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O Renascimento é também chamado de “humanismo cívico” ou “república clássica” (HELD, 1987) 25 Além da idéia do governo misto mantido pelo discenso, outra conclusão a complementa e se

impõe, qual seja: a preservação da liberdade necessita, além da estabilidade interna, enfrentar a ameaça de outros Estados, o que exige a aplicação da força como “parte integrante da manutenção da liberdade.” Aqui, transparece a clara noção maquiavélica de que os fins do Estado situam-se acima dos do indivíduo. Ainda como limite, na “ esfera pública" m aquiavélica não houve o desenvolvimento conceituai para aqueles que discordassem do que é definido como "assunto público”. (HELD, 1987).

viveria em guerra permanente com os outros homens, destruindo-se. Por isso aceita privar-se de sua liberdade e entregar, incondicionalmente, seu poder ao Estado, desde que os demais homens façam o mesmo, para assim poder viver em paz. A idéia do contrato social hobsiano reforça a tese do governo por consentimento, em oposição ao direito divino. Ao realizar este movimento de entrega de poder, reforça, também, a tese de uma relação de domínio entre um soberano (o Estado) com um súdito (o indivíduo).

John LOCKE, compartilha com HOBBES a convicção de que os homens são portadores de direitos naturais. Entretanto, parte do princípio que no estado de natureza os indivíduos vivem em perfeita liberdade, quebrada apenas pela inadequada regulamentação da propriedade. Para LOCKE, a propriedade é anterior à sociedade e ao Estado e a necessidade de normatizá-la é a causa que leva indivíduos livres e iguais a estabelecer, tanto a sociedade, quanto o Estado. A conseqüência de colocar sociedade e Estado em momentos temporais distintos foi a necessidade do estabelecimento de um contrato social criando, primeiro, uma sociedade autônoma e independente do Estado e, só depois, uma sociedade política, ou governo. Por este mecanismo, LOCKE restabelece o princípio da soberania do indivíduo, pois agora é a sociedade (formada por indivíduos livres e iguais) que transfere a autoridade ao governo para que este os represente, o que implica na possibilidade de substituição dos governantes pelos governados. Ao insistir que o Estado deve apenas existir para proteger os direitos e liberdades dos cidadãos, (ele é um ônus que os cidadãos têm que carregar para atingir seus fins privados), LOCKE demarca claramente que a esfera de ação do Estado deve limitar- se a assegurar aos cidadãos a máxima liberdade possível. Finalmente, se em HOBBES, o problema da relação entre governados e governante foi teoricamente solucionado pela transferência incondicional do poder dos primeiros ao segundo, em LOCKE, a introdução da condicionalidade do consentimento dos governados para os governantes exigia, para a sua aferição permanente, a figura de representantes dos indivíduos. A conseqüência prática desse desenvolvimento teórico foi instaurar a tradição dos governos representativos. (HELD, 1987).

MONTESQUIEU, ao dividir, constitucionalmente, os poderes do Estado entre executivo, legislativo e judiciário, aprofundou as idéias do governo misto de

MACHIAVELLI. Ao limitá-los, também constitucionalmente, trilhou o caminho aberto por LOCKE. Com isso, procurou despersonalizar o poder do Estado, assegurando que um “governo virtuoso’ dependesse menos de indivíduos heróicos ou disciplina cívica e mais de um sistema de barreiras e equilíbrios”. (HELD, 1987 : 52).

Uma forte contraposição entre uma democracia direta, como a praticada pelos antigos, e a democracia moderna, foi feita por James MADISON. A causa, segundo ele, da instabilidade das democracias diretas está na constante e infrutífera busca do interesse comum pois, afirmava MADISON, os conflitos de interesses - frutos do embate entre proprietários e não proprietários - e a conseqüente formação de grupos antagônicos em constante competição fazem parte da natureza humana, portanto, são inevitáveis. A saída encontrada pelo pensador norte-americano, foi deslocar o foco teórico do cidadão com participação ativa na política, para focalizá-lo na “dedicação legítima dos indivíduos a seus interesses e um governo, acima de tudo, como meio de intensificação destes interesses”. (HELD, 1987 : 59).

