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84. As categorias utilizadas por MENDONÇA foram tomados do modelo desenvolvido por Souto-Maior (1989) para avaliação da participação democrática As quatros categorias são: a) Oportunidade,

4.2.2. Modelos deliberativos

a) Joinville (1992/96)

Durante a segunda gestão de Wittich Freitag (PFL) como prefeito de Joinville - a primeira foi entre 1983 e 1988 - , instituiu-se o orçamento regionalizado. Bolivar LAMOUNIER, cita o orçamento regionalizado de Joinville como um exemplo de inovação de gestão pública participativa. Para o autor, “o prefeito de Joinville, do PFL, implantou no município o orçamento regionalizado - uma imitação, ao que tudo indica melhorada dos orçamentos participativos inventados pelo PT”. Para o então Secretário do Planejamento de Joinville, “uma das grandes dificuldades da administração é saber como atender, de forma equilibrada, os anseios das comunidades”,88 a solução encontrada foi implantar uma forma de orçamento semelhante aos modelos de orçamento participativo das administrações de esquerda. Mas é, segundo LAMOUNIER, “justamente a pitada liberal que o difere” e o torna singular frente aos modelos mais conhecidos. A prefeitura definiu os valores a serem distribuídos e “os colocou à disposição das comunidades para que fizessem

1997.

ÔÕ

. Entrevista de José Carlos Vieira, ex-secretário de planejamento de Joinville a Bolivar Lamounier. Grifo nosso. (LAMOUNIER, 1996 : 153)

com o dinheiro o que bem entendessem. [...] Em outras palavras, os cidadãos de Joinville receberam formalmente um valor, e a prefeitura se comprometeu a erguer qualquer obra que a comunidade quisesse dentro daquele limite”. (1996: 154). Para isso, a cidade foi dividida, de acordo com os dados do censo do FIBGE, em 67 regiões, cada uma em média com 1.560 residências, ou 5.500 pessoas. Do total dos recursos destinados a investimentos, metade ficou com a prefeitura “que decide as obras prioritárias para a cidade” e metade foi para o orçamento regionalizado, cabendo U$ 12 a cada habitante. Para amenizar uma das principais “críticas da oposição” de que, ao dividir igualmente os recursos se estaria beneficiando os menos necessitados, se fez uma diferenciação e “as comunidades mais carentes teriam direito a U$ 14 per capita". De qualquer modo, ainda segundo LAMOUNIER, (1996) a experiência do orçamento regionalizado iniciada em 1993 para ser incluído em 1994, “não foi concluída. Cerca de 40% dos recursos que deveriam erguer obras em 1994 ainda não haviam sido investidos até o fim de 1995, ano em que não houve orçamento regionalizado, assim como 1996”.

Em síntese, o processo da participação popular no orçamento de Joinville, apesar de não ter conseguido completar sequer um ciclo, pode ser agrupado entre os modelos deliberativos tendo em vista que as comunidades tinham o poder de escolher suas prioridades. As demais decisões, além de serem tomadas unilateralmente pela prefeitura, se inserem dentro da lógica liberal, que vê os homens, independente das circunstâncias, com iguais oportunidades e portanto, com direito a receberem iguais quinhões do Estado ou, em se tratando de critérios de justiça, concebe as relações como uma “equivalência de coisas”.

b) Assembléia Legislativa de Santa Catarina (1997/...)

A partir de 1997, a Assembléia Legislativa de Santa Catarina iniciou um processo de participação da sociedade civil para a apreciação da proposta orçamentária em vigor no exercício de 1998.

A implantação do modelo, pode ser dividido em quatro momentos. Inicia-se a) com a realização das audiências municipais, onde são levantadas as necessidades municipais e, dentre elas, priorizadas cinco (distribuídas nas áreas de investimentos de

saúde; educação; agricultura; trabalho; transporte; habitação e segurança pública) e eleitos representantes para as audiências regionais.89 Num segundo momento, b) são realizadas as audiências regionais, em número de dez, nas quais participam: o governador e seu secretariado; os deputados estaduais; os representantes municipais eleitos e os prefeitos e presidentes das Câmaras de Vereadores dos municípios da região. Somente os representantes da sociedade civil eleitos nas audiências municipais, prefeitos e presidentes de Câmaras de Vereadores tem direito a voto. Nestas audiências é feita: uma exposição da situação financeira do Estado e dos tetos de investimentos para cada área elencada; a leitura do Plano de ação do Governo para a região; a leitura, discussão e votação das propostas oriundas das audiências municipais e; eleição do representante (titular e suplente) para o Conselho Estadual do Orçamento Regionalizado. No terceiro momento, c) o Conselho elabora o relatório final das propostas aprovadas nas audiências regionais e as encaminha ao Poder Executivo para incluí-las na proposta de orçamento anual e finalmente; d) após o envio da proposta orçamentária pelo Governo do Estado à Assembléia Legislativa, a mesma vai a plenário para aprovação.

