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Apresentamos agora a maneira de utilizar a balança para se obter medidas de peso. Vamos supor então que já construímos nossa balança de braços iguais, que ela tenha total liberdade para girar ao redor do fulcro e que ela esteja equilibrada. Isto é, que o travessão da balança fique parado na horizontal quando ela é livre para girar ao redor do fulcro, com pratos dependurados a distâncias iguais do plano vertical passando pelo fulcro.

Experiência 7.1

Colocamos um corpo A (por exemplo, um clipe grande) no prato esquerdo da balança e uma seqüência de N corpos B diferentes (por exemplo, um clipe pequeno, um clipe grande, uma moeda, um pedaço de massa de modelar, ...) no prato direito da balança, tal que haja apenas um corpo B de cada vez neste prato, soltando a balança do repouso com seus braços na horizontal. Observa- mos que em alguns casos A sobe enquanto B aproxima-se da Terra, em outros casos os dois ficam parados com os braços da balança na horizontal, e em outras situações A desce enquanto B sobe.

Definição: Dizemos que dois corpos A e B possuem o mesmo peso P quando, ao colocar A sobre um dos pratos desta balança e B sobre o outro prato, soltando-a do repouso, ela permanece parada na horizontal, como na Figura 7.8.

Para que se tenha uma precisão melhor, é relevante que se inverta a posição dos corpos sobre os pratos da balança. Caso ela ainda continue em equilíbrio, pode-se afirmar que os dois corpos possuem realmente o mesmo peso. O motivo para esta precaução é que pode acontecer de um dos braços (vamos chamá-lo de braço 1) esteja a uma distância menor da vertical passando pelo fulcro do que o outro braço, o braço 2, sendo esta diferença entre as distâncias difícil de perceber a olho nu. Vamos supor que os braços tenham comprimentos diferentes. Caso o corpo A colocado no prato do braço 1 equilibre o corpo B colocado no prato do braço 2, isto vai deixar de ocorrer ao colocarmos A sobre o prato do braço

A

B

Figura 7.8: Uma balança em equilíbrio com pesos iguais.

2 e B sobre o prato do braço 1. O equilíbrio da balança só vai ocorrer nos dois casos (A sobre o braço 1 e B sobre o braço 2, assim como A sobre o braço 2 e B sobre o braço 1) se os dois braços estiverem realmente à mesma distância do plano vertical passando pelo fulcro. Esta inversão dos corpos em relação aos pratos deve ser verificada nos outros casos que lidam com balanças de braços iguais. Como não vamos mais mencionar este fato, vamos supô-lo implícito nas outras definições e procedimentos.

Embora se diga que o peso P é do corpo A (ou do corpo B), como se pertencesse a ele ou fosse uma propriedade do corpo A, na verdade ele vem de uma interação de A com a Terra (ou de B com a Terra), interação esta chamada de gravidade, que tende a unir os corpos A e B com a Terra. Logo, o mais correto seria definir que a interação atrativa de A com a Terra possui o mesmo valor P que a interação atrativa de B com a Terra se, ao colocar A sobre um dos pratos de uma balança de braços iguais e B sobre o outro prato, soltando a balança do repouso, ela permanecer parada na horizontal. De qualquer forma, vamos manter a denominação apresentada anteriormente por ser de uso comum. Mas não se deve esquecer este aspecto que estamos mencionando aqui.

Esta é uma definição operacional da igualdade de pesos e não uma lei experi- mental. Ou seja, utilizamos uma observação empírica para fazer uma definição conceitual.

Para que esta fosse uma lei experimental, já deveríamos ter antes uma defini- ção para saber quando é que dois corpos possuem o mesmo peso. Se este fosse o caso, então poderíamos dizer que viria da experiência que dois corpos de mesmo peso se equilibram em uma balança de braços iguais. Mas como historicamente foi com a balança de braços iguais que se obteve a primeira maneira objetiva de se quantificar a noção de peso, esta igualdade tem de vir por definição. Só depois que já se tem esta primeira definição operacional é que se podem obter outros resultados experimentais a partir da igualdade de peso. Por exemplo, suponha que já se determinou pelo procedimento operacional apresentado an- teriormente utilizando uma balança que dois corpos A e B possuem o mesmo peso. Com isto vem então o resultado empírico ou lei experimental de que dois corpos de pesos iguais deformam uma mesma mola de uma mesma quantidade ao serem apoiados separadamente sobre ela e mantidos em repouso em relação à Terra.

