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84. As categorias utilizadas por MENDONÇA foram tomados do modelo desenvolvido por Souto-Maior (1989) para avaliação da participação democrática As quatros categorias são: a) Oportunidade,

5.1. Cenários e atores do OP de Florianópolis

5.1.2. Os Movimentos Sociais

A partir de meados dos anos 70, o governo militar cria o Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos, como parte da estratégia do II Plano Nacional de Desenvolvimento. Do ponto de vista do governo, o programa estava ligado à estratégia de “atenuação dos conflitos resultantes das gritantes diferenças sociais existentes no país”. (CARIO, apud LUCKMANN, 1991 : 10).

Em Santa Catarina, o então governador indicado, Antônio Carlos Konder Reis (ARENA, 1975-78), em consonância com o governo central cria, em 1977, a Supervisão de Ação Comunitária - SAC, “ligada diretamente ao Gabinete do Governador e responsável pela implantação dos Conselhos Comunitários.” (LUCKMANN, 1991 : 10). A partir daí, a política comunitária oficial catarinense é ditada pelos Conselhos que tinham, além de um estatuto padrão, a diretoria nomeada pelo governo do Estado. “Os Conselhos serão os vínculos de comunicação entre as comunidades e o governo, funcionando nos dois sentidos, isto é, levando ao governo os problemas de atuação e competência e transmitindo às comunidades o pensamento governamental”. (RIBAS, apud AUREAS, 1991 : 28).

Esta política que atribuía aos Centros Comunitários a responsabilidade de gerenciar, sob as orientações do governo, os respectivos Centros Sociais continuou

no - também indicado - governo de Jorge Bornhausen (PDS, 1978-82), que transformou a Supervisão de Ação Comunitária em fundação, a Fundação Catarinense de Desenvolvimento de Comunidade - FUCADESC, vinculada à Secretaria de Bem Estar Social. No governo seguinte, Esperidião Amim (PDS, 1982- 86) aprofundou, até 1984, ainda mais a política de desenvolvimento dos conselhos comunitários ou, dos novos “cabos eleitorais”. (ARRUDA GOMES apud LUCKMANN, 1991 : 11). Entretanto, a partir da metade de seu mandato, o governo Amim inicia uma política de redução de recursos aos conselhos.

Até então, tanto a macro política, seja estadual ou florianopolitana, quanto a específica dos conselhos comunitários, era totalmente controlada pelo PDS, partido oriundo da ARENA. Entretanto, principalmente a partir de 1982 - com a eleição de governadores - e mais acentuadamente a partir de 1985 - com a eleição de prefeitos das capitais -, o partido governista passa a sofrer uma oposição sistemática do PMDB também no que se refere às atividades dos conselhos.

Com a “Nova República”, o Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos é extinto. Em Santa Catarina, o governo dos peemedebistas Pedro Ivo Campos e Casildo Maldener (PMDB, 1986-90) extingue a FUCADESC e incorpora suas atribuições na Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Comunitário.

Lígia LUCKMANN, em sua Dissertação de Mestrado intitulada “Cotidiano e Democracia na organização da UFECO”,104 faz uma análise histórica das organizações de moradores de Florianópolis. Observa que, a partir de 1985, podia- se visualizar três grandes correntes dentro do movimento comunitário de Florianópolis, quais sejam: a) “os ‘Independentes’, ou as entidades de bairro que não apresentam vínculos com o governo do Estado e buscam uma vinculação pluralista com o sistema partidário”; b) os “setores da ‘Periferia’ ou mais vinculados às CEBs e posteriormente a setores do PT e; [c] os ‘Conservadores’, entidades dependentes do governo do Estado via Conselhos comunitários e relacionados preferencialmente com o PDS e o PFL”. Todavia, alerta LUCKMANN, deve-se relativizar estas divisões, “haja visto o emaranhado de relações e interesses nas diferentes entidades, seja associação ou conselho”. (1991 : 12-13).

