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O Exotismo e a Diferença: Jaime do Inso – O Caminho do Oriente

áma criada áma no dialecto macaense não tem o significado de ama, "mulher que amamenta criança

3. As imagens da exterioridade

3.1. O Exotismo e a Diferença: Jaime do Inso – O Caminho do Oriente

O Caminho do Oriente é um romance completamente enquadrado na

estética da denominada literatura colonial, uma forma de “expressão de uma prática e de um pensamento que assentam no pressuposto da superioridade cultural e civilizacional do colonizador” (Ferreira:1989:250). Não retendo todos os critérios propostos por Manuel Ferreira na definição deste tipo de prosa, contempla, contudo: “ a superioridade numérica das personagens brancas” (europeias), que “(…) são geralmente protagonistas”; “(…)o tom épico é dominante, numa espécie de ‘celebração colonial’; o ponto de vista dominante é o europeu: visão lusocentrista”; “o destinatário é português a viver em Portugal” e “o autor apresenta uma intencionalidade patriótica” (Ferreira:1989:241-249).

Neste romance está patente, ainda, uma particularidade que o enquadra no que Mouralis denominou de fase exótica e que se realiza no espanto, na

emoção, perante os diferentes espaços e as diferentes gentes, que perpassam no escrito e que revelam o sentir do autor: “O discurso exótico ordena-se, assim segundo uma retórica que visa a expressão e a caracterização de uma realidade considerada como profundamente diferente” (Mouralis:1982:95); no primeiro capítulo denominado ‘O Oriente’ encontramos um misto de deslumbramento pelo diferente com a lauda da gesta da expansão: o Oriente como espaço exótico do narrado, insinuando-se em maléficos encantos, e Portugal como a personagem abnegada que se sacrifica em prol de valores maiores:

“É que o Oriente é aquele mundo onde qualquer coisa de novo, de misterioso e de subtil empresta uma nova feição à vida e às coisas. O Oriente é aquela terra tentadora e voluptuosa para o europeu, cheia de ilusões e desilusões, de gozos e de perigos onde, num labutar constante, numa vida exaustiva de trabalho, de quando em quando, encontra a tortura e a morte: a tortura do espirito, a agonia da personalidade!

O Oriente, sonho antigo de Portugal, factor da nossa grandeza e decadência, visão incompreendida do grande Infante, é o rasto da epopeia lusitana que outros depois trilharam numa ascese de opulência e de riqueza. O Oriente que nos chamava, criando o motivo das estrofes d’Os Lusíadas, fará perdurar na memória dos homens a fama e o eco da gente lusitana (Inso:1996:15)

São dois, os protagonistas deste romance, que tem o seu a-quo em Lisboa, no momento da sua partida para o Extremo Oriente; com idades compreendidas entre os vinte e trinta anos, jovens, portanto, e diferentes como refere o autor: “Rodolfo Moreira, o mais novo, era um tipo insinuante e fino, apurado no trato e no trajar, mordendo nervosamente os cigarros (…) Frazão Antunes, o mais velho, um tanto prosaico e calmo, revelava-se, a um simples exame, uma antítese perfeita do seu amigo, a não ser nas qualidades de carácter em que ambos irmanavam no mesmo timbre de finura e honradez” (p.17) Comungavam do mesmo destino, era de infância que lhes vinha a amizade, ligados pela sociedade comercial, exportadora de cortiça, dos seus progenitores, e herdeiros dela, num momento em que a crise põe em causa a saúde financeira do negócio e morto o seu pai, Rodolfo assume a sua parte na sociedade e a solução por si encontrada foi ‘ir longe buscar novos mercados no Oriente’.

O plano para a realização deste intento passava por irem ambos para Macau ficando o pai Antunes a gerir os negócios em Portugal; Rodolfo, formado em direito, iria como professor do liceu e a possibilidade de livremente advogar no território, Frazão iria na qualidade que o seu cargo, na firma, permitiria: como técnico de prospeção de mercado e regressaria logo que tivesse elementos para a prossecução do plano.

È pois numa aventura com riscos materiais acautelados que os dois amigos fazem o caminho do Oriente. Mas num primeiro momento em Macau surgem os sentimentos antagónicos “ A impressão era forte e Rodolfo sentiu, num misto de atracção e de repulsa, como que uma sensação de domínio da China, que instintivamente repeliu…” (p.76) Segundo David Brookshaw, a personagem ideal que melhor traduz os valores da ideologia colonial, de acordo com a visão da época e do autor é o compromisso entre os dois protagonistas do romance de Jaime do Inso no sentido em que eles correspondem ao herói e ao anti-herói, o primeiro com a força de carácter que lhe permite resistir aos encantos do Oriente, o segundo sujeito a tentações, deixando-se enfeitiçar e submetendo-se ao Oriente:

Um dos traços caraterísticos da literatura colonial era que os seus heróis tinham que conciliar o seu desejo de aventura - o que implicava também um certo fascínio pela nova realidade cultural em que se encontravam e a sua capacidade de preservar a sua própria identidade cultural, a sua autoridade como representantes do poder imperial. Daí o conceito da alteridade como sendo, no fundo, perigosa. Por isso, tinha que ser vencida, para depois ser banalizada e rendida inútil. (Brookshaw:2000:33-42)

