• Nenhum resultado encontrado

3. Ambiente, considerando o património natural e a biodiversidade, o urbanismo, planeamento e construção, as paisagens, a atmosfera, a

4.2 Educação e Formação

4.2.4 Modelo e desafios da Educação sem fronteiras

No contexto da globalização e, posteriormente, da criação de grandes blocos económicos, como é o caso da União Europeia, é natural que, numa determinada altura, os países tenham sentido a necessidade de adaptação de aspectos importantes do ambiente social, como forma de viabilizar alguns dos principais objectivos que levaram a esta aproximação. Se a aproximação entre os países europeus possibilita, por exemplo, maior competitividade no mercado

global, por outro, exige uma série de adaptações por parte dos países signatários. Princípios como a livre circulação de estudantes e profissionais no espaço comum europeu necessitaram de reflexão e actuação num contexto muito mais complexo do que simplesmente eliminar as fronteiras físicas (Benelux Bologna Secretariat, 2010).

Em 1999, 29 países europeus assinaram a declaração de Bolonha, na qual era estabelecido como objectivo a estruturação da educação superior europeia, de forma coerente e coesa, até 2010. Em 2007, após a assinatura do Comunicado de Londres, 46 países europeus já faziam parte deste processo (Benelux Bologna Secretariat, 2010: 13).

Na fase do debate intergovernamental, houve convergência e as propostas tornaram-se muito homogéneas. À medida que houve avanço para os níveis nacionais e locais, cada país desenvolveu a sua própria legislação adaptada ao processo de Bolonha, levando em consideração as diferenças e estruturas, assim como diferenças na realidade social e política (Munar, 2007).

Quando o projecto completou uma década, os ministros europeus na área de educação reconheceram que o espaço educacional europeu ainda não era uma realidade totalmente conseguida. Foram, por isso, estabelecidas novas prioridades para a década seguinte, além de reflectidas as acções realizadas até então pelos países signatários (Benelux Bologna Secretariat, 2010: 13). São assinalados progressos decisivos no âmbito da utilização dos créditos (1998), a evolução para o sistema de ECTS (European Credit Transfer and Accumulation System) (1999) e, posteriormente, a acumulação desses créditos ao longo do percurso educativo (2003). Já no que respeita à organização educacional em ciclos educativos (1998), destaca-se o conceito de educação ao longo da vida (2001), e o desafio maior que é a estruturação dos Quadros Nacionais de Qualificação (QNQ) (2009) (European Commission, 2002).

Não é possível, actualmente, abordar a educação superior deixando de lado esta nova realidade que afecta não somente a relação entre os futuros profissionais e o mercado, mas também introduz inúmeras e significativas

alterações no ensino em toda a Europa, de forma a torná-los coerentes e compatíveis e possibilitando, assim, dentre outras coisas, facilitar a mobilidade docente e discente.

O processo de Bolonha teve o ano de 2010 como prazo final de adaptação dos cursos e trouxe consigo um conjunto de soluções e vantagens, mas também críticas relativas à introdução de uma nova realidade nas instituições de ensino superior e na vida dos estudantes e dos profissionais.

Vale, portanto, destacar que o sistema criado para tornar a rede educacional transparente e compatível, no âmbito da graduação e da pós-graduação, está baseado nas habilidades gerais e académicas, conteúdos e conhecimentos básicos, sistema de acumulação de créditos (ECTS) e nos métodos de ensino, de aprendizagem, avaliação, desempenho e qualidade (European Commission, 2002: 5-6).

Com “Bolonha”, foi reconhecida a importância do debate dos conceitos de educação/formação, envolvendo os académicos, os licenciados e os empregadores, ou seja, a visão da educação/formação sob a perspectiva de cada um dos envolvidos (European Commission, 2002). É também destacado neste documento que as contribuições por parte desses diferentes pontos de vista se complementam umas às outras, permitindo a discussão de competências académicas e profissionais ajustadas à perspectiva da empregabilidade, da formação activa da cidadania e do desenvolvimento pessoal.

