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O Microensino em Educação Física

Praticar o Ensino para Aprender a Ensinar

2.2. O Microensino em Educação Física

Como refere Pieron (1986), embora com algum atraso, as abordagens ao nível do ensino em geral são replicadas com algum sucesso no domínio das actividades físicas, por isso, assumindo o papel de uma técnica inovadora que nasce para a cena da formação de professores nos anos sessenta, o microensino, como está representado na literatura genérica da Rewiew Teacher Education, reunia todas as

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E, de facto, o primeiro esforço para treinar os estudantes com base nesta técnica começou com Graham e, desde então, muitas pesquisas que envolvem o treino de estudantes empregam o microensino como formato de treino ou, por vezes, como parte de um largo pacote de intervenção (Locke, 1984).

Visando modificar os comportamentos entusiastas, Rolider (1979) utilizou um programa de modificação comportamental que consistia num curso de catorze horas (sete sessões), que comportava discussão, visionamento de registos em vídeo, vídeos modelo e microensino sobre os comportamentos identificados como entusiásticos. Considerando como comportamentos representativos do entusiasmo, a inflexão de voz, gestos (aplaudir, etc.), rir, sorrir, os comportamentos de demonstração, o contacto físico com o aluno (palmadinha nas costas, etc.), os encorajamentos e incitamento ao esforço, os feedbacks positivos gerais, os feedbacks positivos específicos e os feedbacks positivos seguidos de correcções desejadas, verificou que a quase totalidade dos sujeitos examinados foi capaz de modificar de oito a dez, em cada dez dos seus comportamentos. Seis variáveis representativas do entusiasmo foram modificadas pela intervenção, na quase totalidade dos sujeitos. Este estudo veio demonstrar que o microensino é um excelente meio de modificação comportamental ao nível da formação de professores de Educação física.

Confirmando esta ideia, Imwold (1984), baseado na concepção de que os programas de formação de professores devem oferecer experiências que promovam o crescimento dos alunos e o seu desenvolvimento, efectuou um estudo que envolveu vinte e oito estudantes de Educação Física, em que era utilizado o microensino como meio para afectar os comportamentos de feedback na situação de pré-serviço. Os seus resultados vieram demonstrar a importância desse modelo e a do ciclo ensino - reensino para desenvolver esse tipo de comportamentos.

Revisão da Literatura

Procurando ser mais prudente, Hawkey (1995) diz que o microensino e supervisão clínica enfatizam uma abordagem à habilidade orientada que se dedica ao desenvolvimento das competências de ensino, no entanto, o efeito dessa abordagem nem sempre é conseguido.

Os resultados dos estudos de Carlier, Nijskens e Soleil (1985) confirmam essa prudência. Procurando saber se os professores principiantes falavam muito ao apresentarem as actividades, se os tratamentos aplicados treinavam uma modificação das suas aptidões entre o nível inicial e o nível final e se, no decurso das aulas, havia uma evolução diferente em estudantes com e sem supervisão, os autores concluíram que, no final, a média do grupo supervisionado era superior à do grupo não supervisionado, sem, contudo, ser significativa.

Embora este estudo não revele um tão grande optimismo em favor da importância do microensino como os dois primeiros, pensamos que, pelas melhorias verificadas em relação ao grupo supervisionado, pode ser favorável à argumentação de que aquela técnica, a que preferimos chamar de modelo, é um bom meio para melhorar a performance de ensino dos professores de Educação Física em formação.

Por nós, acreditamos no modelo porque, e desculpem-nos a analogia, sabemos bem a importância que tem a simplificação do jogo completo de basquetebol em situações de três contra três para a aquisição das habilidades fundamentais naquela modalidade e, por isso, podemos esperar que aconteça o mesmo com as habilidades de ensino (Petrica 1997).

Concordando com este pressuposto, Pieron (1984) lembra que esta técnica foi desenvolvida a fim de se poderem praticar, de maneira sistemática, as habilidades específicas de ensino, e isto, em condições mais fáceis que a situação total de leccionação numa turma e, portanto, o microensino tem vindo a ser utilizado no

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ensino das actividades físicas, tal como para o ensino em geral, em diversos programas de formação de professores.

