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Ludmila Gondim

No documento Chico Buarque, sinal aberto! (páginas 37-39)

A proposta de análise das letras de canções de Chico Buarque em salas de ensino fundamental e/ou médio ainda é uma novidade. Apesar dos muitos trabalhos, publicações e experiências com este exímio artista espalhados pelo país, ainda é difícil a aplicabilidade de conteúdos que extrapolem os manuais escolares utilizados por nossos docentes brasileiros. No ano de comemoração de seus 70 anos, o Colégio Universitário, escola de aplicação da Universidade Federal do Maranhão, elege-o como foco das pesquisas na área de linguagem e promove um evento no mês de outubro para apresen- tação dos resultados.

Esta comunicação, por sua vez, tem como objetivo expor algumas nuances temáticas da Mostra Literária Chico Buarque, 70 anos, realizada no Colun/São Luís. Haja vista que as pesquisas ainda estão em andamento, serão apresentadas algumas elaborações encaminhadas pelos envolvidos, salientando alguns roteiros de aplicação das canções em sala de aula e refle- tindo sobre a problemática do ensino de literatura.

Neste sentido, inicio minha fala comentando sobre a abordagem dada aos textos do cancionista escolhido durante as atividades em sala de aula. Partindo das canções de Chico Buarque, os professores envolvidos com a atividade buscam causar um encontro dos alunos com o literário, favore- cendo a interação com o texto e fugindo da abordagem histórica, geral- mente conferida à disciplina de Literatura. Privilegiou-se a construção de sentidos para e no texto a partir das vivências dos próprios alunos, estimu- lando-os a buscar intertextos, outros diálogos, fenômenos sociais, políticos etc. Todos os trabalhos realizados pelos professores e alunos apontam para a possibilidade de aproximação entre o adolescente e o texto literário, sua significação e sua instrumentalização para a leitura.

Dentre os temas levantados para estudo das canções estiveram: a dita- dura militar, a mulher, o intertexto com autores brasileiros, a tradição popu- lar, a religiosidade, o samba e o futebol e a política. Tomo aqui, para fins de explanação e apreciação, uma das atividades desenvolvidas pelos meus alu- nos cujo tema refere-se à relação da canção com alguns autores brasileiros.

pelo poeta. Neste sentido, no contexto de sala de aula, a canção e o poeta desempenham um papel diferente daquele desempenhado pelo ensino de literatura tradicional, ocupada em encaixar autores e obras nas categorias e nas características das escolas literárias e seus contextos de produção.

O texto/ a canção configura-se, desta maneira, como o lugar de encon- tro entre os iguais, que podem, no momento de leitura e interpretação, dizer o que pensam, o que sentiram e o que viram, já que, como objeto estético, a canção de Chico Buarque provoca a reflexão sobre as falas de outrem, induzindo o leitor a avaliar condutas, a desenvolver sensibilidades e a capacidade de imaginar, a encorajar-se diante da possibilidade de saber mais e de discernir melhor.

A primeira canção estudada foi “Sabiá”. Criada em parceria com Tom Jobim, recebeu duras críticas e vaia unânime no final da fase brasileira do

III Festival Internacional da Canção, em 1968, quando o Brasil já vivia 4 anos de ditadura. Vencedora da fase internacional, dessa vez sem as vaias, essa canção foi vista como desvinculada da realidade nacional, quando se valorizava o engajamento político.

Após ouvirem a gravação, os alunos seguiram o roteiro de leitura e exploraram o texto levantando questões como: saudade do lugar, espe- rança de voltar, certeza de encontrar a felicidade na sua terra natal e outros. A relação com o texto de Gonçalves Dias, “Canção do Exílio”, foi imediata. Ambas cantam o lugar de origem do eu lírico.

Considerado o poema mais conhecido em língua portuguesa no Brasil, “Canção do Exílio”, escrito em 1843, retrata com nostalgia a saudade de um eu lírico distante da sua terra natal. Gonçalves Dias, que estava em Coimbra (Portugal) para estudar, revela seu amor à pátria de forma con- tida, com versos harmonicamente metrificados e rimas muito bem caden- ciadas, o poeta faz alusão à pátria distante, contrastando a paisagem euro- peia e a terra natal, exaltando-a.

Na sequência, foram explorados os aspectos formais da canção: número de estrofes, número de versos, o esquema das rimas, as aliterações, as assonâncias, o ritmo e a presença de figuras, tais como: metáforas, com- parações, prosopopeias, sinestesias e antíteses.

Escrito em 1ª pessoa, com predominância de formas verbais no futuro e no presente, a canção é composta de 4 estrofes, não coincidindo o número de versos, a não ser na 2ª e na 3a estrofes. Predominam o esquema

ABAB das rimas que se repetem num ritmo cadenciado do começo ao fim, com pouquíssimas variações. Possui como mote os versos “Vou voltar/ sei

que ainda vou voltar”, que também se repetem no início de cada uma das estrofes. (Sobre melodia, não me arrisco a analisar, já que me faltam ele- mentos teóricos para tal).