A proposta de uma educação “aproximada ao mercado” suscita dúvidas e problemas, causa ânimo e esperança. Com argumentos a favor e contra no que diz respeito às propostas de curso, objectivos e filosofias mas desperta, igualmente, o maior receio provocado pelo termo “globalização”, o receio da homogeneização, da perda de características próprias, da produção (educacional) em escala industrial. Em outras palavras, que a educação venha a ser apenas uma “commodity” (Formica, 1996)

Contudo, esta ideia é refutada por Munar (2007). O autor acredita que estes novos contornos no ambiente educacional nos remetem para o fenómeno da globalização, sem, no entanto, serem sinónimos de estandardização, como evidenciado no ponto de encontro entre o global e o local.

Para ilustrar tal constatação, destaca-se o trabalho da jornalista Carla Aguiar, ao entrevistar diversos professores ligados a universidades e institutos politécnicos em diferentes partes do país. O retrato da realidade portuguesa é que a mudança está a acontecer, mas com uma preocupação maior em cumprir as metas acordadas em termos de duração e estrutura dos cursos, não havendo uma reflexão estruturada e global sobre a matéria (Aguiar, 2009). Em conjunto com a proposta de fazer convergir os projectos educacionais nos países aderentes, surgiu a necessidade de criar novos instrumentos e terminologias, como o ECTS - o sistema de acumulação e transferência de créditos que viabiliza a mobilidade- o suplemento do diploma e a Estrutura de Qualificação Europeia (EQF), dentre outros instrumentos, como, por exemplo, o modelo de apresentação curricular denominado Europass5 (Munar, 2007: 75). Na perspectiva de Sellin (2007: 6, citando o Comunicado de Helsínquia, 2006), a Comissão Europeia e o Conselho dos Ministros da Educação têm grandes expectativas em relação ao QEQ (Quadro Europeu de Qualificação), considerando que exercerá uma acção positiva, por exemplo: no aumento da mobilidade para formação inicial e fins laborais; no aumento da comparabilidade das qualificações; no fornecimento de melhores estatísticas comparativas ao Eurostat6 no campo da educação e formação; no aumento da transparência dos sistemas de educação, formação e qualificação nacionais; no aumento da competitividade e da coesão social no espaço comum europeu.

5

Curriculum Vitae com base nas competências e qualificações, num modelo uniformizado e compreensível em todo espaço europeu

http://europass.cedefop.europa.eu/europass/home/hornav/Introduction.csp 6 Serviço Oficial de estatística da União Europeia

(http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/about_eurostat/corporate/introducti on)

É interessante observar os instrumentos QEQ e ECTS, segundo os seus objectivos, como forma de compreender a contribuição de cada um deles para este novo modelo educacional (tabela 6):

Tabela 6

Objectivos do QEQ e dos ECTS

Instrumentos

Objectivos QEQ ECTS

Transparência

Maior transparência das qualificações e

aprendizagem ao longo da vida

Maior transparência dos títulos do ensino superior

Promoção do espaço europeu

Tornar a Europa até 2010 a economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva Atractividade internacional do ensino superior na Europa Mobilidade Explicitamente sem relação directa nos documentos analisados

Promoção da mobilidade estudantil;

Desenvolvimento de currículos internacionais.

