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Entre as obras atualmente conhecidas de Arquimedes, nenhuma tem chamado tanta atenção quanto O Método. A única informação que se tinha sobre este trabalho até 1906 era seu título. Entre 1880 e 1881 o erudito dinamarquês J. L. Heiberg (1854-1928), professor de filologia clássica na Universidade de Cope- nhagem, publicou a obra completa de Arquimedes então conhecida, em grego e latim, em três volumes. Esta obra serviu como base para a tradução com- pleta recente das obras de Arquimedes para vários idiomas, como o inglês feita por T. L. Heath (1861-1940) publicada em 1897. Ao descrever as obras per- didas de Arquimedes, Heath cita O Método em uma única frase, [Arc02, pág. xxxviii]: “`ǫφ´oδιoν, um Método, mencionado por Suidas, que afirma que Theodo- sius escreveu um comentário sobre ele, mas não fornece informações adicionais.” Suidas foi um dicionarista grego que viveu no século X, enquanto que Theo- dosius (c. 160-90 a.C.) foi um matemático da Anatólia, atual Turquia. Mas em 1899 Heiberg leu uma informação sobre um palimpsesto de conteúdo mate- mático localizado em Constantinopla. A palavra palimpsesto significa “raspado novamente.” Em geral trata-se de um pergaminho (pele de animal raspada e polida para servir de escrita) usado duas ou três vezes, por meio de raspagem do texto anterior, devido à escassez do material ou ao seu alto preço. Este pa- limpsesto específico continha uma coleção de orações usadas na igreja ortodoxa oriental escritas por volta do século XIII, redigida sobre um texto manuscrito matemático do século X. Por algumas poucas linhas a que teve acesso, Hei- berg suspeitou que se tratava de um texto de Arquimedes. Conseguiu viajar

a Constantinopla e examinou o manuscrito por duas vezes, em 1906 e 1908. Felizmente o texto original não tinha sido totalmente apagado com sucesso e Heiberg conseguiu ler a maior parte com o auxílio de lupas e fotografias. O manuscrito continha 185 folhas com obras de Arquimedes em grego. Além dos textos já conhecidos, continha três tesouros: (I) Fragmentos do Stomachion, (II) A única versão ainda existente em grego de partes importantes da obra Sobre os Corpos Flutuantes. Anteriormente só se conhecia a tradução para o latim feita por Willem von Mörbeke em 1269 a partir de um outro manuscrito grego atualmente perdido. (III) A maior parte do trabalho O Método de Arquimedes! Uma obra que estava perdida por dois mil anos (o último a estudá-la parece ter sido Theodosius), não se conhecendo nem mesmo seu conteúdo, surgiu de repente ampliando enormemente nosso conhecimento sobre Arquimedes. Até os comentários de Theodosius sobre esta obra não são conhecidos. Este manuscrito continha as seguintes obras, nesta ordem: a segunda parte de Sobre o Equilíbrio dos Planos, Sobre os Corpos Flutuantes, O Método, Sobre as Espirais, Sobre a Esfera e o Cilindro, Medida do Círculo, e Stomachion.

Em 1907 Heiberg publicou o texto da obra O Método em grego e uma tradu- ção para o alemão, com comentários de Zeuthen. Em 1912 Heath publicou um complemento à sua tradução para o inglês das obras completas de Arquimedes, incluindo agora O Método. Entre 1910 e 1915 Heiberg publicou uma segunda edição das obras completas de Arquimedes, em grego e latim, em três volumes. Esta segunda edição é bem melhor do que a primeira e foi reeditada em 1972, [Hei15]. A descoberta de Heiberg foi manchete do New York Times em 1907.