Em sua pesquisa, LUCKMANN aponta as principais causas da “grande

expansão de associações de moradores de Florianópolis a partir de 85”,105 destacando-se: a) o enfraquecimento dos conselhos comunitários decorrente dos conflitos intragovernamentais entre PDS e PFL no governo Amim; b) a escassez de verbas federais para manutenção dos conselhos; c) a ascensão do PMDB ao governo estadual com grande intervenção na articulação de associações de moradores; d) a abertura, pela prefeitura, de canais entre o prefeito e as entidades; e) o programa de leite para crianças carentes, criado pelo governo Sarney e lançado através da distribuição de “tickets de leite” para as entidades legalmente constituídas; f) a articulação pró-federação de entidades municipais (movimento pró- UFECO); g) a crescente influência das CEBs junto às comunidades da “Periferia” e; h) o agravamento dos problemas sócio-ambientais no município. (1991 : 14-15). É importante ressaltar que, das oito causas apontadas como responsáveis pela expansão do movimento comunitário em Florianópolis, as seis primeiras estão direta e intimamente ligadas e, pode-se dizer, são dependentes das estratégias e políticas dos partidos e/ou pessoas que ocupam cargos no aparelho do Estado.

Para ela, a candidatura e eleição do Prefeito Edson Andrino (PMDB 1985-88) contou tanto com o apoio das entidades de bairros autodenominadas “Independentes”, ou dissidentes dos conselhos comunitários, quanto com as “mais vinculadas à Igreja Católica”. (LUCKMANN, 1991 : 12). Entretanto, principalmente no decorrer do governo de Edson Andrino, há uma, cada vez maior, vinculação das entidades autodenominadas “Independentes” com o PMDB, ou mais especificamente, com o prefeito Edson Andrino. De todo modo, a aliança entre “Independentes” e grupos ligados às CEBs e ao PT só foi mantida até o final de 1987.

É neste contexto que, em oposição ao Comandos Sociais do PDS,106 “setores conservadores do PMDB criam” a Federação de Associações de Moradores do Estado de Santa Catarina - FAMESC, e, é também, dentro desta cultura política - que torna a sociedade civil dependente do Estado - que a FAMESC, com o apoio

105. LUCKMANN, apoiando-se em dados da UFECO, estima que até 1985 “existiam cerca de 30 Associações de Moradores e 31 Conselhos Comunitários no município de Florianópolis, tendo sido fundadas mais 49 entidades de moradores a partir desta data.” (1991 : 14).

106. Criado em 19/04/1980, pelo governo do Estado, o programa “Comandos Sociais” objetivava mobilizar estudantes universitários para atuarem, de forma assistencialista, junto a população de baixa renda. Para um melhor aprofundamento sobre o tema, ver: O processo de formalização jurídico- institucional dos Conselhos Comunitários de Florianópolis (1977-1983): um caso de oposição sistemática. MACHADO, Simone Matos, Dissertação de Mestrado de Sociologia Política, UFSC,

“das federações municipais vinculadas ao PMDB” (Lages, Criciúma), interfere na formação da Federação de Associações de Florianópolis e passa a “atropelar” o processo, “sem uma representatividade nas bases, e com autonomia questionada devido a sua vinculação com o PMDB”. (LUCKMANN, 1991 : 16).

Desse modo, já em seu nascedouro, a UFECO, além de legitimar “um governo [de Edson Andrino] populista”, se desgasta “num processo de elaboração do orçamento que, apesar da participação de setores das organizações de bairro, acaba reproduzindo um mecanismo tradicional e anti-democrático”. (LUCKMANN, 1991 : 53). Assim, mesmo considerando que a constituição de uma federação municipal de entidades “significa um avanço na história dos movimentos de bairro da cidade”, LUCKMANN reconhece que este avanço caracteriza-se “pela ambigüidade [...], onde a ruptura com determinada cotidianidade dá-se concomitante à reprodução de relações de poder estabelecidas”. (1991 : 3). Desse modo, enquanto “canal alternativo’ de legitimação na esfera pública”, a UFECO é um exemplo “das ambigüidades de um processo de democratização não apenas na esfera da política institucional, mas da cotidianidade de maneira geral”. (1991 : vii).