Comparabilidade Comparabilidade das

qualificações Comparabilidade dos programas de estudo Transferibilidade (transferência, acumulação) Transferibilidade das qualificações Transferibilidade dos pontos de crédito Reconhecimento/ Validação Reconhecimento e validação da

aprendizagem não formal e informal Facilita o reconhecimento académico Cooperação Promoção da cooperação e reforço da base de confiança entre os respectivos actores Promoção da cooperação e da base de confiança entre os estabelecimentos de ensino superior

Os créditos ECTS representam o volume de trabalho por um ano/semestre num determinado curso (Dunkel e Le Mouillour, 2008), sendo regulado, por convenção europeia, que 60 créditos equivalem ao volume de trabalho de um estudante a tempo inteiro durante um ano lectivo. Noutra perspectiva, cada crédito ECTS corresponde de 25 a 30 horas de um curso a tempo inteiro que contabiliza um total de 1500 a 1800 horas anuais. Desta forma, o volume de trabalho e o tempo de aprendizagem estimado são os dois princípios que compõem o sistema de créditos (Dunkel e Le Mouillour, 2008: 217).

Por outro lado, Bjornavold e Coles (2007) acreditam que o meio mais adequado para coordenar os cursos de diferentes países é através dos QNQ. Devido à importância para o desenvolvimento do QEQ, os QNQ são instrumentos indispensáveis para a viabilização da política europeia de consolidação do espaço europeu comum na área da educação, por constituírem um meio de assegurar a comparabilidade das qualificações nacionais.

Bjornavold e Coles (2007: 228) definem os Quadro de Qualificações como (…) uma seriação de qualificações de acordo com um conjunto de critérios de definição dos níveis de aprendizagem alcançados (No âmbito nacional, um QNQ é considerado) um instrumento concebido para a classificação de qualificações segundo um conjunto de critérios para níveis específicos de aprendizagem atingidos, visando integrar e coordenar os subsistemas nacionais de qualificações e melhorar a transferência, o acesso, a progressão e a qualidade das qualificações em relação ao mercado de trabalho e à sociedade civil.

Dentre os principais objectivos dos QNQ, estão (Bjornavold e Coles, 2007: 229, citando Coles, 2006):

 Estabelecer normas de âmbito nacional para os resultados das aprendizagens (competências);

 Fomentar a qualidade da educação e da formação através da regulação;

 Promover o acesso à aprendizagem e, no âmbito desta, a transferência e a progressão.

O QEQ possui oito níveis de qualificações (Tabela 7), especificando, de forma resumida, características pessoais e profissionais, entre outras. O nível 1 corresponde à conclusão da escolaridade obrigatória, ao passo que o nível mais elevado, o 8, corresponde à conclusão de uma tese de doutoramento. Nota-se que o foco é nos resultados de aprendizagem e estes são mensurados com base nos conhecimentos, aptidões e competências adquiridos (Sellin, 2007: 6).

Tabela 7

É importante atentar nos conceitos fundamentais inseridos no QEQ, no qual os referenciais se baseiam nos conhecimentos teóricos e/ou factuais; as aptidões podem englobar as cognitivas (pensamento lógico, intuitivo e criativo) e as práticas (destreza manual e uso de métodos, materiais, ferramentas e instrumentos; competência, conceito associado ao nível de responsabilidade e autonomia) (Sellin, 2007: 17).

O QNQ funciona no sentido de garantir os níveis de qualidade, validação e orientação, através de um ponto de referência nos sistemas de qualificação. Desta forma, os QNQ são instrumentos para viabilizar a comparabilidade das qualificações entre sistemas e quadros de referência nacionais e sectoriais. Na sequência da aprovação e implementação do QEQ, actualmente, os Estados- membros estão em fase de implementação e consolidação deste instrumento ao nível nacional.

No âmbito do Estado português, o Sistema Nacional de Qualificações (SNQ) engloba todas as entidades do sistema de ensino, sobretudo o ensino superior. Vale destacar a criação da Agência Nacional para a Qualificação (ANQ), em 2007, reunindo as competências da Direcção-Geral de Formação Vocacional (Ministério da Educação) e do Instituto para a Qualidade na Formação (Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social) (DGES, 2011).