Num segundo momento, seguiu-se a comparação dos dois textos e o levantamento de palavras que compunham o quadro semântico do tema exílio, estabelecendo as similaridades e diferenças no tratamento dado ao tema pelos dois autores brasileiros.

Examinaram-se as palavras retomadas na canção de Chico Buarque, tais como: “sabiá” (título da canção de Chico Buarque. Aparece empregada no feminino, por determinação de Tom Jobim, que dizia ser melhor já que indica a voz do caçador, que usa o artigo feminino para se referir à sua presa); “palmeira” (lugar de arrefecimentos dos ânimos, da paz e da tran- quilidade); “flor” (sugere a doçura e a delicadeza) e “amor” (que afasta o quê negativo e anuncia o novo).

Tomando o texto literário em sua materialidade, “como uma peça em que elementos articulados são relevantes para a construção dos sentidos” (CYNTRÃO, 2004, p. 42), procedeu-se à metodologia de levantamento dos constituintes do texto: a perspectiva narrativa, os personagens, as imagens. Em seguida, a forma como estes elementos se relacionavam no texto e que cargas semânticas assumiram e com que recorrência.

A atividade dirigida de identificação das palavras e dos recursos que a língua oferece como: a organização sintática, a seleção vocabular, as figuras de linguagem, a musicalidade e o ritmo ajustarão e caracterizarão a visão de mundo e da existência do poeta analisado. Neste sentido, as marcas encon- tradas pelos alunos refletiram:

a) Um exílio imaginário diferente do exílio vivido por Gonçalves Dias, visto que em “Sabiá” o poeta ainda estava no país, mas o eu lírico não.

b) Enquanto Gonçalves Dias sugere um Brasil de “mais flores”, “mais vida”, “mais amores”, Chico Buarque caminha na perspectiva de um lugar de falta, de escassez: “Vou deitar à sombra/ de uma palmeira/ que já não há/colher a flor/ que já não dá”.

c) Esperança de voltar, de forma mais expressiva, em “Sabiá”: “Vou voltar/ sei que ainda vou voltar/e é pra ficar/”, enquanto em “Canção do Exílio” a esperança se traduz como súplica a Deus: “Não permita Deus que eu morra/ sem que eu volte para lá”.

Outros textos também estão sendo analisados pela turma. Além de “Sabiá”, listamos “Meninos eu vi” (que dialoga com “I-Juca Pirama” de Gonçalves Dias), “Flor da idade” e “Até o fim” (que dialogam

com “Quadrilha” e “Poema de Sete Faces”, respectivamente, ambos de Drummond), “Doze anos” (que dialoga com “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu), “Alumbramento” (que dialoga com “Alumbramento”, de Manuel Bandeira), “Iracema voou” (que dialoga com Iracema de José de Alencar), “Assentamento” e “Xote da navegação” (que dialoga com dois contos dife- rentes de Guimarães Rosa, o primeiro com a epígrafe do conto “Barra de Vaca”, em Tutameia; e o segundo com “A terceira margem do rio”).

Os resultados das análises das canções e dos textos serão apresentados em forma de exposição e de performances. Em equipes, os alunos organi- zarão suas instalações com fotografias, desenhos, slides, além de apresenta- ções de outras composições inspiradas nos textos que leram.

A análise das canções de Chico Buarque, seja como fenômeno de lin- guagem, seja como objeto artístico, contribui para o desenvolvimento de competências de leitura e de escrita dos alunos, visto que os textos esco- lhidos instigam a reflexão sobre questões inerentemente humanas e aces- sam realidades distintas. Ao oportunizar a ampliação das vivências e dos conhecimentos de si e do mundo, o estudo das letras cumpre seu papel humanizador ao tornar seus leitores, alunos e professores mais conscientes, mais sensíveis em relação a si mesmos e ao outro, quiçá, também melhor preparados para agir no mundo de tantas contradições.

O estudo da materialidade do texto literário expõe a dimensão lin- guística e a dimensão humana de maneira imbricada de forma que uma contribui para a constituição da outra. Alunos e professores, então, con- seguem compreender que para entender o material humano presente na canção é preciso também perceber as estruturas linguísticas, visto que a temática escolhida pelo cancionista orienta suas escolhas linguísticas. Em sala de aula, a canção é posicionada como um fazer poético capaz de colo- car-se ao lado do poema.

referências bibliográficas

CYNTRÃO, Sylvia Helena. Como ler o texto poético: caminhos contemporâneos. Brasília: Editora Plano, 2004.

SILVA, Anazildo Vasconcelos da. Quem canta comigo: representações do social na poesia de Chico Buarque. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.

No documento Chico Buarque, sinal aberto! (páginas 37-39)