A definição anterior é a principal maneira operacional de se quantificar a igualdade de peso entre dois corpos. Poderia se pensar em uma definição alter- nativa, tal como: definimos que dois corpos feitos do mesmo material e tendo a mesma forma e o mesmo tamanho possuem o mesmo peso. Mas esta defini- ção alternativa apresenta alguns problemas ou limitações por dois motivos. O primeiro é que é difícil saber se dois corpos são realmente feitos do mesmo ma- terial, já que podem existir diferenças microscópicas entre eles que surgem no processo de fabricação dos corpos, ou então diferenças internas difíceis de detec- tar (bolhas, impurezas, ...). E mesmo que se desprezasse este aspecto, surge um segundo problema ainda mais importante. Não existe a mínima possibilidade de se comparar o peso de dois materiais distintos com esta definição alternativa, tais como ferro e madeira, ou como milho e água. Ou seja, quando os cor- pos possuem natureza química diferente, não se pode saber com esta definição alternativa como comparar seus pesos.

Vamos ilustrar este ponto com um exemplo específico, já que é algo relevante pouco discutido nos livros. Ao comprarmos uma caixa de clipes percebemos vi- sualmente que possuem a mesma forma e o mesmo tamanho. Como são feitos do mesmo material, é razoável supor que possuem o mesmo peso. Apesar disto, sempre existem variações microscópicas entre dois clipes, mesmo que estas vari- ações sejam difíceis de perceber macroscopicamente. De qualquer forma, mesmo que se deixasse este aspecto de lado, não existe a mínima possibilidade de com- parar visualmente o peso de um destes clipes com um certo pedaço de massa de modelar. Afinal de contas, o clipe e a massa possuem forma diferente, tamanho diferente, cor diferente e, principalmente, são feitos de substâncias químicas dife- rentes. A única maneira de saber se possuem ou não o mesmo peso é utilizando algum efeito mensurável que surge da atração gravitacional. O instrumento quantitativo que surgiu primeiro para determinar o peso foi a balança de braços iguais. Dizemos então, por definição, que um clipe e uma certa quantidade de massa de modelar vão possuir o mesmo peso se, ao serem colocados em repouso sobre os pratos desta balança, ela permanecer parada na horizontal.

Vemos então que a melhor maneira é definir a igualdade de pesos entre dois corpos A e B através de algum efeito gravitacional causado por estes corpos. Pode ser o equilíbrio da balança como apresentado anteriormente, ou então o fato de eles causarem a mesma deformação em uma certa mola, ou algum outro critério deste tipo. Como historicamente as molas surgiram milhares de anos depois da balança de braços iguais, vamos adotar a definição anterior baseada em um efeito empírico sobre a balança.

Em princípio esta definição só é estritamente válida quando a balança está cercada por um alto vácuo. O motivo para esta precaução é que se os corpos A e B estiverem imersos em um fluido como o ar, vai haver uma força para cima exercida sobre eles pelo ar, o empuxo. E esta força é igual ao peso do ar deslocado, como descoberto pelo próprio Arquimedes. Portanto, o corpo com volume maior receberá uma força maior do ar. Esta força do ar vai perturbar a comparação dos pesos de A e de B. Em nossa definição estamos desprezando o efeito desta força de empuxo, considerando apenas as forças para baixo exercidas sobre A e B devidas a suas interações com a Terra.

Definição: São dados dois corpos A e B colocados em pratos separados de uma balança de braços iguais, inicialmente na horizontal, sendo o sistema solto do repouso. Caso a balança não fique equilibrada mas se incline para um dos lados dizemos que é mais pesado (leve) o corpo que se aproximar (afastar) da Terra.