O processo de participação da sociedade civil no orçamento público iniciado pela Assembléia Legislativa de Santa Catarina tem em comum com o promovido no Orçamento Geral da União, pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional, o fato de ambos terem sido uma iniciativa do Poder Legislativo. Esta situação impõe severos limites à experiência, uma vez que a elaboração do orçamento é prerrogativa do Poder Executivo. Entretanto, algumas diferenças entre ambas colocam a experiência de Santa Catarina entre os modelos deliberativos: a primeira situa-se na alteração promovida na Constituição do Estado de Santa Catarina, através das emendas de n.9 11/96 e 12/96, que dispõe sobre a realização das audiências públicas para fins da elaboração do orçamento estadual. As demais, efetivadas a nível de regimento interno do Orçamento Regionalizado, vão no sentido de garantir a participação da sociedade civil no processo, pois a) obriga que as propostas oriundas das audiências regionais sejam incluídas no orçamento;90 b) ao

89 . Cada município tem direito a eleger um representante para cada mil habitantes ou fração, sendo que o número de representantes não poderá exceder a vinte pessoas.

9 . O parágrafo 4° do Art. 20 da Lei complementar n.9 157 de 09/09/97 que regulamenta o Orçamento Estadual Regionalizado reza que “Composta a Proposta Orçamentária pelo Chefe do Poder Executivo, constatando-se a exclusão de propostas apresentadas e aprovadas nas Audiências

colocar membros da sociedade política (prefeitos e presidentes de Câmaras de Vereadores) como delegados natos nas audiências regionais abre espaços para a sociedade civil também se fazer representar, pois não permite a “concorrência” e; estabelece critérios para eleição de delegados e cria o Conselho Estadual do Orçamento Regionalizado, composto por representantes da sociedade civil. O limite maior fica por conta de só levar em consideração os critérios técnicos do orçamento (existência ou não de recursos) e não incluir outros critérios objetivos, tais como pesos e notas segundo os diferentes níveis de desenvolvimento das regiões, para o acatamento das propostas.

c) Porto Alegre (1989/...)

Pode-se dividir o processo de elaboração do Orçamento Participativo implantado em Porto Alegre em três grandes etapas, que se subdividem em oito momentos.

Na primeira etapa, no primeiro momento (1) dividiu-se o município em dezesseis regiões, que serviram de bases geográficas (unidades) para a distribuição dos recursos. A divisão regional levou em conta, além de dados objetivos como densidade demográfica e índices de carência, também e principalmente, critérios de afinidade política e cultural entre a população. Com o aumento da participação, as regiões paulatinamente se subdividiram em micro regiões, sendo que em 1995 as dezesseis regiões já estavam subdivididas em vinte e oito micro regiões.91 Além da base geográfica (regiões e micro regiões), a partir de 1994, foram abertos espaços temáticos para a discussão do orçamento municipal. A base temática é constituída pelos seguintes temas: a) transporte e circulação; b) saúde e assistência social; c) educação, cultura e lazer; d) desenvolvimento econômico e tributação e; e)

Públicas Regionais, estas serão objeto de emendas junto à Comissão de Finanças e Tributação da Assembléia Legislativa, cuja rejeição só se dará em destaque, junto ao Plenário, pela maioria absoluta.”

91 . Segundo a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, estas subdivisões atestam a “necessidade de permanente esforço na descentralização da ação político-comunitária.” Atualmente, a regionalização ultrapassa o OP e é um elemento de “estruturação para outras políticas e atividades da cidade. Exemplo: uma nova política de planejamento urbano (PDDU), conselhos tutelares, programa de descentralização administrativa etc.” (Orçamento Participativo - Boletim n.s 2 - agosto/setembro 1995).

organização da cidade e desenvolvimento urbano, subdividido em saneamento e meio ambiente, habitação e urbanismo.92

No segundo momento (2), durante os meses de março e abril, realiza-se uma primeira rodada de assembléias em cada uma das dezesseis regiões e sobre os cinco temas. Nestas plenárias públicas a) o Governo presta contas, por escrito, do Plano de Investimentos do ano anterior e apresenta o Plano de Investimentos do ano atual; b) apresenta a proposta metodológica para o próximo ano e c) os participantes avaliam a prestação de contas e elegem delegados segundo critérios preestabelecidos. (Figura 1). Além do prefeito e do vice-prefeito, que participam da mesa coordenadora das assembléias e prestam contas, diretamente à plenária, do que foi realizado no ano anterior, o secretariado de governo também participa das assembléias.