Melograno e Sharp (1973), para prepararem os professores de Educação Física para a individualização da instrução usam um modelo composto por quatro fases, desenhado para ir de encontro às necessidades do professor durante a formação profissional. Na primeira fase, os estudantes passam por uma experiência observacional completa sobre o terreno, depois procuram construir pacotes de aprendizagem individualizada, desenvolvem estratégias de ensino, praticam o microensino e analisam o comportamento de ensino. Durante a segunda fase o aluno estuda e assiste um programa de actividade educativa. Na a terceira fase, o estudante progride através dos níveis de desenvolvimento que vão desde a afinação, passa pela ajuda e pela orientação, e termina com o ensino independente. Finalmente, na quarta fase o aluno é ajudado no trabalho e são disponibilizados condições profissionais para a escolha dos materiais de instrução e estratégias de ensino apropriados ao novo programa.

Como já tivemos ocasião de referir, ao nível das modificações comportamentais e da intervenção sobre os comportamentos de uma forma quase cirúrgica, outro dos programas utilizados, foi o que ficou conhecido pela a técnica da linha de base múltipla (Siedentop, 1981, 1982, 1983a; Rife e Dodds, 1978; Pieron 1986a; Gonçalves 1990).

Pieron (1984) desenvolveu um modelo que tem servido de base ou de inspiração para alguns dos programas de formação de professores europeus, composto por quatro fases. A primeira, consiste na preparação e ensino em condições simplificadas pelo número de alunos presentes (4 a 6), duração do período de ensino (5 a 10 minutos), conteúdo de ensino (ensina-se apenas uma habilidade) e concentração sobre uma habilidade profissional específica (dar feedbacks aos alunos ou apresentar a matéria), sendo a prestação do professor gravada e

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consiste em rever a gravação, tomar conhecimento e discutir as observações. Numa terceira fase, o professor reformula o seu plano, revê as suas estratégias e decide novas condutas a ter. A quarta fase consiste no reensino da mesma habilidade e conteúdos a um grupo de alunos diferente.

A gravação em vídeo é um dos elementos essenciais do sistema mas, se não dispomos desse meio tecnológico, é a observação sistemática ao vivo que fornece o elemento principal de feedback aos professores.

Entre nós, Sarmento e al. (1994), no âmbito da cadeira de Pedagogia do Desporto na Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa, apresentam um modelo de supervisão pedagógica no qual procuram influenciar as características da intervenção profissional em Educação Física e Desporto através do desenvolvimento de competências pedagógicas relativamente ao saber, saber fazer e saber estar, através de uma organização da disciplina caracterizada por um espaço teórico, correspondente à leccionação da informação relacionada com a temática, e um espaço prático, composto por quatro momentos de formação: concepção e discussão do plano de sessão, leccionação e supervisão; elaboração de relatório de auto-analise e projecto de modificação de comportamentos; concepção e discussão de um segundo plano de sessão, leccionação e supervisão; e elaboração do relatório final.

Cada aluno é incumbido de planear e leccionar duas sessões de trinta minutos sobre a especialidade que preferir, tendo por limitações os espaços e os materiais disponíveis. Os restantes estudantes assumem o papel de alunos. As sessões são registadas em vídeo para posterior análise pelos estudantes.

Após todos os estudantes terem leccionado uma sessão (ensino), um novo ciclo começa (reensino). Entre um momento e o outro é elaborado um projecto pessoal de modificação de comportamentos de ensino.

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Com este modelo de preparação de docentes, a que chamam de treino de professores, porque consideram que se trata, efectivamente, de os treinar, pretendem que o estudante se sinta confrontado várias vezes com o seu próprio comportamento, que o avalie e que, de uma forma sistemática, possa saber melhorá-lo.

Olson (1982), a propósito destes métodos, programas ou modelos de ensino, diz que a maioria das classes de preparação de professores são programadas à volta do conceito de microensino e focalizadas nos três Ts: the teaching, talking, and

terminating cycle. Mas, para um aperfeiçoamento das habilidades de ensino, é

importante usar mais do que um ciclo de ensino - reensino.

Mas, para além desta sua função de preparar para o ensino ou da sua função de treino de professores, como dizia Nerci (1986), particularmente no domínio da Educação Física, o microensino tem servido como instrumento de pesquisa e utilizado em numerosos estudos, por ser muito menos oneroso em termos de tempo, em termos de pessoas envolvidas nas experiências e até em termos materiais.

De facto, têm sido desenvolvidos muitos programas de investigação que envolvem o uso do microensino para procurar dar resposta a questões tão diversas como a influência do modelo de formação utilizado, do conhecimento que o professor tem da habilidade que irá ensinar, da modalidade a ensinar, sobre o comportamento verbal, do nível inicial dos alunos, ou estudos sobre os comportamentos de ensino, as diferenças na observação, etc.

A título de exemplo poderemos começar por lembrar a investigação sobre o modo como os futuros professores conduzem as suas experiências de ensino, os seus comportamentos ou os comportamentos dos seus alunos.

