameaçado por denunciar o envolvimento de policiais civis de Foz com receptadores de carros roubados no Paraguai. Está tudo no livro. Desde então eu moro em Curitiba, pois a direção do jornal me trouxe para cá devido às ameaças.

[PERSEGUIÇÃO 1. MATÉRIA DE CONTRABANDO DE CIGARRO]. Na fronteira entre Foz e Paraguai, eu e o Albari [Rosa, da Gazeta do Povo] e o Christian Rizzi, da sucursal da Gazeta em Foz do Iguaçu. Nós três numa lancha da Polícia Federal, no Rio Paraná, para mostrar como os caras faziam o transporte das cargas do lado brasileiro. Durante todo o período, quase uma hora no rio, uma lancha dos contrabandistas seguia a gente, na margem paraguaia, para avisar que tinha polícia na área. Quando nós chegamos, antes da gente começar a filmar, ouvimos uns tiros. O policial Calori [o policial federal Celso Calori] que estava conosco disse que aquilo era normal, os caras vivem atirando em nós. E o cara mirou como forma de intimidar a gente. Além disso, ficaram nos seguindo. Tudo bem que estávamos em uma lancha blindada da PF, mas algum risco isso implica também, porque em alguns momentos tínhamos que sair para cima da lancha para fazer imagens, principalmente os fotógrafos. E se, naquele momento, os caras inventam de atirar.... Nada aconteceu e acho que seria difícil acontecer algo grave, mas o risco sempre existe, risco iminente.

[PERSEGUIÇÃO 2. MATÉRIA DE CONTRABANDO DE CIGARRO]. Em Guaíra, fronteira com o Paraguai, começa a Linha Internacional, que é uma estrada de terra de 1,3 mil quilômetros que divide os dois países. É uma fronteira muito porosa e há contrabando e tráfico de armas a todo momento. Eu e Albari percorremos um trecho curto desse caminho em um carro descaracterizado e paramos numa venda de pneus para conversar com algumas pessoas, sem nos identificarmos como jornalistas. Começamos então a perceber que estávamos sendo seguidos por dois carros suspeitos, que passavam e voltavam. Então resolvemos não ficar muito tempo. Não aconteceu nada, mas poderia ter acontecido. Assim que percebemos, saímos logo.

Segue trecho da entrevista de Mauri König174, no qual ele faz um relato sobre reportagem em zona de fronteira e os riscos que se corre devido à “distância do estado”:

Os grandes centros brasileiros, [onde ficam] o poder político e econômico do país, estão muito distantes da fronteira. Isso deixa a fronteira muito alijada dessas decisões, à deriva, ao deus-dará. Aí é que organizações criminosas, em seus vários ramos de atuação, seja no tráfico, no contrabando, tráfico de pessoas, exploração sexual, acabam nadando de braçada nessa terra sem lei. O que diferencia uma cobertura na fronteira da cobertura de um grande tema nos grandes centros brasileiros começa pela ausência de Estado e de lei, o que também implica a falta de segurança para jornalistas que vão cobrir temas de fronteira e, principalmente, para os que vivem em locais de fronteira e que cobrem esse tipo de problemas.

Mauri lembrou que institutos tal como o IPYS, ICIJ e, agora, o Connectas175 são muito importantes para financiar reportagens e para conferir reconhecimento a trabalhos de reportagem em profundidade. Além de pautar a imprensa, conseguem viabilizar reportagens que até então não passavam de projetos a caminho do descarte em redações comerciais ou não comerciais. A propósito, ele teve mil e oitocentos dólares de investimento do IPYS para fazer a série “Império das Cinzas”.

A divisão de riscos importa em reportagens transnacionais porque espalha os inimigos dos criminosos (considerando investigações de crimes transnacionais). No caso extremo de tentativas de retaliação, a divisão geográfica da rede inviabiliza ataques simultâneos. Pelo contrário, qualquer tentativa de retaliação vira motivo para intensificação da investigação por parte de toda a rede.

