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Ser transborder em Sar-Lor-Lux

PARTE II – MÉTODO

Capítulo 5 – Tipos de jornalismo e cenário global

5.2 Ser transborder em Sar-Lor-Lux

SaarLorLux ou Saar-Lor-Lux (SR) é uma eurorregião formada na zona de fronteira de quatro Estados europeus, onde ficam Saarland, Lorena e Luxemburgo. O espaço inclui a região belga da Valônia (que é francófona e germanófona), os estados federados alemães Saarland e Rhineland-Palatinate, a região francesa da Lorena e o Estado de Luxemburgo. A região de Saar- Lor-Lux pode ser considerada como um modelo para a integração europeia, opina Grieves (2012, pos. 2.604), autor de livro sobre jornalismo transborder.

A reportagem transborder apresenta desafios em vários níveis, de acordo com Grieves. Entre eles, problemas de ordem logística, barreiras linguísticas e as dificuldades em fazer carreira dentro de um “modelo exigente”, num cenário em que os investimentos na profissão parecem encolher. No caso do jornalismo transborder, a experiência se reforça conforme a competência intercultural. O repórter deve ser capaz de se relacionar com fontes em outros idiomas e também por meio de sua compreensão da outra cultura. Entre os profissionais

entrevistados por Grieves, tanto jornalistas alemães quanto franceses descreveram o processo de construção de uma rede de contatos transborder como algo lento e meticuloso. Muito mais do que costumaria ser uma rede de contatos “nacional”.

O autor considera que esse jornalismo é um gênero, não um método. O processo de coleta das notícias transborder (transborder newsgathering) na região de SR, diz Grieves, pode ser caracterizado como “complicado”, “em vários níveis [multilevel]” e “difícil de qualificar” (id., pos. 2.066 a 2.068). Segundo Grieves, a produção de notícias regionais através das fronteiras nacionais ainda não possui padrões aceitos de ambos os lados. Aliás, não é uma carreira definida dentro do jornalismo nem em termos de educação estruturada, tampouco na preparação profissional para o trabalho nesta área. Ao longo das décadas, soluções individuais têm guiado o entendimento da reportagem transborder (GRIEVES, 2012, pos. 1.435 a 1.438). Os jornalistas devem ser inteligentes e persistentes para superar os obstáculos que surgem no decurso das suas atividades transborder.

Entre as dúvidas compartilhadas por Grieves, estão os dilemas enfrentados pelos jornalistas da SR. Uma das questões centrais seria sabe se a cobertura jornalística transborder deveria ou não ser assimilada pela cobertura “mainstream”. De um lado, ao procura ser assimilada, pode se diluir entre outros modelos de jornalismo e desaparecer; de outro lado, ao procurar manter suas distinções, pode ficar fechada apenas a um “público restrito e contornado por massas de pessoas que poderiam se beneficiar da exposição a esses temas”. Para falar do diálogo cultural (ou confronto) entre duas diferentes culturas profissionais, Grieves se refere a Thomas Hanitzsch e a dimensões das culturas jornalísticas (territorial, essencialista, específica do ambiente, centrada no valor, organizacional), comparando jornalistas alemães e franceses. Antecipa que fará generalizações e as faz:

[A cultural profissional jornalística da] Alemanha é comumente identificada como uma “cultura de baixo contexto”, em que a comunicação tende a ser direta e explícita, exigindo pouco conhecimento prévio das circunstâncias. Estudiosos de comunicação descrevem a cultura francesa como “de alto contexto”, com um alto grau de comunicação indireta. Assim, muito do que é comunicado na cultura francesa permanece silencioso [...]. Falando em generalidades, o francês considera as notícias de televisão alemãs como estéreis e rígidas, enquanto os alemães, ao verem noticiário da televisão francesa, consideram haver um privilégio do estilo sobre a substância. (GRIEVES, 2012; pos. 680 a 683; pos. 719 a 720, tradução livre).

Grieves faz a ressalva de que “blocos de construção nacionais” das culturas jornalísticas apenas parecem monolíticos. No entanto, reconhece haver diferentes graus de subdiversidade na mídia nacional. A fim de estimular os intercâmbios dessa zona intercultural, existe uma

premiação – a “Deutsch-Französischer Journalistenpreis” (em alemão), “Prix Franco-Allemand du Journalisme” (em francês) – que destaca reportagens que dão a conhecer as relações entre França e Alemanha.

Para fazer o seu livro, Kevin Grieves entrevistou cerca de 50 jornalistas, diretores de meios de comunicação e outros indivíduos durante três anos de trabalho. As entrevistas foram feitas na França, Bélgica, Luxemburgo e Alemanha, em suas línguas nativas. Grieves chama a atenção para o transborder journalism, que é pouco estudado porque está na periferia da profissão jornalística e por estar localizado e concentrado em regiões ao longo de fronteiras nacionais também periféricas, tais como a região do Alentejo, em Portugal, e Extremadura, na Espanha. Ou na região entre San Diego e Tijuana, entre EUA e México.

Grieves recorda o trabalho de Benedict Anderson que argumentava que a imprensa é que inventou o nacionalismo. Também recupera estudo de Robert H. Schimidt, publicado nos anos 1970, como um dos únicos estudos a se concentrar nesse campo, no qual ele indica três padrões comuns de jornalismo transborder: a) transmissão de programas ou distribuição de publicações de um país fronteira dentro de seu vizinho; b) reportagem feita in loco no país vizinho; e c) (específico para a radiodifusão) produção conjunta de programas em parceria entre estações de rádio e tevê do país vizinho.

Em Journalism across Boundaries, o autor defende três ideias. A primeira é a de que o jornalismo transnacional, tal qual ele se manifesta “on the ground”, é, em boa parte, modelado por entendimentos individuais desse tipo de trabalho. O segundo ponto central é que esse tipo de jornalismo não supera as culturas nacionais de jornalismo, mas as complementa. O terceiro ponto é que ele está em uma posição única para dirigir discursos públicos para identidades europeias e regiões transnacionais, com um papel crucial em face de sentimentos crescentes de descontentamento na sociedade. Ou seja, vale tanto a reflexão para uma sociedade em que as fronteiras ainda moldam a nossa visão, como também faz pensar na medida em que algumas dessas fronteiras se tornam mais permeáveis.