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2. Fontes secundárias:

4.2. Modelos de Inovações Institucionais nos Orçamentos Públicos

Neste tópico, farei uma abordagem comparativa de algumas tentativas de participação da sociedade civil nos orçamentos públicos no Brasil, enfocando sobretudo como diferentes atores moldam distintos formatos institucionais (métodos) e vice-versa. Seguindo a orientação metodológica de David HELD, procurar-se-á ressaltar os limites e as possibilidades de cada formato. Para tanto, as experiências est

ão agrupadas segundo o critério de terem se modelado enquanto espaços informativos/consultivo ou deliberativos.

No Brasil, por serem experiências relativamente recentes, a participação da sociedade nos orçamentos públicos, ainda não conta com procedimentos suficientemente regrados, normatizados. Consequentemente, também o Orçamento Participativo não tem um conceito sedimentado, universalizado.

Entretanto, partindo da premissa que o controle democrático da sociedade sobre o Estado fundamenta-se no caráter público da atividade política e levando-se em conta as iniciativas brasileiras sobre a publicização dos orçamentos, um caminho possível - como uma primeira inferência para a construção do conceito de Orçamento Participativo -, é situar, tal como se apresentam empiricamente, as diferentes formas e conteúdos de participação. Dito em outros termos: como se dá, na prática, a relação Estado-sociedade, público-privado no tocante aos orçamentos

estatais (públicos), a partir de dois significados que se pode atribuir ao termo

publicização. Um deles, enquanto tornado público - como “esfera de competência do

poder político”, em oposição ao privado -, e o outro, enquanto tornado transparente - como “esfera onde se dá o controle do poder político por parte do público”, em oposição ao secreto. (BOBBIO, 1987).

Empiricamente, a distinção dos dois parâmetros se dá pelas várias identidades - informativa, deliberativa, direta, indireta - que os diferentes processos orçamentários incorporam. Com estas categorias e através da filtragem - público- transparente -, pode-se fazer uma leitura de várias experiências participativas, como por exemplo, a do Orçamento Geral da União - via Audiências Públicas -; a da Administração Wittich Freitag (PFL) de Joinville - pelo Orçamento Regionalizado - ou a das diversas administrações democrático populares - através dos Orçamentos Participativos.

4.2.1. Modelos informativos e ou consultivos

a) Lages (1976/81)

O govemo de Dirceu Carneiro (MDB) em Lages, no final dos anos 70, pode ser considerado uma experiência pioneira de gestão participativa no Brasil. Ao assumir a Prefeitura de Lages, Carneiro e sua equipe não possuíam “um plano de govemo previamente concebido, com projetos definidos e acabados”. (FERREIRA, 1991: 9). Durante a campanha eleitoral, ele e membros de sua equipe participaram de um seminário promovido pelo Instituto de Pesquisas Econômicos e Sociais - IEPES. Nele, se definiu como linha de campanha dos candidatos de oposição à ARENA e como estratégia para os prefeitos eleitos a “participação popular na gestão do. município”. (ANDRADE, 1996: 31). Entretanto, seja pelas condições altamente adversas em relação ao govemo estadual que a gestão enfrentou,81 seja pela “forma paternalista” (FERREIRA, 1991: 13) com que foi conduzido o processo, a conseqüência é que, mesmo tendo sancionado lei submetendo a aprovação do orçamento público à

81 . O então governador do Estado Jorge K. Bornhausen, referindo-se a gestão de Dirceu Carneiro, declarara ao Jornal de Santa Catarina de 10/06/78 que “não podemos deixar prosperar republiquetas (...) não devemos deixar prosperara ideologia marxista;” (FONTANA, 1982: 36)

população, na prática a elaboração do mesmo foi feita de modo convencional. O que se observou foi o desenvolvimento do “clientelismo de massas”. (ANDRADE, 1996).

A Lei Municipal n.Q 550, de 06 de agosto de 1982, fixa os planos de ação para as secretarias e “adota medidas práticas de participação popular na administração do município”. O seu artigo 51, prevê que o GAPLAN deverá submeter à “consulta popular e democrática os projetos das obras a executar, através da assembléia das associações e organizações devidamente constituídas do povo, especialmente no que respeita ao Orçamento Público do Município, Plano Diretor e legislações codificadas de interesse social”. (ALVES, 1988: 143).

Somente nos últimos períodos da gestão se decidiu “levar o orçamento a debate público”, mas essa iniciativa “acabou se constituindo numa mera exposição do orçamento, não tendo se chegado a um grau de participação efetiva, nem à compreensão do significado político dessa prática”. Nos debates públicos do orçamento, onde os posicionamentos das representações das associações e organizações populares, se autônomas em relação ao governo, deveriam assumir um caráter deliberativo, apenas “se configuraram quase sempre como órgãos consultivos e cooperativos com o poder municipal”. (FERREIRA, 1991: 15).

b) Florianópolis (1986/88)