Mas a história não termina aqui. No período entre 1908 e 1930 o manuscrito desaparece, acreditando-se que tenha sido roubado. Ao redor de 1930 um cole- cionador de antiguidades francês compra o manuscrito, sem o conhecimento do mundo exterior. Em 1991 a família deste francês coloca o manuscrito para ser leiloado e só então todos ficam sabendo que se tratava do manuscrito descoberto por Heiberg em 1906 e que se considerava novamente perdido. Em 1998 ele foi leiloado pela Christie’s, em Nova York. Foi comprado por cerca de 2 milhões de dólares por um bilionário anônimo e emprestado para o Walters Arts Gallery, de Baltimore, EUA. Um grupo de eruditos, dirigido por Nigel Wilson e Reviel Netz, da Universidade de Stanford, está trabalhando para a restauração, digi- talização e publicação do manuscrito, que contém a única cópia existente de O Método, um trabalho que se considerava perdido por aproximadamente 2.000 anos!

A importância deste trabalho é que ele contém praticamente o único relato de um matemático da antiguidade apresentando o método que o levou à desco- berta dos seus teoremas. Em todos os outros trabalhos só temos os teoremas apresentados em sua forma final, deduzidos com rigor lógico e com demonstra- ções cientificamente precisas, a partir de axiomas e de outros teoremas, sem que se saiba qual foi o caminho ou a intuição que levou ao resultado final. O Método alterou tudo isto. Neste caso Arquimedes apresenta o caminho que utilizou para chegar a diversos resultados importantes e difíceis de quadratura e de cubatura (obtenção de áreas e de volumes por integração), assim como ao centro de gra- vidade de diversas figuras geométricas. Nada melhor agora do que dar a palavra

a Arquimedes na descrição do seu trabalho, [Arc02, Suplemento, págs. 12-14]: “Arquimedes para Eratóstenes, saudações.

Enviei a você em uma ocasião anterior alguns dos teoremas que descobri, apresentando apenas os enunciados e convidando-o a des- cobrir as demonstrações, que não havia fornecido naquela ocasião. Os enunciados dos teoremas que enviei naquela ocasião são como segue.

(...)

Além disso, vendo em você, como digo, um estudante sério, um ho- mem de eminência considerável em filosofia, e um admirador [da pesquisa matemática], achei apropriado apresentar e explicar para você detalhadamente no mesmo livro a peculiaridade de um certo método, através do qual será possível a você ter um começo para capacitá-lo a investigar alguns dos problemas em matemática por meio da mecânica. Estou persuadido de que este procedimento não é menos útil até mesmo para a demonstração dos próprios teoremas; pois algumas coisas tornaram-se claras para mim por um método mecânico, embora tivessem de ser demonstradas depois pela geome- tria, pois a investigação destas coisas por este método não forneceu uma demonstração real. Mas obviamente é mais fácil fornecer uma demonstração quando já adquirimos anteriormente, pelo método, al- gum conhecimento das questões, do que encontrar a demonstração sem qualquer conhecimento. Este é o motivo pelo qual, no caso dos teoremas que Eudoxo foi o primeiro a descobrir as demonstrações, a saber, que o [volume do] cone é a terça parte do cilindro [circuns- crito], e [o volume] da pirâmide [a terça parte] do prisma [circuns- crito], tendo a mesma base e a mesma altura, devemos dar uma parte importante do crédito a Demócrito que foi o primeiro a afirmar isto com relação a esta figura, embora ele não tenha demonstrado isto. Eu próprio estou na posição de ter feito inicialmente a descoberta do teorema a ser publicado agora [pelo método indicado], e considero necessário expor o método, parcialmente por já ter falado sobre ele e não quero que se pense que proferi palavras em vão, mas também porque estou persuadido de que o método será bem útil para a ma- temática. Pois entendo que alguns dos meus contemporâneos ou dos meus sucessores serão capazes, por meio do método uma vez que ele esteja estabelecido, de descobrir outros teoremas adicionais, os quais ainda não ocorreram para mim.

Em primeiro lugar vou apresentar o primeiro teorema que descobri por meio da mecânica:

Qualquer segmento de uma parábola é igual a quatro terços do triân- gulo que tem a mesma base e a mesma altura. Após isto apresentarei cada um dos teoremas investigados pelo mesmo método. Então, no

final do livro, apresentarei as [demonstrações] geométricas [das pro- posições]...