O Portugal forte, integro e não suscetível à dominação oriental perpassa no texto, antes da chegada dos dois amigos a Macau, quando o navio em que seguiam faz escala em Malaca, e são confrontados com a comunidade malaquenha a quem, nem o tempo, nem a distância, nem o abandono tirou a imagem idealizada da pátria e cujo falar é, segundo o narrador, “um «patois» parecido com o antigo dialecto de Macau” (p.55), contudo, não é na resiliência desta comunidade que o autor encontra a representação da capacidade de preservação da portugalidade: mas sim na figura do padre português:

O padre Coroado, de arcaboiço largo e rijo, com 18 anos de serviço em Malaca, era um verdadeiro monumento feito da rija alma portuguesa. Longe de se desnacionalizar naquele meio absorvente, cada vez mantinha mais integro o seu carácter sem abdicar de um termo sequer da nossa língua, de um sentimento ou de coisa alguma que pudesse ferir o brio nacional (…) Só pregava em português, só pensava em português, só sentia como português (…), é digno de especial reparo, porque é preciso conhecer a força da desnacionalização do Oriente (…) para se avaliar de que extraordinária têmpera é preciso dispor para o espirito se isolar (…). (pp.56-57)

A comunidade macaense não tem uma atenção específica neste romance sendo integrada no universo genérico da comunidade portuguesa, resultando como, quase, uma negação da sua existência tronando-a invisível, daí que as poucas representações surjam de forma muito europeizada “Era Tininha, a moça dos cabelos loiros, os olhos infantis e verdes, dum verde jade desmaiado” (p.18), sendo a alusão ao jade (quatro vezes repetida no decurso da narrativa) a única tónica que referencia o oriente, e através do discurso valorativo, o que nos permite a percepção da imagem que o autor reteve das macaenses “ franzina e leve, a contrastar com as conterrâneas, passou uma filha de Macau como uma miragem silenciosa e calma onde os influxos da China mal se faziam notar” (p.105).

Por outro lado, os elementos masculinos da comunidade só são identificados em situações singulares de referencial lusocentrista: “ Foi apresentado ao macaense Julião Torres, um funcionário muito considerado na Capitania dos Portos (…) como amigo da sua terra, Julião Torres, que fora educado em Portugal, tratava sempre com carinho e entusiasmo qualquer assunto que dissesse respeito a (…) Macau” ou aludindo às ocupações: “Os dois, levando Segismundo [funcionário do território e antigo companheiro de Rodolfo] como cicerone e na companhia de um macaense amigo dele, Eustáquio, que lhes serviu de intérprete (…)” (p.76) “ (…) Os negócios estão mais nas mão dos chinas; português «reinol», raro é aquele que aqui faz comércio e os filhos da terra são mais dados à carteira do que a outras profissões (…)” (p.71).

A representação do ambiente vivido na parte Portuguesa de Macau, consubstancia-se nas descrições das receções onde os dois amigos têm o ensejo de constatar a profusão de gentes que circulava no território, e onde ressalta a única

referência à comunidade macaense como o Outro num discurso de distinção: “Havia portugueses e estrangeiros, ingleses, holandeses, franceses, alguns chineses de categoria, e macaenses em grande número” (p.103), e “(…)toda a pequenina intriga colonial posta à solta sob o calor das luzes (…)”; mas, também, as práticas e os gostos sociais, que noutros textos referenciam as frações superiores da comunidade macaense, e que neste romance nos surgem como sujeitos difusos “ Rodolfo jogava ténis, se bem que em Portugal este desporto seja pouco seguido porque só é acessível a ricos, mas em Macau, onde ele é de prática corrente, começava a cultivá-lo com entusiasmo (…)” (p.125).

São também constantes os momentos de assunção do Território no todo nacional através do discurso analógico “(…) foram observando de perto o panorama daquela vertente da cidade, tão tipicamente portuguesa, de um sossego idílico, as casas de cores alegres, as igrejas como as da nossa terra e até os sons dos sinos fazem lembrar Portugal” (p.72) dirigido ao leitor português; ou num discurso de evidente superioridade: “(…) atracado o navio à ponte, logo apareceram os agentes da nossa autoridade que os chineses se habituaram a respeitar como em nenhuma outra colonia europeia na China” (p.73) e, ainda na interpretação do Oriente:

É só mais tarde, passado um certo período de adaptação, que o

europeu, de uma maneira geral, se encontra em face do dilema – ou se molda e adapta ao novo meio que dificilmente virá a trocar por outro, mesmo pela super civilização, ou não se moldou, não se adaptou e a vida passa a decorrer-lhe como um martírio para que só há um remédio: abandonar a China! (…) é que o Oriente e, portanto, a China dispõem de certos influxos intoxicantes, intraduzíveis e estranhos que só quem os experimenta pode sentir e apreciar. (p.76)

Neste romance a descrição do exótico sobressai no texto, por um lado através do discurso do fascínio pelo diferente “Panos vermelhos, bordados a ouro e com grossos caracteres de veludo preto, dizeres misteriosos para nós mas simbólicos da permanente ânsia de felicidade, enfeitavam as paredes inundadas pela luz (…)” (p.78) por outro, os opostos “terra perturbante, enigmática e fatal, a China, revelando-se naqueles cenários imprevistos, tão cheia de cor e de uma civilização tão diferente da nossa”(p.79) levando à perdição “Era a China que Rodolfo sentia pousando-lhe pouco a pouco a garra empolgante, absorvendo-lhe a