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Rousseau e as novas concepções do Emílio

No documento brunoleonardocunha (páginas 40-42)

Rousseau, em seu ensaio pedagógico, Emílio21, forneceu a matéria para este decisivo giro do pensamento kantiano. No Emílio, Rousseau defende a educação como um processo progressivo22, destacando a importância da realidade concreta e do âmbito da utilidade para a formação do homem e, sobretudo, para o desvelamento do seu valor intrínseco, fundado nos pressupostos da ética e da liberdade. O âmbito prático deve preceder o teórico. Então, para Rousseau, Emílio nunca deve substituir em seu espírito a natureza pela razão23, pois caso o faça, não mais refletirá e, com efeito, será apenas um espelho da opinião alheia. Disso segue- se que a primeira fase da educação não pode ser iniciada por meio de livros, pois as crianças são incapazes de abstrações. A leitura conduz inevitavelmente à alienação. Uma vez adquiridas as capacidades iniciais, Emílio deve legitimar sua auto-suficiência, desenvolvendo todas as suas potencialidades. A educação positiva deve começar. Chegou a hora de alguns

21 Publicado em 1762, Emílio é um ensaio pedagógico escrito em forma de romance. Ele conta a história de crescimento e desenvolvimento de Emílio, apresentando uma hipótese da evolução da racionalidade humana; isto é, ele descreve como as habilidades racionais e as capacidades da criança se desenvolvem com o passar do tempo. O objetivo de Rousseau é apresentar regras gerais que devem ser seguidas na educação da criança com o intuito de transformá-la em um bom adulto. Estas regras têm a função de evitar a corrupção, já que Rousseau entende que o homem é bom por natureza. Assim, Rousseau enfatiza dois aspectos que devem ser alcançados pela educação: o desenvolvimento das potencialidades naturais da criança e seu afastamento dos males sociais 22

Rousseau entende que as duas primeiras fases do desenvolvimento da criança, que juntas vão até os 12 anos, são voltadas ao aperfeiçoamento dos órgãos dos sentidos, já que as necessidades iniciais são físicas. Nesta fase do processo, o corpo e a mente devem estar livres para se focarem no autoconhecimento do mundo. Libertando- se da tirania das opiniões, Emílio desvincula-se das coisas artificiais, tornando-se independente de toda a ansiedade em relação ao futuro e de todos os vícios que corrompem o homem civilizado. Este processo é fundamental para que se possa encontrar o valor verdadeiro do homem, a saber, sua dignidade moral.

23 Devemos entender que a crítica rousseauniana da razão não deseja de modo algum rebaixar esta importante faculdade, essencial para o conhecimento exterior e, com efeito, para a própria noção da liberdade. Esta posição crítica serve para destacar a oposição entre a infalibilidade da consciência, ou seja, do instinto ou sentimento, e os sofismas da razão. A consciência não exclui a razão, mas se completam, tendo em vista que é por meio do sentimento que podemos alcançar as verdades inacessíveis à razão.

ensinamentos, mas o que deve ser ensinado? Das coisas que podem ser aprendidas, muitas são falsas e inúteis. São poucas aquelas que valem para o sábio: “A questão não é saber quais são, mas quais são as úteis”. “É suficiente que a criança deva saber o para quê de tudo, e o porquê de tudo que ela acredita” (ROUSSEAU apud Schinz, 1909, p.20). Por isso, Rousseau diz que seu “propósito não é dar uma ciência, mas ensinar como conseguir alguma coisa em caso de necessidade [...]” (ROUSSEAU apud Schinz,1909, p.21). Todos os objetivos da educação posterior devem ser alcançados professando a lição da utilidade. É pelo sentido da palavra útil que temos um grande poder de instrução. Qual utilidade tem isto? Esta é a indagação determinante em todas as ações de nossa vida.

Um dos principais objetivos dos ensinamentos de Rousseau é mostrar para Emílio o valor de suas experiências interiores. Procedendo assim, Rousseau busca uma reação contra as imposições extrínsecas da sociedade, a principal responsável pela degeneração dos valores fundamentais do homem. Dentro da sociedade, como Rousseau observa, as exigências profundas da natureza humana são inescrupulosamente substituídas por aspectos artificiais da cultura intelectual. Estes valores puros são suprimidos pelos caprichos “frívolos das modas passageiras” (BASTIDE, 1987, p.xiv). A ciência e a cultura24

, por este motivo, devem ser vistas com desconfiança. A verdade teórica, científica, cultural ou filosófica, não é boa para todos, pois pode ser mal interpretada por mentes despreparadas. Ela nos conduz aos abusos que culminam na perda de nossa consciência genuína, nas mentiras convencionais e na “ostentação da inteligência e da cultura, nas quais se busca mais a admiração do próximo do que a satisfação da própria consciência” (BASTIDE, 1987, p.xiv).

Para superar este problema, o homem deve buscar um refúgio na perfeição da natureza. A chave para compreendê-la adequadamente está disponível no âmago do ser humano através do sentimento, uma “faculdade infinitamente mais sublime” (ROUSSEAU apud Bastide, 1987, p.xiv). O sentimento, para Rousseau, é o guia da vida humana, o núcleo através do qual se pode compreender a natureza e imergir de uma forma quase mística para dentro de sua totalidade. Por este caminho, é possível alcançar a consciência da verdadeira dignidade humana, que é a consciência da liberdade e da unidade com a natureza.

24 Em uma visita à Diderot, Rousseau toma conhecimento de uma questão da Academia de Dijon: O progresso das ciências e das artes contribuiu para a melhoria dos costumes? Nesse momento, Rousseau tem o insight que deu origem ao seu primeiro escrito, Discurs sur le sciences et sur Le arts , no qual argumenta que a ciência e a arte não fizeram mais do que corromper a sociedade.

No documento brunoleonardocunha (páginas 40-42)