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Assim, no sentido de procurar conhecer, de uma forma descritiva, o modo como os professores leccionam, Hardy (1993) estudou os comportamentos de ensino de quatro professores de Educação Física, com a ajuda do BOS II (Bailey

Observation System II), durante três aulas de quinze minutos de natação, registada

em vídeo, leccionada ao primeiro ano do ensino Secundário.

Com o mesmo propósito, Petrica (1997) observou sessenta futuros professores de Educação Física que leccionaram aulas de 10 minutos a seis alunos sobre a modalidade desportiva à sua escolha, com todas as condições materiais à sua disposição, para conhecer o modo como geriam o tempo de que dispunham para dar a aula, os seus comportamentos de ensino, a reacção à prestação motora dos alunos e o comportamento dos alunos, para saber o empenhamento que proporcionavam.

Avançando com a hipótese de uma variação da relação pedagógica segundo a matéria ensinada, e utilizando o Observational System for the Analysis of

Classroom activities (sistema de Hough) para analisar o comportamento verbal de

alunos-professores de Educação Física, Pieron (1978a) seguiu trinta sequências de ensino, repartidas em dez sessões de atletismo, dez de ginástica e dez de desportos colectivos. Cada sequência tinha a duração de vinte minutos. Como resultado, nas três especialidades desportivas ensinadas o comportamento dos alunos-professores revelou-se remarcavelmente constante, logo que se referiam às categorias utilizadas.

Noutro sentido, procurando saber o impacto de factores como o conhecimento que o professor tem do movimento ou da habilidade a ensinar, o modo como faz apresentação da tarefa, o feedback que emite, o modo como conduz a prática, o nível inicial dos alunos, ou sobre o nível de performance destes na aquisição da habilidade motora a roda, Yerg (1977, 1981) observou quarenta estudantes de Educação Física que leccionaram uma aula de microensino a três alunos, com a

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filmadas num pré-teste e num pós-teste. os comportamentos dos professores foram registados com a ajuda de um sistema de observação, o TBOS (Teacher Behavior

Observation System), que incluía categorias como a apresentação da tarefa, as

ocasiões de prática e a reacção à prestação motora dos alunos. As suas conclusões indicam que cerca de setenta e cinco por cento da variância final era explicada pelo nível inicial dos alunos, dois por cento, somente, era explicado pela intervenção do professor, e vinte e três por cento continuavam por explicar.

Por seu lado, Behets (1993) observou o comportamento de dez alunos, professores de Educação Física, leccionando aulas de microensino com a duração de vinte minutos, sobre os mesmos conteúdos e com as mesmas condições materiais, a grupos homogéneos de cinco alunos, agrupados de acordo com o nível de habilidade demonstrado através de um pré-teste, para estudar o comportamento de ensino em função do nível de habilidade dos alunos. Todas as aulas foram registadas em vídeo. Utilizou uma versão modificada do QMTPS (Qualitative

Measures of Teaching Performance Scale) para obter uma imagem mais detalhada

do comportamento instrucional do professor, utilizou um sistema de análise multidimensional para observar o feedback (Behets, 1989) e observou ainda o tempo de instrução e o tempo de actividade dos alunos. Os resultados indicam que, aparentemente, estes professores principiantes não trataram de maneira preferencial os alunos melhores e os mais fracos. E o autor conclui que talvez não tivessem em conta o nível de habilidade por não ter capacidade para tal.

Finalmente, noutra direcção, pretendendo comparar a habilidade para observar e interpretar o ensino da Educação Física em diferentes níveis de experiência, Graham, French e Woods (1993) utilizaram dez caloiros, sete estudantes experientes e dois professores. A experiência recaiu sobre uma aula de quinze minutos, dada a cerca de vinte alunos, sobre o ensino do drible em basquetebol, e registada em vídeo. Os sujeitos foram instruídos a observar a aula, tirar notas e escrever uma descrição de avaliação do que observaram no seu decurso.

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interpretações avaliativas que os caloiros. As interpretações dos estudantes experientes eram similares às dos professores, no foco da observação e no uso da linguagem técnica. Contudo, as interpretações dos professores eram mais organizadas e centralizadas nas ocorrências da lição que influenciavam a performance motora dos alunos.

Por tudo isto, parece-nos ter ficado demonstrado o papel do microensino, não só como técnica favorecedora da aquisição das competências, destrezas e habilidades de ensino, mas também como instrumento facilitadora da pesquisa em educação e, mais particularmente, da pesquisa em Educação Física.