Experiência 7.2

Vamos agora colocar dois pratos com linhas bem compridas na balança, de mesmo peso, tal que o sistema fique em equilíbrio com o travessão na horizontal quando são colocados dois corpos de mesmo peso em seus pratos, como na Figura 7.9a. Depois disto encolhemos bastante uma das linhas, colocando o excesso que não está esticado dentro do prato a que pertence, e soltamos novamente o sistema com o travessão na horizontal. O que se observa é que a balança continua equilibrada, como na Figura 7.9b. Ou seja, experimentalmente vem que o peso de um corpo não depende de sua altura em relação à superfície da Terra.

Figura 7.9: O peso não depende da altura do corpo. A parte encurtada da linha do prato da direita foi enrolada ao redor do peso sobre este prato.

Com a teoria da gravitação universal de Newton sabemos hoje em dia que este resultado é apenas uma aproximação, pois a força gravitacional entre dois corpos esféricos cai com o quadrado da distância entre seus centros. Mas devido ao raio imenso da Terra, comparado com a diferença de comprimento entre estes dois fios nesta experiência, a mudança de peso será desprezível. Isto é, ela não pode ser detectada com este tipo de experiência. Portanto, podemos assumir como um resultado experimental que o peso de um corpo na superfície da Terra não depende de sua altura até o solo.

Agora que já definimos a igualdade de peso entre dois corpos, podemos prosseguir quantificando a noção de peso com outra definição.

Definição: Definimos que N corpos de mesmo peso, colocados juntos, pos- suem N vezes o peso de um deles.

Por exemplo, suponhamos que com uma balança de braços iguais descobri- mos que os corpos A, B, C e D possuem o mesmo peso P (isto é, PA= PB =

PC = PD ≡ P ). Caso coloquemos estes quatro corpos sobre um dos pratos da

balança e verificarmos que eles equilibram juntos um outro corpo E colocado no outro prato da balança, diremos, por definição, que o peso de E é quatro vezes maior que o peso de A (isto é, PE≡ 4PA).

Esta pode parecer uma definição trivial. Mas isto não é verdade. Para ver que esta definição não é trivial, podemos compará-la com o caso da tempe- ratura de um corpo. Definimos que dois corpos estão à mesma temperatura T quando, ao serem colocados em contato, permanecem em equilíbrio térmico (isto é, quando suas variáveis macroscópicas, como a pressão ou o volume no caso de gases, não se alteram com a passagem do tempo). Mas se colocamos juntos N corpos de mesma temperatura T , o sistema ainda vai ter a mesma temperatura T , e não uma temperatura N vezes maior do que T . O mesmo ocorre com a densidade. Isto é, se colocamos juntos N corpos sólidos cúbicos homogêneos com a mesma densidade ρ, o sistema ainda vai ter a mesma densidade ρ, e não N vezes esta densidade.

Baseado nesta definição podemos preparar um conjunto de pesos padrão. Escolhemos como nosso padrão um corpo específico, por exemplo um clipe de papel. Definimos que ele tem peso 1. Com uma balança encontramos vários outros corpos (como pedaços de massa de modelar) que têm o mesmo peso. Co- locamos então cinco destes pesos iguais em um lado de uma balança e colocamos no outro lado uma quantidade apropriada de massa de modelar que equilibra estes 5 corpos. Esta massa de modelar terá, por definição, peso 5. Podemos marcar este número na massa. Podemos encontrar desta maneira outros pa- drões de peso 10, 50 e 100, por exemplo. Suponha agora que queremos pesar uma maçã. A colocamos de um lado da balança e descobrimos quantas unida- des temos de colocar do outro lado para equilibrá-la. Se forem necessárias 327 unidades, dizemos que o peso da maçã é de 327 clipes de papel, ou simplesmente 327 unidades.

Agora que já apresentamos as principais definições relacionadas à igualdade de peso entre dois corpos e que estes pesos seguem a propriedade aditiva, vamos ver algumas experiências que permitem melhorar a precisão das balanças.