Considerada a necessidade de adequar o ensino superior português à ordem educacional definida em Bolonha, foram tomadas medidas legislativas e políticas que permitiram a realização desta reforma e enquadramento no QNQ (DGES, 2011). A reestruturação do ensino superior, conforme os parâmetros estabelecidos em Bolonha, iniciou-se em 2005, ajustando-o à criação do Espaço Europeu para o Ensino Superior. Posteriormente, foi alterada a Lei de Bases do Sistema Educativo e definido o quadro genérico de qualificações, organizado em 3 ciclos de estudo. Este modelo já vigora em Portugal desde 2009/2010. Numa fase seguinte, foram definidos os descritores genéricos de qualificação, por ciclo, tendo por base as competências adquiridas. Em 2006, o sistema português de ensino superior foi submetido à avaliação internacional, do que resultou um relatório com recomendações da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico), publicado em 2007. Também

neste ano foi apresentado o quadro orientador e os princípios de orientação do sistema de ensino. (DGES, 2011) (Figura 10).

Figura 10

Desenvolvimentos do Quadro Nacional de Qualificações no âmbito do Ensino Superior

Markowitsch e Luomi-Messerer (2007: 47) apontam que a orientação para as competências surge de uma interpretação incorrecta do QEQ, concentrada no que os formandos são capazes de fazer e deixando de lado duas outras variáveis importantes: os saberes e aptidões.

Acerca da hierarquia profissional, a quarta coluna na tabela do QEQ (tabela 7) descreve as responsabilidades e autonomia nos níveis educacionais, fazendo referência aos contextos funcionais ou organizacionais e o modo como estes podem ser identificados no mundo do trabalho (Markowitsch e Luomi-Messerer, 2007).

Em relação à hierarquia da aquisição de aptidões ou desenvolvimento de competências, o QEQ tem foco nos resultados de aprendizagem, em forma de indicadores como conhecimentos, aptidões e competências. Apesar de não ser o objectivo, o QEQ permite a descrição individual de aptidões e competências, aproximando-o de uma hierarquia de aquisição ou a sua classificação, podendo esta última ser no nível técnico ou em termos de conteúdo. Entretanto, para a especificação técnica ou de conteúdos são necessárias análises do ambiente do trabalho, tal como apresentada no modelo VQTS (sistema de transferência de qualificações profissionais), no qual são determinadas competências e o seu desenvolvimento, tomando por base as actividades profissionais investigadas. Como explicam Markowitsch e Luomi-Messerer (2007: 55 - 57), neste modelo, desenvolvido no âmbito do projecto Leonardo da Vinci, várias vezes premiado, “Vocational qualification transfer system” (VQTS), são determinadas competências e o seu desenvolvimento com base em actividades profissionais empíricas investigadas. Estas competências e as suas fases de desenvolvimento são formuladas em relação ao processo de trabalho. Uma matriz de competências representa as tarefas centrais (domínios de competência), numa área profissional especial, e a progressão do seu desenvolvimento (fases de desenvolvimento das competências) de forma estruturada num quadro. Com a ajuda desta matriz de competências, as fases de desenvolvimento a atingir, no quadro de uma formação, ou as fases já percorridas por uma pessoa num determinado momento podem ser organizadas num perfil de competências. Este instrumento pode ser utilizado,

nomeadamente, para comparar as qualificações entre si e, provavelmente, também para facilitar a classificação em quadros de qualificação.

O modelo VQTS foi desenvolvido entre 2004 e 2006 e tem como objectivos: a transferência vocacional de competências; transferir e reconhecer as competências adquiridas no treinamento vocacional e educacional, assim como as competências adquiridas no ensino não-formal e informal; desenvolvimento de qualificações; composição de perfil de trabalho; melhoria da visibilidade das diferenças das qualificações (VQTS, 2010).

Como parte do modelo VQTS, é proposta a descrição estruturada das competências, o que inclui a elaboração de uma matriz relativa ao trabalho numa área ocupacional específica. Esta matriz de competências é elaborada com base no debate que envolve especialistas da área em questão, na qual são temas centrais as competências de trabalho para determinados campos vocacionais (VQTS, 2010).