Brasil: quase um terço de zona de fronteira

O Brasil possui 15.719 km de linha de fronteira e uma área correspondente a 27% do seu território considerada zona de fronteira, de acordo com a sua legislação (área localizada em até 150 quilômetros da linha internacional)176. A região abriga cerca de 10 milhões de habitantes

174 Segunda entrevista com Mauri König (jornalista freelancer). Data 26 de outubro de 2015, terça-feira. Curitiba,

Brasil – Lucca Café (Alameda Pres. Taunay, 40 – Batel).

175 <http://connectas.org/>.

176 Lei 6.634/79, regulamentada pelo Decreto 85.064, de 26 de agosto de 1980. Curiosidade: No Segundo Império,

durante o governo de Dom Pedro II, a largura estabelecida da linha internacional era de dez léguas ou 66 quilômetros.

em 11 estados Brasileiros e “lindeia” a 10 países da América do Sul; espaço em que se reúnem 588 municípios, 9 deles em condição de tríplice fronteira177 e 29 em condição conturbação com a cidade estrangeira (vide abaixo o mapa “cidades-gêmeas”).

Tabela 3 – Lista de cidades-gêmeas da fronteira do Brasil178.

Municípios População 2010 Cidade com que faz fronteira

ACRE

Assis Brasil 6.072 Iñapari (PER) e Bolpebra (BOL) Brasiléia 21.398 Cobija (BOL)

Epitaciolândia 15.100 Cobija (BOL) Santa Rosa do Purus 4.691 (PER)

AMAZONAS

Tabatinga 52.272 Leticia (COL)

AMAPÁ

Oiapoque 20.509 Saint-Georges-de-l'Oyapock (Guiana Francesa)

MATO GROSSO DO SUL

Bela Vista 23.181 Bella Vista Norte (PAR) Coronel Sapucaia 14.064 Capitán Bado (PAR) Corumbá 103.703 Puerto Quijarro (BOL) Mundo Novo 17.043 Salto del Guairá (PAR) Paranhos 12.350 Ypejhú (PAR)

Ponta Porã 77.872 Pedro Juan Caballero (PAR) Porto Murtinho 15.372 Capitán Carmelo Peralta (PAR)

PARANÁ

Barracão179 9.735 Bernardo de Irigoyen (ARG)

Foz do Iguaçu 256.088 Ciudad del Este (PAR) e Puerto Iguazú (ARG) Guaíra 30.704 Salto del Guairá (PAR)

RONDÔNIA

Guajará-Mirim 41.656 Guayaramerín (BOL)

RORAIMA

Bonfim 10.943 Lethem (Guiana) Pacaraima 10.433 (Venezuela)

RIO GRANDE DO SUL

Aceguá 4.394 Aceguá (URU)

Barra do Quaraí 4.012 Bella Unión (URU) e Monte Caseros (ARG) Chuí 5.917 Chuy (URU)

Itaqui 38.159 Alvear (ARG) Jaguarão 27.931 Rio Branco (URU) Porto Xavier 10.558 San Javier (ARG) Quaraí 23.021 Artigas (URU) Santana do

Livramento

82.464 Rivera (URU) São Borja 61.671 Santo Tomé (ARG) Uruguaiana 125.435 Paso de los Libres (ARG)

SANTA CATARINA

Dionísio Cerqueira 14.811 Bernardo de Irigoyen (ARG)

177 Depois do Brasil, os países com mais tríplices fronteiras na América do Sul são, respectivamente, Bolívia (5),

Argentina (4) e Peru (4).

178 <http://cdif.blogspot.com.br/search/label/2%29%20Cidades-g%C3%AAmeas>

179 <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/especiais/retratos-parana/dois-paises-3-cidades-uma-so-

CAPÍTULO 6 – ESPECIFICIDADES METODOLÓGICAS DO