Em suma, mesmo apresentando diversas matizes, o legado teórico central dos defensores da democracia protetora foi “considerar a política como uma esfera distinta e separada na sociedade, uma esfera apartada da economia, da cultura e da vida em família”. A conseqüência desta concepção restritiva da política à atividade e às instituições governamentais, é que questões, como por exemplo, “a organização da economia ou a violência contra mulheres no casamento são consideradas não- políticas, um resultado de contratos privados ‘livres’ na sociedade civil, não uma questão pública ou uma questão para o Estado”. (HELD, 1987 : 64).

A democracia desenvolvimentista

Na tradição democrática liberal, além da democracia protetora, inaugurada por HOBBES, também prosperou a democrática desenvolvimentista, vertente alternativa que, nas relações entre Estado e indivíduo, enfatizava as condições da moral e do desenvolvimento social dos cidadãos. A questão central colocada aos defensores dessa corrente de pensamento era a de “como a democracia em si poderia se tornar um (se não o) mecanismo central no desenvolvimento de um povo”. (HELD, 1987 : 66) A associação dos termos desenvolvimentista e democracia traduzia não apenas a

indispensabilidade mas, sobretudo, a centralidade das instituições democráticas para a constituição e manutenção de uma cidadania ativa.26

ROUSSEAU, tal qual MACHIAVELLI, procurou inspiração para a democracia na Grécia clássica. Em seu modelo de república, as obrigações e os deveres dos cidadãos para com a esfera pública tinham lugar destacado. Tal qual HOBBES e LOCKE, era contratualista. Diferentemente dos dois, em seu contrato social não havia a transferência (HOBBES), mesmo que condicional (LOCKE) da soberania do povo ao governo. Ao contrário, para ROUSSEAU, a soberania era inalienável, pois “não sendo senão o exercício da vontade geral, jamais pode alienar-se” e, indivisível, “pela mesma razão por que é inalienável, pois a vontade ou é geral, ou não o é”. Além, e em conseqüência mesmo desta distinção teórica, ROUSSEAU distanciava-se ainda mais dos democratas liberais por sua posição radicalmente contrária a democracia representativa. Considerava que os políticos jamais poderiam representar a soberania do povo, pois “o soberano, que nada é senão um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo”. (ROUSSEAU, 1997 : 86-87). O desenvolvimento de tais concepções levaram ROUSSEAU a conceber uma comunidade ideal, na qual todos os indivíduos tivessem oportunidades, e efetivamente estivessem, permanente e diretamente, participando dos assuntos públicos. Somente através dessa participação27 se chegaria à “vontade geral, soma dos julgamentos sobre o bem comum”. Sem este envolvimento ter-se-ia apenas a “vontade de todos, o mero agregado de fantasias pessoais e desejos individuais”. (ROUSSEAU, apud HELD, 1987 : 69).

Críticos às formulações rousseaneanas acusam que as mesmas levam a uma tirania da maioria, “uma vez que a maioria é toda-poderosa perante os objetivos e desejos dos indivíduos, a ‘soberania do povo’ poderia facilmente destruir a ‘soberania dos indivíduos”. A distanciá-lo ainda mais dos democratas liberais está seu esforço teórico, exposto em seu modelo de sociedade, contra a distinção entre o Estado e sociedade, entre o governo e o povo. A aproximá-lo, está sua defesa, mesmo com restrições, da propriedade privada.

26 . Held faz uma distinção (em seu modelo de democracia desenvolvimentista) entre as posições de Rousseau, mais radicais, e as de John Stuart Mill, que aproxima o modelo desenvolvimentista do modelo de democracia protetora. De todo modo, ambos, colocam “questões morais, ignoradas ou marginalizadas pelos teóricos da democracia protetora.” (HELD, 1987 : 67).

27. Para Rousseau, a participação dos cidadãos nos negócios públicos tinha três grandes funções: