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O misticismo de Swedenborg

No documento brunoleonardocunha (páginas 74-76)

CAPÍTULO 2: SONHOS E O PROBLEMA DA METAFÍSICA NO PERÍODO PRÉ-CRÍTICO

9. O misticismo de Swedenborg

Kant trata de Swedenborg na segunda parte de Sonhos. Ele pretende relatar algumas conhecidas histórias e apresentar alguns aspectos fundamentais da Arcana Coelestia. No início da segunda parte, chamada de histórica67, Kant apresenta Swendenborg ao leitor. “Em Estocolmo, mora um certo Schwedenberg” 68

(CE, 1:341; AA, 2: 354). A ocupação deste senhor é manter contato com espíritos e almas penadas, ofício que exerce há mais de vinte anos. Swedenborg capta notícias do outro mundo e transmite às pessoas do mundo presente, documentando as suas experiências em grossos volumes. O vidente não encontra problemas em divulgar suas descobertas e parece, realmente, acreditar em sua prática. Para Kant, Swedenborg enquadra-se perfeitamente no quadro daqueles que sofrem das desilusões da percepção. Desse modo, o “arquivisionário entre todos os visionários” deve ser considerado também como “o arquifantasista entre todos os fantasistas” (CE, 1: 341; AA, 2: 354). Mas Swedenborg não conquistou seu status de arquivisionário ao acaso. Sua reputação foi construída por meio de alguns eventos testemunhados, que se não podem ser considerados provas conclusivas, pelo menos são fatos que encontram “alguma fé junto à maioria” (CE, 1: 341; AA, 2: 354).

Swedenborg foi protagonista de algumas histórias notáveis. O primeiro dos relatos data do final de 1761. Nesta data, Swedenborg foi convocado por uma princesa69 que precisava de um serviço peculiar relacionado à comunidade dos espíritos. De forma extraordinária, o vidente conseguiu a resposta almejada por ela, “uma resposta que mergulhou a princesa, segundo sua própria declaração, em total perplexidade, [...] sabendo que não poderia, entretanto, ter-lhe sido comunicada por nenhum homem vivo” (CE, 1:341; AA, 2: 355). Esta história, como destaca Kant, foi averiguada e atestada por meio de uma

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Kant contrapõe a primeira parte que é dogmática com a segunda que é histórica. Devemos ter atenção com o termo dogmático [dogmatisch]. Na época de Kant, não tinha o mesmo significado pejorativo dos dias atuais, sempre associado com a idéia de especulação acerca de questões não-empíricas. O termo dogmático se refere ao conhecimento do universal, enquanto o termo histórico se vincula ao conhecimento do particular (JOHNSON, 2002, p.157).

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Em Sonhos, o nome Swedenborg é “Germanizado como Schwedenberg” (SCHÖNFELD, 2000, p.237). 69 A princesa a quem Kant se refere foi Louisa Ulrica (1720-1782), na verdade, rainha da Suécia, irmã do então rei prussiano Frederico,o grande, e esposa de Adolphus Frederick, duque de Holstein-Gottorp e rei da Suécia de 1751-1771. Segundo Johnson (2002), existem algumas diferentes hipóteses sobre o caso do segredo da rainha, porém, eles concordam no seguinte caminho: em novembro de 1761, a rainha Louisa Ulrica pediu a Swedenborg para contatar o espírito de seu irmão, o príncipe Augusto William, que havia morrido em 1758. Após um tempo, Swedenborg retornou, em 15 de Novembro de 1761, com uma mensagem do falecido. Compartilhou-a então diante da rainha e sua corte, contudo, o fez de uma forma que somente a rainha poderia escutar. O visível efeito da mensagem e a reação da rainha foram bem observados. Ela ficou desolada, pálida e completamente surpreendida. Segundo ela, a mensagem revelada por Swedenborg só podia ser do conhecimento de Deus e de seu irmão (p.174).

investigação particular. Ela foi “extraída do relatório que um emissário junto àquela corte, presente na ocasião, fez a um colega” (CE, 1:341; AA, 2: 355). Porém, as histórias seguintes “não têm nenhuma outra garantia a não ser a lenda comum, bastante precária em termos de prova” 70

(CE, 1:342; AA, 2: 355). O segundo caso refere-se a uma senhora identificada como Madame Marteville, que foi viúva de um emissário holandês71 que trabalhava na corte sueca. Após a morte do marido, Madame Marteville recebeu uma cobrança de um restante de uma dívida relativa a um serviço de prataria encomendado pelo marido antes de falecer. A dama estava convicta de que este pagamento havia sido efetuado, porém não encontrou o recibo junto às suas coisas. Sabendo da fama de Swedenborg, a mulher recorreu aos seus serviços especiais para “conseguir do outro mundo a notícia de seu falecido marido sobre a situação da dita exigência” (CE, 1: 342; AA, 2: 355). Swedenborg, ao entrar em contato com o mundo espiritual, trouxe uma informação preciosa sobre a localização do recibo. Esta informação era a indicação da existência de uma gaveta secreta presente em um armário que já havia sido verificado e esvaziado. Nesta gaveta, ao lado da correspondência holandesa secreta, encontravam-se os recibos da requerida dívida72. O caso a seguir, o terceiro e último, é considerado por Kant curioso e, em alguma medida, diferente dos dois anteriores. Kant fala: “a terceira história é de tipo tal que deve ser possível dar facilmente uma prova completa de sua correção ou incorreção” (CE, 1: 342; AA, 2: 355). Em 175973

, Swedenborg encontrava-se em uma reunião, em Göteborg, quando visualizou misticamente a conflagração de um desastre em sua cidade natal. Por conseguinte, noticiou que um incêndio se alastrava no bairro Südermalm em Estocolmo, no exato momento em que ocorria. Após a fatídica notícia, divulgada com todos os sinais de consternação, Swedenborg foi capaz de relatar o momento em que o fogo foi controlado e até onde se alastrou. Após dois dias, um relatório chegou a Göteborg, confirmando exatamente as visões. 74

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Johnson (2000) acrescenta que o caso do recipiente perdido é confirmado por mais dez outras fontes. O caso do fogo de Estocolmo é confirmado por outras cinco fontes (p.175).

71 O Conde Ludwig von Marteville foi o embaixador holandês na Suécia de 1752 até sua morte em Estocolmo, em 25 de Abril de 1760 (JOHNSON, 2002, p.174).

72 Kant apresenta alguns detalhes a mais sobre este caso na carta para Charlotte. Ele acrescenta que “três dias depois da mencionada dama tê-lo convidado para o café, Swedenborg a chamou e relatou, sem cerimônias, que havia conversado com seu marido. O débito foi pago sete meses antes da sua morte e o recibo podia ser encontrado no gabinete da sala das escadas. [...]. O gabinete foi aberto, a descrição seguia-se completamente [...] e os papéis descritos estavam dentro, para a grande surpresa de todos que estavam presentes (CE, 13:73; AA, 10: 46).

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A data exata da ocorrência do incêndio foi em 19 de julho de 1759, portanto, a data mencionada no excerto da carta abaixo mostra-se incorreta.

74 Kant admite, na carta, que este terceiro caso realmente o intrigou. Ele diz: “a seguinte ocorrência, no entanto, parece ter para mim a maior força enquanto evidência de todas e realmente retira todas as dúvidas concebíveis de contexto. Era o ano de 1756, quando Herr Swedenborg, no final do mês de setembro, às quatro horas da tarde, voltando de uma jornada para a Inglaterra, desembarcou em Göteborg. Sr.Willian Castel o convidou para juntar-

No documento brunoleonardocunha (páginas 74-76)