Figura 1

Critérios para eleição de Delegados n ° de participantes na reunião Proporção de delegados por participantes n.9 de delegados eleitos Até 100 01 por 10 10 101 a 250 01 por 20 08 251 a 400 01 por 30 05 401 a 550 01 por 40 04 551 a 700 01 por 50 03 701 a 850 01 por 60 03 851 a 1.000 01 por 70 02

Mais de 1.000 01 por 80 proporcional

Fonte: Prefeitura Municipal de Porto Alegre.

Após a primeira rodada de assembléias, num terceiro momento (3) os delegados eleitos em cada região promovem reuniões nas comunidades (rodadas intermediárias) de suas respectivas regiões, com o objetivo de levantar as obras e serviços prioritários e convidar a população para participar de uma segunda assembléia regional. Vários órgãos do governo participam das reuniões para prestar

92 . A introdução das plenárias temáticas teve dois objetivos principais: a) “a ampliação da participação para outros setores sociais, como sindicalistas, empresários, comerciantes, agricultores, estudantes, movimentos culturais e ecológicos, [...]; e b) “dar uma nova dimensão ao processo do Orçamento participativo, aprofundando do planejamento global da cidade e das políticas setoriais por área”. (GENRO, Tarso é SOUZA Ubiratan de. 1997, p. 54).

informações técnicas e apresentar suas propostas de obras e serviços. A Administração Municipal, além de colocar suas propostas em discussão e disputa com as oriundas das comunidades e regiões, mantém uma estrutura para auxiliar as comunidades no encaminhamento de suas reivindicações.93 Ainda neste momento, na reunião intermediária de maior quorum, a comunidade elege mais delegados com os mesmos critérios utilizados na primeira rodada de assembléias. Os delegados eleitos em cada região constituem fóruns regionais de delegados.94

No quarto momento (4), numa segunda rodada de assembléias, a) o Executivo apresenta os grandes agregados da despesa (gastos de pessoal, consumo, serviços de terceiros e investimentos) e a estimativa de receita que devem direcionar a elaboração da peça orçamentária para o próximo ano; b) são agregadas, discutidas e votadas as prioridades de cada região e de cada plenária temática95 e; c) são eleitos - dois titulares e dois suplentes - os representantes por região e por plenárias temáticas para compor o Conselho do Orçamento.96 Assim, tanto a primeira quanto a segunda rodada de assembléias tornam-se “um momento especial para o governo municipal submeter suas idéias sobre a cidade”. (NAVARRO, 1997 : 198). Nestas assembléias, realizadas nos meses de junho e julho, utilizam-se os mesmos critérios de participação da primeira rodada de assembléias e para a eleição dos conselheiros, (Figura 2), também realizada diretamente pela assembléia, em havendo mais de uma chapa, aplica-se o seguinte critério de proporcionalidade:

93 . Segundo FEDOZZI, as unidades administrativas e órgãos internos da Prefeitura voltados especialmente para o processo orçamentário são o GAPLAN (Gabinete de Planejamento), CRC (Coordenação de Relações com as comunidades), Fórum das Assessorias de Planejamento (Asseplas), Fórum das Assessorias Comunitárias (FASCON), Coordenadores Regionais do Orçamento Participativo (CROPs) e os Coordenadores Temáticos (Cts). (1996, p. 169).

94 . Os fóruns de delegados são instâncias de caráter consultivo, que têm basicamente por objetivo fiscalizar o andamento da obras e mobilizar as comunidades.

95 . Cada região escolhe quatro prioridades entre oito temas: saneamento básico; política habitacional; pavimentação integrada (asfalto, rede de água, rede de esgoto pluvial); educação; assistência social; saúde; transporte e circulação e organização da cidade. Na elaboração do OP/1998 o Conselho do Orçamento ampliou de oito para doze os temas, incluindo como novo tema o desenvolvimento econômico e passando de subtemas da organização da cidade para temas: áreas de lazer, esporte, cultura. (GENRO, Tarso e SOUZA, Ubiratan de. p. 61).

96 . O Conselho do Orçamento é formado por dois conselheiros titulares e dois suplentes eleitos nas 16 regiões; dois conselheiros titulares e dois suplentes eleitos nas Plenárias Temáticas; um titular e um suplente representando o Sindicato dos Municipários; um titular e um suplente representando a União das Associações de Moradores; um representante da Coordenação das Relações com a Comunidade-CRC e um representante do GAPLAN. Os representantes do CRC e do GAPLAN são indicados pelo Prefeito e não têm direito a voto.