[Apresento as seguintes proposições que usarei ao longo do trabalho.] (...)”

Após esta introdução sobre a vida e a obra de Arquimedes, descreveremos agora diversas experiências que levam a uma definição conceitual precisa do que vem a ser este famoso centro de gravidade dos corpos.

Parte II

Capítulo 3

Geometria

Começamos nosso trabalho com um pouco de matemática. Vamos recortar algu- mas figuras planas e obter suas propriedades geométricas principais. Mais tarde elas serão utilizadas em algumas experiências. As dimensões que apresentamos aqui são adequadas para atividades individuais, sendo que os tamanhos devem ser maiores no caso de serem feitas experiências de demonstração em sala de aula ou em palestras e seminários.

Material Empregado

- Cartolina, papelão, cartão duro ou papel cartão plano (o papel cartão é melhor que a cartolina pois é um pouco mais espesso e, portanto, mais firme). Também pode ser usada a espuma EVA, lâminas de madeira (tipo madeira de balsa), folhas de isopor, chapas planas e finas de plástico rígido ou de alumínio etc.

- Folhas de papel em branco.

- Régua, caneta, esquadro, compasso e transferidor.

3.1

Obtendo os Centros de Círculos, Retângulos

e Paralelogramos

Traçamos e recortamos no papel cartão um círculo com 7 ou 8 cm de diâmetro. Caso o círculo tenha sido traçado utilizando um compasso, marca-se depois o centro do círculo (ponto furado pelo compasso) com uma caneta, indicando-o pela letra X.

Caso o círculo tenha sido traçado utilizando um copo colocado em cima do papel cartão, pode-se encontrar o centro pelo cruzamento de dois diâmetros. Os diâmetros podem ser traçados com uma régua. Mas é difícil ter certeza se a régua está passando exatamente pelo centro, caso este centro não tenha sido localizado anteriormente.

Um procedimento alternativo para se encontrar os diâmetros e o centro do círculo utiliza dobraduras. Nas experiências que serão feitas em seguida é melhor

utilizar as figuras planas de papel cartão plano sem dobras. Todas as dobraduras devem então ser feitas com figuras análogas feitas de folha de caderno ou de papel sulfite. Coloca-se o círculo de papel cartão em cima de uma folha de papel e corta-se nesta folha um círculo igual ao que havia sido feito com o papel cartão. Depois dobra-se o círculo de papel em duas metades iguais. Faz-se então mais uma dobra para que o círculo fique dividido em quatro partes iguais, ver a Figura 3.1. Pode-se então traçar com caneta os diâmetros no círculo de papel. O centro do círculo será o cruzamento destes diâmetros. Furando-se o centro do círculo de papel e colocando-o novamente sobre o círculo de papel cartão, pode-se marcar no papel cartão com uma caneta o centro do círculo.

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Figura 3.1: Achando o centro de um círculo com dobraduras.

Recorta-se de um papel cartão a figura de um retângulo com lados de 6 cm e de 12 cm. No caso do retângulo existem duas maneiras alternativas de se encontrar o centro. A mais simples é ligando os vértices opostos. O centro do retângulo é o cruzamento destas diagonais, que deve ser marcado pela letra X. A outra maneira é encontrando (com uma régua ou com dobradura) inicial- mente o ponto médio de cada lado. Liga-se então os pontos médios dos lados opostos. O centro do retângulo é o cruzamento destas duas retas.

O paralelogramo é um quadrilátero plano cujos lados opostos são paralelos. Recorta-se de um papel cartão uma figura na forma de um paralelogramo com lados de 6 cm e de 12 cm, com o menor ângulo interno sendo de 30o(ou de 45o).

Pode-se encontrar o centro de um paralelogramo utilizando os dois métodos empregados no caso do retângulo, como na Figura 3.2.

X

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Figura 3.2: Achando o centro de um paralelogramo com dobraduras.