Durante a campanha eleitoral, todo o programa de governo do então candidato a prefeito Edson Andrino (PMDB) centrava-se na proposta de uma democracia participativa. Na sua administração foi criado o GAPLAN,82 e na Secretaria da Administração a Coordenadoria de Movimentos Sociais, com o objetivo de organizar as comunidades, principalmente no interior da ilha. Já nos primeiros dias de governo, foram “criados espaços semanais de audiências para as associações”. (MENDONÇA, 1990: 47). Dentre outros mecanismos, criou-se o Conselho de Transporte Coletivo e foi chamada a participação das comunidades, via associações e conselhos de moradores na organização do orçamento público. Intitulado “Seminário de Discussão Popular do Orçamento Municipal” e com o objetivo especifico de “colher subsídios visando a elaboração da proposta

. GAPLAN, Gabinete de Planejamento, com estatuto de Secretaria e vinculado ao Gabinete do Prefeito.

orçamentária”.83 pode-se dividir o modelo proposto pela gestão de Edson Andrino para o orçamento de 1989, em seis etapas: a) consolidação da proposta de trabalho no colegiado do governo; b) realização de assembléias comunitárias; c) realização de assembléias distritais; d) avaliação técnica, financeira e política pela administração; e) realização da assembléia municipal; f) elaboração, pelas secretarias de governo, da proposta orçamentária municipal e encaminhamento da mesma à Câmara Municipal de Vereadores.

A primeira etapa, a) efetivada no mês de junho e dividida em dois momentos, era interna à administração. No primeiro momento, o Gabinete do Prefeito e o GAPLAN faziam a avaliação do processo anterior e elaboravam proposta de trabalho. No segundo, a proposta era debatida e aprovada no colegiado de governo. Na Segunda etapa, b) durante o mês de julho, realizavam-se as assembléias comunitárias que, organizadas pelas próprias comunidades, elegiam três prioridades e dois delegados comunitários. A terceira, c) semelhante à anterior, só que em nível de distritos e constituída pelos delegados comunitários sob a coordenação do governo, elegia cinco prioridades e dois delegados distritais. No pauta das assembléias distritais estava prevista uma prestação de contas em forma de “apresentação do quadro-situação das reivindicações formuladas no seminário anterior"’ e votação das prioridades e dos delegados. Na quarta etapa, d) interna ao governo como a primeira, era feita a avaliação, técnica e financeira, pelo GAPLAN e secretarias afins e política, pelo colegiado de govemo. A realização de uma assembléia municipal constituía a quinta etapa, e) A assembléia, formada pelos delegados distritais, previa a presença do prefeito e secretariado e objetivava 1) apresentar a avaliação técnica e financeira (limites e possibilidades de atendimento dos pleitos) realizada pela administração; 2) eleger dez prioridades municipais e; 3) eleger uma comissão mista (prefeitura e comunidade) para acompanhar a elaboração e execução da proposta orçamentária, posteriormente enviada à Câmara de Vereadores.

Durante os três anos da gestão do prefeito Edson Andrino houve discussão do orçamento com as comunidades. Na avaliação do processo de 1988, realizada pelo Gabinete do Prefeito, através da Assessoria Política e de Assuntos Comunitários, e pelo GAPLAN, concluiu-se que houve avanços, na medida que a

discussão popular do orçamento: a) “promoveu a discussão democrática do orçamento; b) tornou transparente à comunidade as dificuldades, limites e possibilidades do poder público; c) desencadeou um processo de participação popular na elaboração orçamentária e; d) valorizou as organizações comunitárias”.

Entretanto, MENDONÇA, em sua dissertação de mestrado conclui que, “os resultados obtidos demostram que a participação popular no processo orçamentário de Florianópolis, entre 1986 e 1988, não pode ser considerado como participação democrática, pois apesar das quatro categorias de critérios analisadas, nenhuma foi integralmente satisfeita”.84 (MENDONÇA, 1990: IX). No mesmo sentido, um funcionário do GAPLAN diz que a participação popular era restrita, pois a população “não participava diretamente da escolha das obras, ela sugeria as obras mas não tinha poder de decisão. [...] ela tinha que vir, fazer a reivindicação no conselho comunitário que vinha fazer reivindicação na prefeitura, sugerindo que determinadas obras fossem feitas”.85

A avaliação reconheceu também que houve falhas no processo, justificadas pelo fato de “ainda não se ter técnicas consolidadas”, e levantou preocupação para que as prioridades a serem eleitas nas próximas assembléias comunitárias fossem do conjunto de moradores e não de “um pequeno grupo ou entidade”.86

Evidencia-se aqui a observação de HELD quanto aos limites da democracia participativa, no tocante às dificuldades que governos participativos tem em formatar instituições de modo a incluir e ou ampliar a participação dos grupos não organizados da sociedade.

Em síntese, pode-se dizer que a participação popular no orçamento em Florianópolis, na gestão de Edson Andrino, avançou metodologicamente em relação à efetivada pela administração Dirceu Carneiro em Lages. Mesmo conservando algumas características daquela - como, efetivar-se apenas via organizações populares com pouca autonomia em relação ao poder público - conseguiu ir além da

Municipal para 1989. Grifo nosso.

84. As categorias utilizadas por MENDONÇA foram tomados do modelo desenvolvido por Souto-Maior