Figura 2

Critérios para eleição de Conselheiros Percentual de votos obtidos

pela chapa

n.e de Conselheiros Titulares

n ° de Conselheiros Suplentes

Até 24,9 Nenhum nenhum

De 25,0 a 37,5 Nenhum 1 De 37,6 a 44,9 Nenhum 2 De 45,0 a 55,0 1 1 De 55,1 a 62,5 2 nenhum De 62,6 a 75,0. 2 1 Mais de 75,1 2 2

Fonte: Prefeitura Municipal de Porto Alegre.

Na segunda etapa, num quinto momento (5) as prioridades escolhidas nas assembléias regionais (obras e serviços hierarquizados por temas) e pelas plenárias temáticas, são encaminhadas ao Executivo, através do GAPLAN, que elabora uma primeira matriz orçamentária. Para isto, a) analisa as prioridades regionais do ponto de vista técnico, legal e financeiro; b) efetua o cálculo ponderado entre os critérios gerais estabelecidos no ano anterior e as prioridades estabelecidas pelas regiões e; c) compatibiliza as propostas orçamentárias de cada secretaria e departamento do governo municipal com as prioridades oriundas das regiões do Orçamento Participativo. É também neste momento que o novo Conselho do Orçamento, empossado no mês de julho, participa de curso sobre orçamento público. Em seguida, o Conselho do Orçamento, realiza um processo de discussão e deliberação sobre a matriz orçamentária elaborada pelo GAPLAN, tendo como referência as prioridades regionais e as propostas do governo. O Conselho do Orçamento é o espaço institucional onde se realizam as mediações entre as propostas do Executivo e as das comunidades, tornando-se assim, “a mais importante esfera administrativa para determinar o orçamento municipal, pois tem a palavra final sobre qualquer assunto relacionado ao mesmo, contando somente com o apoio técnico fornecido pelo governo”. (NAVARRO, 1997 : 198).

Após a elaboração da proposta orçamentária, no sexto momento (6) a mesma é entregue à Câmara de Vereadores pelo Executivo - através do prefeito e secretários - e pelos conselheiros e delegados do Orçamento Participativo. Ainda

neste momento, os envolvidos no processo do Orçamento Participativo acompanham a votação do orçamento junto à Câmara.

Na terceira etapa, um sétimo momento (7) constitui-se na fiscalização da execução das obras junto ao Executivo e, finalmente, o oitavo (8) na coordenação do processo eleitoral que elege novos delegados e conselheiros.

Além de seu caráter deliberativo se efetivar diretamente através dos cidadãos, com as entidades realizando as mediações, ao contrário do que ocorre na maioria dos modelos informativos/consultivos onde as entidades deliberam; a experiência de Porto Alegre inovou, aprimorando o processo seletivo de decisão, pela introdução de

critérios objetivos e um sistema de ponderações através de notas e pesos (Anexo I) para a escolha de prioridades.97 Desse modo, a participação popular no orçamento público municipal de Porto Alegre tem, além do caráter deliberativo, uma concepção democrática pois, via ponderações objetivas, introduz critérios de justiça.

O sonho de um critério objetivo de justiça que considere as desigualdades é antigo. Thomas MORE, descrevendo as sessões do senado utopiano, dizia que as primeiras eram dedicadas a “levantar a estatística” das várias cidades para, posteriormente, restabelecer o equilíbrio, “enchendo-se a carência das cidades infelizes com a superabundância das cidades mais favorecidas”. Na Utopia, “a cidade que dá nada recebe em troca da parte que entrega; e, reciprocamente, recebe de graça duma outra cidade à qual nada deu”. (MORE, 1972 : 242)

Em trabalho sobre a experiência do OP em Porto Alegre, FEDOZZI testou a hipótese de emergência da cidadania pelo OP. Para isso, estabeleceu e testou quatro pares de indicadores sobre as categorias Cidadania e Patrimonialismo. Concluiu que o OP atua no sentido de: a) romper com os critérios particularistas na alocação de recursos públicos; b) com a utilização privada desses recursos; c) e com o acesso privilegiado às decisões, mantendo, entretanto, d) uma relação problemática sobre a dualidade do nível institucional- legal e o social. (FEDOZZI, 1996).98

97 . Atualmente os critérios são: a) prioridade escolhida pela região; carência do serviço ou infra- estrutura e população total da região. Os critérios, anualmente avaliados pelo Conselho do Orçamento, têm se modificado no decorrer do processo. Por exemplo, o critério mobilização da comunidade, foi abandonado pela sua subjetividade (difícil de ponderar).