Para o ex-presidente da UFECO, a população de Florianópolis “é conservadora e bairrista e a UFECO era nada mais do que a representação das associações”. Segundo ele, “se, em um bairro, escolhe-se uma pessoa [para representar], essa pessoa vai ter o perfil da maioria da população do bairro. Da soma de todos esses representantes a UFECO vai ter uma postura refletindo esse conservadorismo”.107

Em pesquisa sobre organizações voluntárias de Florianópolis,108 SCHERER- WARREN aponta que entre as associações de bairro, “destaca-se ainda a indicação do assistencialismo, [...], de ações associativas fortemente vinculadas ao Estado”. (1996 : 27). Estas mesmas associações, “por dependerem para sua atuação da parceria com o poder público municipal”, colocam o relacionamento com o poder público/órgãos públicos como a maior dificuldade para a realização de seus projetos. Segundo a pesquisa, 44,9% de suas dificuldades provém desse relacionamento,

107. Cfe. entrevista em 26/11/98 com o ex-presidente da UFECO.

108

. A pesquisa foi realizada junto a 96 entidades de Florianópolis, divididas em tres categorias: 52 associações de bairro; 32 organizações não-governamentais e 12 grupos de mútua-ajuda.

seguido da deficiente organização e mobilização das comunidades (29%). (1996 : 35). Outro dado interessante que a pesquisa revela, e que mostra a vinculação e dependência da maioria das associações de bairros em relação ao Estado, é que “a contribuição mais expressiva de recursos para manutenção de suas sedes e desenvolvimento de suas atividades são obtidos através da Prefeitura”, chegando a atingir 24,8% do total dos recursos das associações de bairros. (1996 : 47).

A ruptura da aliança entre “Independentes” e grupos ligados às CEBs e ao PT, ocorrida em 87, evoluiu e tomou novos contornos. Assim é que, a partir do segundo semestre de 1994, um grupo de lideranças comunitárias, intitulado Movimento União Comunitária de Florianópolis - MUCOF, iniciou uma mobilização objetivando construir uma chapa alternativa para disputar as eleições da UFECO. Após realizarem uma avaliação crítica da atuação da UFECO, distribuíram uma “Carta Aberta às Entidades Comunitárias”. O manifesto circulou e recebeu a assinatura de aproximadamente sessenta lideranças comunitárias. No dia 02 de março de 1995, o grupo realizou uma convenção aberta e aprovou o programa e a nominata dos membros da chapa denominada UNIÃO COMUNITÁRIA. As eleições realizaram-se no dia 10 de março de 1995 mas a chapa situacionista da UFECO conseguiu vencer as eleições. O processo eleitoral foi bastante tumultuado, com acusações públicas de ambos os lados. Ações judiciais, objetivando alterar o processo e o resultado eleitoral, foram recorrentes. As acusações atingiram inclusive a gestão da Administração Popular, com a chapa da situação (UFECO) cobrando um posicionamento do Prefeito, tendo em vista que a chapa de oposição tinha o aval de membros da Administração.

Diante da trajetória dos movimentos sociais de Florianópolis, LUCKMANN, não hesita em anotar nas conclusões de sua Dissertação que uma “super- valorização da sociedade civil enquanto instância da liberdade, autonomia, democracia; em contraposição à instância do Estado - enquanto mantenedora do

‘status quo”, não permite que se perceba “as contradições internas, os conflitos e

complexa rede de relações sociais, que ficam escamoteadas por uma falsa pretensão de homogeneidade coletiva”. (1991 : 22-23).109