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John Stuart MILL e ROUSSEAU, considerados os expoentes do modelo desenvolvimentista de democracia, têm em comum a concepção de que a

participação na vida política é condição para criar “uma base para um corpo de

cidadãos informados e em desenvolvimento”. Diferentemente de ROUSSEAU, John S. MILL não via na democracia direta um mecanismo essencial para esse “auto- desenvolvimento moral”. (HELD, 1987 : 78). Preocupado, de um lado, com a extensão das liberdades individuais, e de outro, com a tirania da maioria ou a possibilidade de expansão incontrolada do Estado, Stuart MILL afirmava que o único critério de justiça para o uso do poder político, seja em forma de força física ou coerção moral sobre um indivíduo, seria o de evitar dano a outros membros da comunidade. O desenvolvimento e a fixação deste princípio em formas constitucionais, serviu como sustentáculo para os principais elementos constitutivos - tais como a liberdade de pensamento, de expressão e de associação - das democracias liberais contemporâneas. Além dessa, outra contribuição de Stuart MILL para o desenvolvimento da teoria democrática foi dada pela sua preocupação em manter os limites do Estado através do envolvimento ativo dos cidadãos. Para ele, a “melhor proteção contra o desrespeito aos direitos de um indivíduo” é a sua

participação na elaboração desses direitos. (MILL, J. S., apud HELD, 1987 : 81).

Entretanto, partindo de uma concepção distinta da de ROUSSEAU sobre a natureza e o papel do Estado,28 seu entendimento de como deveria se dar a participação dos indivíduos na esfera pública também distanciava-se do pensamento de ROUSSEAU. Para Stuart MILL, que estava mais preocupado do que ROUSSEAU em equacionar os problemas da participação em uma sociedade de massas cada vez mais complexa, a questão se colocava em termos de como conciliar a necessária eficiência administrativa com a, também necessária, participação. Descartando a idéia da Polis, suas ponderações penderam decididamente para restringir a

participação em nome da eficiência governamental, segundo ele,

não existem meios de combinar estes benefícios, [eficiência e participação] exceto separando-se as funções que garantem um deles daquelas que garantem o outro

pg

. John Stuart Mill foi bastante influenciado por Alexis de Tocqueville quanto a possibilidade de um Estado democrático sufocar as minorias e quais os possíveis antídotos. Tocqueville desenvolveu este raciocínio (ver A democracia na América) partir de observações da conformação do Estado e do associativismo norte americano.

desagregando-se o ato de controle e de crítica da conduta real das questões e delegando o primeiro aos representantes da maioria, ao mesmo tempo que se assegura para o segundo, [...], o conhecimento adquirido e a inteligência praticada de alguns poucos treinados e experientes. (MILL, J. S., apud HELD, 1987 : 86)

A democracia direta

A democracia direta é intitulada por HELD (1987) para situar o modelo com as posições marxistas. Concluindo que seria impossível, dentro do capitalismo, constituir um governo democrático pelo antagonismo existente entre propriedade privada e justiça social, MARX e ENGELS criticaram a idéia liberal, segundo a qual deve-se analisar a política e suas instituições pelo indivíduo isolado ou por sua relação com o Estado. O homem, escreveu MARX, “não é um ser abstrato agachado do lado de fora do mundo. O homem é o mundo humano, o Estado, a sociedade”. (MARX, apud HELD, 1987 : 96). Os indivíduos só existem em interação e em relação com outros homens e a maior parte das condições de suas existências são determinadas por seus lugares na estrutura das classes sociais.29 Assim, para MARX e ENGELS é falsa a idéia liberal de um Estado neutro que representa o público (todos) em contraposição aos interesses privados de cada indivíduo pois,

ao tratar formalmente a todos da mesma maneira, de acordo com os princípios que protegem a liberdade dos indivíduos e defendem seu direito à propriedade, o Estado pode agir ‘de forma neutra’ mas irá gerar efeitos que são parciais; ou seja, ele inevitavelmente sustentará os privilégios daqueles que possuem propriedades. [...]. Como tal, o Estado tem um papel central na integração e no controle das sociedades divididas em classes; [...] o Estado liberal ou liberal- democrata é, forçosamente, um Estado coercitivo, ou forte, na prática. (HELD, 1987 :103).

Uma das questões centrais que contrapõe MARX aos liberais é a separação, feita por estes, entre a esfera pública (Estado) e a esfera privada (sociedade civil). MARX afirmava que o Estado, ao defender a propriedade privada, liga-se intrinsecamente às relações de poder da sociedade civil.30 Acusando os liberais de tentarem despolitizar a economia, MARX amplia o conceito de política ao introduzir a questão da economia como parte essencial para uma política democrática.

