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algumas sociedades ditas arcaicas, se pode atender a integração completa do todo social, dai que não é

4. Metodologia de Análise

(…) a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas visões dissociadas; e que só a podemos entender fundindo o texto e contexto numa interpretação dialeticamente integra em que tanto o velho ponto de vista que explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente independente, se combinam como momentos necessários do processo interpretativo (…) o externo [o social] importa (…) como elemento que desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto, interno (…) (Cândido:2006:13-14)

As obras culturais são objeto de uma apropriação, material ou simbólica e assumem-se como capital cultural e, nesta condição, são sujeitos de distinção, propiciadores de distintas formas de apropriação de acordo com as capacidades de acesso aos instrumentos de apropriação da herança cultural (Bourdieu:1979). Apropriação que “(...) permite superar a oposição entre leitura interna e a análise externa sem perder nada das aquisições e das exigências dessa abordagem, tradicionalmente percebidas como inconciliáveis”(Bourdieu:1996:234).

O que nos propomos realizar é uma análise de textos literários de autores macaenses de acordo com os pressupostos teórico - metodológicos da Sociologia da Literatura, numa abordagem empírica que privilegia o entendimento da obra literária como documento social, considerando, no entanto que, dadas as características do corpus escolhido deveríamos optar, também, pela adaptação do modelo analítico da sociopoética, que tem sido desenvolvido por Alain Viala (1993), pois, o que se pretende ao considerar a produção literária de um autor como objeto de estudo no sentido de, através dela, entender até que ponto esse objeto é, simultaneamente, literário e veículo de identidade, é um olhar ao texto, tanto no plano émico, com, necessariamente, no plano ético (Venâncio; 1990).

A literatura constitui um discurso social; um discurso sobre a sociedade, não no seu todo, não por si só, mas na medida em que é tecida pelos valores, o pensamento, os meandros da cultura, os modos de representação, mesmo que não haja deles explicitação numa textualidade elaborada pelos fios da literariedade, da linguagem da literatura. São os narradores, muitas vezes as personagens, que transportam para o mundo diegético da obra literária o habitus de classe dos autores, muitas vezes replicam as suas trajetórias, deixam transparecer a reinterpretação da realidade social de acordo com os valores e a ideologia que lhes subjaz. Na matéria da obra literária emerge sempre o olhar implicado do autor, seja porque imerge num auto-biografismo, seja porque, na pretensão do olhar exterior sobre o mundo que escreve, pauta o seu trabalho pela interpretação à luz da sua própria conceção de mundo, da sua realidade social19.

O modelo analítico que subjaz à ideia de sociopoética consubstancia duas dimensões (Molinié;Viala:1989): uma que focaliza o valor social dos géneros e das formas, ou seja, recorre ao construto teorético da sociologia da literatura; outra dimensão, que objetiva a análise das construções discursivas da significação e necessita do recurso da teoria da literatura e da poética formal, pois sendo uma proposta de modelo de análise hibrido, ao emergir da confluência dialogante dos campos da teoria literária e da sociologia da literatura, permite uma exploração conjunta da sociedade e da literatura; assim, cada uma das dimensões de análise não tem papel autónomo ou hegemónico, antes uma relação dialógica simétrica.

Ao definir como objeto da sociopoética a relação que se estabelece entre os factos de uma sociedade e as concretizações históricas de um determinado escrito, o que Viala propõe é uma metodologia que permite interligar as metodologias que, tradicionalmente focalizam, em termos analíticos, a obra ou nos aspetos internos ou nos aspetos externos. Assim ao inter-relacionar a sociologia da literatura e a poética, a arte das formas, o modelo analítico da sociopoética permite entender o mundo referencial do texto de acordo com vários prismas; deste modo o objecto a estudar integra-se nas mediações que constituem os sistemas de relações entre a literatura e as outras práticas sociais, ou seja os efeitos de prisma.

À escolha dos prismas subjaz as características específicas do corpus em análise; algumas das faces prismáticas, passíveis de ser objeto de análise numa

19 No entender de Alfred Schütz, a realidade social não é assumida passivamente pelos indivíduos, na

medida em que eles interpretam e descrevem de forma continua o que experienciam no seu quotidiano, de modo a dar sentido ao que fazem e ao que os outros fazem, e a reconstituir essa realidade, que só assim se torna real. (Schütz:1987)

obra literária são: a língua, o campo literário, o sistema de géneros literários, o autor; estes prismas comportam-se como instâncias mediadoras no texto literário e cada uma das faces prismáticas permite entender o social que é refratado pelo texto; assim, subjacente ao prisma da língua, estão os registos, os níveis, a sua distribuição de uso de acordo ou não com os grupos sociais; o dialeto e as intenções da sua utilização que perpassa pelo construto enunciativo; o dialeto e estrutura sintática da língua como fator identitário.

No que concerne ao prisma do género e dos códigos estéticos, entende-se que, constituindo os géneros literários códigos sociais e, em termos estéticos, os estilos se constituem como indicadores expressivos das normas culturais de um determinado tempo, são compagináveis com as normas linguísticas que se consubstanciam em facto social. Assim a análise incidirá sobre os géneros literários do corpus; que géneros e que códigos? Os géneros que leitores selecionam?

A respeito do prisma autor a análise incidirá na dimensão de representação do imaginário autoral; a dimensão social de acordo com a sua trajetória; – de que modo transparecem na forma e conteúdo da escrituralidade? De que forma a estratégia literária se compagina com o seu percurso pessoal e social? Que pacto de leitura estabelece o autor com o leitor?

Considerado por Viala (1988:p.67) como um dos prismas fundamentais, embora entenda que não se deve recorrer a este modelo de análise a não ser em períodos e em situações que justifiquem a sua pertinência, o campo literário, concerne ao conceito formulado por Bourdieu (1996), como espaço social relativamente autónomo formado pelo conjunto de agentes, obras e outros interlocutores da praxis literária, estruturalmente definido por um sistema de forças que são motivadas pelos seus conflitos; constituindo-se como uma mediação não é só veículo das determinações sociais que se exercem sobre a literatura, mas, considera-se que a literatura se elabora de acordo com uma lógica de mediações próprias do seu campo e que tem a eventual capacidade de agir sobre outras esferas das práticas sociais.

Na análise do espaço literário, (Viala:1988:64) deverá, pois, ser premente o cotejo com os outros campos sociais, situá-lo no seu momento histórico integrado no campo intelectual e relacioná-lo com o campo do poder, na medida em que é parte importante do poder simbólico, e o maior ou menor grau da sua autonomia é determinante para a sua posição na hierarquia dos valores culturais; tal como, as mediações subjacentes à estrutura do campo, ou seja, as posições hierárquicas, a

importância ou a desvalorização de uma corrente estética, de uma escola, o grau de consideração a um género literário em detrimento de outro, a avaliação das instituições autorictas. Há todo um conjunto de circunstâncias que devem ser tidas em conta quando se pretende fazer o estudo sociológico do literário de acordo com este prisma de análise.

No que às obras literárias, por nós consideradas, diz respeito, refere-se que as textualidades do corpus consubstanciam uma especificidade no que concerne ao seu enquadramento nos cânones literários20 e consequentemente no campo

literário. Não sendo conhecida como canónica no âmbito da Literatura Portuguesa, não é também entendida como uma literatura regional, contudo tentaremos encontrar as formas de reconhecimento que os percursos21 das obras nos

permitem.

As implicações dos efeitos prismáticos no e do texto, resultado da análise interpretativa, permitem consubstanciar o objeto da sociopoética de forma dual, ou seja, a relação entre a sociedade e a literatura pode ser entendida como uma relação de forças em que, por um lado, a literatura, a obra literária, está subordinada ao agir da sociedade; por outro assiste-se à relação inversa que está subjacente ao ato de escrita na medida em que ao escrever o autor antevê os efeitos, reais ou simbólicos, que o seu texto produzirá, antecipando, pois, as condições de receção, agindo assim a literatura sobre a sociedade.

Do ponto de vista epistemológico considerou-se pertinente o recurso a outras áreas cientificas das ciências sociais, assim, e apesar de não ser nosso intuito, com o presente trabalho, inovar teoricamente sobre a identidade e a cultura dos macaenses, enquanto grupo, mas tão só, tentar apreender, nomeadamente através das várias teses existentes sobre a temática, as formas de construção/reconstrução dessa identidade denotada nas obras literárias de autores macaenses.

Não se tratando de um trabalho no âmbito da antropologia ou da psicologia social, foi contudo, também a elas que recorremos, não só para nos facultar conceitos operatórios que nos permitissem o referido entendimento, mas para a elucidação dos macaenses enquanto grupo identitário, enquanto grupo étnico- cultural de uma singularidade e especificidade muito próprias e cujas construções

20 Se entendermos o Cânone na sua conceção tradicional ou seja “ o conjunto de obras literárias, o

elenco de textos filosóficos, políticos, religiosos significativo, os particulares relatos históricos a que geralmente se atribui peso cultural numa sociedade” (Lauter; 1991:IX)

21 Consideram-se percursos, as edições e a sua recorrência, indicadores do interesse por parte do

simbólicas são representadas na narratividade consubstanciada nas obras em estudo.

A comunidade macaense enquanto grupo étnico pode ser considerada como uma coletividade (A. Smith; 1997:36), detentora de uma identidade externa que lhe permite ser reconhecida pelas suas diferenças culturais, na qual a valorização do papel das memórias históricas e dos mitos de descendência lhe imprime uma

condição duplamente ‘histórica’, na medida em que “as memórias históricas são

essenciais para a sua continuação” mas, também, porque cada um destes grupos étnicos é produto de forças históricas específicas (…) sujeito à dissolução e à alteração histórica” (Smith; 1997:36).A identidade étnica consubstancia-se, pois, em atributos históricos e simbólico-culturais; uma comunidade étnica é congregada através de ‘mitos de descendência’ e de memórias históricas e reconhecida pela sua diferenciação em relação ao outro, através de atributos de auto e hétero perceção; a partilha de determinados atributos indicia a idealização de comunidade (Smith; 1997:36/7).