98 . Para Fedozzi, a dualidade refere-se às resistências encontradas no Executivo e em parte do Legislativo em institucionalizar o OP, pois elas podem significar a “provável ‘captura” do processo do OP

Conclusões

Sintetizando a presente seção, é possível dizer que os orçamentos estatais (públicos) podem se apresentar sob dois aspectos. O primeiro consiste na existência (ou não) de alguma participação da sociedade civil, seja na sua elaboração, fiscalização, coleta de sugestões e mesmo em iniciativas mais arrojadas de transparência nas contas públicas. Desse ponto de vista genérico, todas as experiências orçamentárias descritas podem ser consideradas participativas pois, de alguma forma, fogem do processo tradicional (técnico-burocrático).

O segundo aspecto consiste na verificação a) de quem detém o poder, ou seja, onde se localiza o núcleo decisório do processo orçamentário e; b) de como se forma e sob que critérios se constitui este poder. É a análise destas duas variantes que permite diferenciar, por exemplo, dentre os modelos deliberativos, aqueles em que o “núcleo duro” do poder é (ou não) radicalmente democratizado. Só a partir de então podemos dizer que, enquanto método, apenas os processos orçamentários que detenham duas condições: a) serem construídos coletivamente (Estado e sociedade) e; b) se pautarem por critérios objetivos e universais na partilha dos recursos públicos, podem ser considerados participativos no sentido forte do termo. Nos modelos analisados neste trabalho, estas duas condicionantes são características específicas do modelo de Porto Alegre, não encontrando materialidade integral em nenhuma das demais experiências aqui descritas.

Existe, portanto, simultaneamente, uma continuidade e uma ruptura entre, de um lado, as metodologias participativas informativas e ou consultivas, e, de outro lado, as participativas deliberativas. Existe, também, semelhante movimento dialético entre os vários modelos deliberativos. Assim, pode-se dizer que todos os modelos analisados, sejam informativos e/ou consultivos ou deliberativos, fortes ou fracos, apresentam um aspecto em comum: eles constituem tentativas de participação da sociedade nos orçamentos estatais (públicos). Entretanto, as relações que se estabelecem entre Estado e sociedade distingue uns de outros. Nos modelos informativos e/ou consultivos ou deliberativos fracos, a característica é a separação do poder - de forma hierarquizada e de antemão dada - favorável ao instituído em relação ao instituinte. Ao contrário, nos modelos deliberativos “fortes”, a

característica é a junção das distintas esferas, num mesmo patamar, para realizar a construção de novas relações de poder ou, pode-se dizer, para a construção de um novo “contrato social”. Conceituar Orçamento Participativo reduzindo-o à participação da sociedade nos orçamentos estatais (públicos) é fazê-lo de modo limitado e parcial, pois tal conceito só conterá uma parte, mesmo que constitutiva, dos Orçamentos Participativos.

Assim, nesta seção pode-se verificar, a partir dos vários modelos de inovações institucionais, que a apropriação e o uso da metodologia, em todo ou em parte, por diferentes atores, com recortes ideológicos distintos, fica bastante condicionada - além da maior ou menor virtuosidade dos governantes, - às diversas estratégias adotadas pelos mesmos. Desse modo, a participação popular nos orçamentos públicos, na exata medida que confere legitimidade a um governo, é a expressão do mesmo, conforme as várias concepções que o embasam.

Capítulo 5

O Orçamento Participativo de Florianópolis

Reafirmando os objetivos deste trabalho, - verificar os limites e possibilidades

que se explicitaram diante da experiência do Orçamento Participativo (1993-1996), implantado pela Administração Popular de Florianópolis e analisar em que medida a experiência rompe com formas tradicionais de gestão e impulsiona a formação de esferas públicas democráticas, - neste capítulo, passarei a descrever e analisar a

trajetória do Orçamento Participativo de Florianópolis frente a ação do Estado (Executivo e Legislativo) e da Sociedade Civil. Para isso farei inicialmente uma breve a) caracterização da política catarinense, da importância do aparelho do Estado em Florianópolis e dos quatro principais cenários e atores envolvidos no OP de Florianópolis (a Câmara de Vereadores; os movimentos Sociais; a Administração Municipal e a Frente Popular), b) Traçarei também o perfil dos participantes do OP. Na seqüência, c) farei o resgate do método e d) do desenvolvimento (trajetória) do OP e, finalmente; e) um debate acerca do papel do OP nas eleições municipais de 1996.