29

. O desenvolvimento da análise de que não é o indivíduo isolado que é ativo no processo historico, afastou das preocupações de Marx a discussão sobre se o ser humano é por natureza egoísta ou altruísta. Para Marx, a natureza humana é, acima de tudo, social.

30 . Na expressão alemã bürgerliche Gesellschaft, o termo bürger tanto pode significar civil quanto burguês.

Em MARX existem duas tendências quando se considera a relação entre o Estado e as classes sociais. Uma, concebe um certo grau de autonomia do Estado. Outra, o considera um mero agente das classes dominantes.31 Entretanto, no conjunto de sua obra, mesmo olhando por um ou outro viés, MARX enfatiza os limites que a proteção da propriedade privada impõe ao Estado e as opções políticas nas sociedades capitalistas.

A liberdade é um valor fundamental, tanto para os liberais quanto para MARX que, entretanto, só a visualizava após a completa democratização política e econômica, tanto da sociedade quanto do Estado.32 Considerando a participação e a igualdade política importantes, porém, insuficientes para acabar com as desigualdades de classe, MARX viu na Comuna de Paris um anunciador na luta para “abolir o Estado” e pôr um “fim à política”. Vislumbrou ali uma luta pela "reabsorção do Estado pela sociedade”. (MARX, apud HELD, 1987 : 112). Na Comuna, a estrutura do Estado seria substituída pela estrutura piramidal da democracia direta. Segundo MARX, no Estado Burguês, a representação e o princípio da separação dos poderes tornava os representantes não responsáveis perante os representados e deixava partes fundamentais do Estado fora do controle direto dos trabalhadores.33

A obra de MARX, tal qual a de ROUSSEAU, foi bastante influenciada pelo modelo clássico de democracia instituído na Grécia. Ambos imaginaram a

participação plena de todos os trabalhadores “livres e iguais” em instituições de

democracia direta. Entretanto, ambos parecem não ter levado em conta as diferenças do mundo antigo com o atual. Mesmo ressalvando que, quando MARX escreveu que o fim da política ocorreria porque no comunismo todos concordariam em assuntos de políticas públicas, o fazia normativamente, é difícil conceber que com a total democratização da sociedade e do Estado, isto é, com o fim das classes sociais, não haveriam mais diferenças de interesses e mesmo de opiniões. Ao politizar a economia, MARX estabelece uma relação mecânica entre a organização

31 . A posição que enfatiza que, a curto prazo, “o Estado pode constituir uma fonte de poder que não necessita estar diretamente ligado aos interesses, ou estar sob controle exclusivo, da classe dominante” é mais claramente explicitada no O Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte. A que realça que o Estado e sua burocracia são simples instrumentos da classe dominante emerge com intensidade no M anifesto Comunista. (HELD, 1987).

32 . Estado e sociedade entendidos enquanto esferas de realização da acumulação do capital, ou seja, o fim da política (ou o fim da era do Estado) significa o fim da política como uma esfera institucionalmente distinta na sociedade.

da economia e as instituições políticas. Com isso, marginalizou ou excluiu certos tipos de questões da esfera pública e da própria política, como todas aquelas questões que não podem ser reduzidas a classes sociais.

As teorias democráticas contemporâneas

Os filósofos do fim da Idade Média até o século XVIII estavam mais preocupados em como romper com o passado e quais valores conservar. A partir do lluminismo, os teóricos, tanto liberais quanto radicais, principalmente do século XVIII, tinham em comum a crença que o progresso da ciência e o domínio da natureza, necessariamente, levariam a humanidade à uma era de prosperidade permanente. As divergências se situavam mais na escolha do caminho a seguir. Já os pensadores contemporâneos, do final do século XIX e início do século XX, têm uma visão bastante pessimista quanto às possibilidades de emancipação da humanidade pela razão, questionando se o progresso, efetivamente, carregaria os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.

O marxismo contemporâneo

Como desdobramento das polêmicas no interior da tradição marxista, pode-se considerar a existência de três principais correntes no marxismo contemporâneo. A dos marxistas libertários, a corrente de pensamento dos ortodoxos e a dos marxistas pluralistas. Para os marxistas libertários, MARX tentava - inspirado na experiência da Comuna de Paris - unir os ideais de liberdade e igualdade em uma luta organizada democraticamente, sem qualquer estrutura hierárquica, autoridade centralizada ou planejamento. Assim, para esta corrente, só um intenso movimento de massas, organizado autonomamente e independentemente de partidos, em luta contra o capital e o Estado pode destruir o poder estabelecido.

Os marxistas ortodoxos, assim como os libertários, enfatizam que, o Estado liberal é o instrumento repressor da classe dominante, que as eleições periódicas não conseguirão alterar a correlação de forças estabelecida entre as classes e que, portanto, a estrutura opressora do Estado tem que ser destruída. Entretanto,