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MUDANÇA DE PARADIGMA NA EDUCAÇÃO MÉDICA

CAPÍTULO III – A EDUCAÇÃO MÉDICA NO BRASIL

3.2 MUDANÇA DE PARADIGMA NA EDUCAÇÃO MÉDICA

A educação é tida como esteio da emancipação da autonomia, da esperança e do desenvolvimento da humanidade. Não seria então, exatamente dela, da educação, a tarefa da humanização? Há que ser humano no cotidiano da educação, da saúde, da vida. (KOMATSU, 2003, p. 24).

A Educação Médica brasileira vem passando por grandes mudanças, acompanhando a evolução da educação médica mundial, que desde a década de 60 iniciou um processo de mudança paradigmática.

Esse processo longo, conflituoso, e muito rico, é descrito com profundidade por Almeida (1999), que apresenta a influência da dimensão internacional nas mudanças educacionais na área da saúde na América Latina, e desta, nas políticas para a formação de recursos humanos no Brasil, sempre contextualizadas em cada

momento histórico, considerando as tendências econômicas e a organização política e social.

Feuerwerker (2002) apresenta e analisa temas centrais relacionados à lógica da organização do setor saúde, ao trabalho médico, ao saber médico e à escola médica, buscando identificar sua repercussão no processo de produção de médicos, de forma a contribuir com a compreensão da construção de mudanças nas escolas médicas.

Lampert (2002), também analisa as mudanças na educação médica nas últimas décadas, na perspectiva da construção do novo modelo, em busca da superação do modelo flexneriano, que desde a metade do século XX, serviu de referência para a formação do médico no Brasil.

Esse estudo não tem a pretensão de resgatar o processo da evolução da educação médica brasileira, entretanto necessita da compreensão sobre a mudança de paradigma que está em curso na formação médica, passando do modelo flexneriano para o modelo da integralidade, de forma a contextualizar a reorientação da formação profissional em saúde.

Para tanto, apresenta-se segundo Lampert (2002), as características básicas de cada um deles.

Paradigma flexneriano: O chamado paradigma flexneriano serve de

referência ao modelo dominante, totalmente hospitalocêntrico, que se baseia na forma tradicional de ensinar medicina e que se caracteriza: (a) pela predominância de aulas teóricas, enfocando a doença e o conhecimento fragmentado de disciplina; (b) pelo ensino centrado no professor e em aulas expositivas; (c) pela prática predominante no hospital; (d) pela capacitação docente voltada unicamente para a competência técnica-científica, (e) pelo mercado de trabalho referido pelo consultório tradicional; e (f) pela ênfase na especialização precoce, dificultando a formação geral dos médicos.

Paradigma da integralidade: O novo modelo, denominado de paradigma da integralidade aponta para: (a) ênfase na saúde e não na doença (a promoção, a preservação e a recuperação da saúde); (b) processo de ensino-aprendizagem centrado no aluno que deve ter um papel ativo na própria formação; (c) ensino da prática no sistema de saúde em graus crescentes de complexidade e voltado para as necessidades básicas de saúde; (d) capacitação docente que considera além da competência técnica-científica, a competência didático-pedagógica e a participação e o comprometimento no sistema público de saúde; (e) mercado de trabalho orientado para a reflexão e discussão crítica dos aspectos econômicos e humanísticos da prestação de serviços de saúde e de suas implicação éticas; e (f) ênfase na formação contextualizada, levando em conta as dimensões sociais, econômicas e culturais da vida da população.

O modelo tradicional forma profissionais que dominam diversos tipos de tecnologia, mas cada vez mais incapazes de lidar com a subjetividade das pessoas e com questões complexas como a educação em saúde, o auto cuidado, o enfrentamento da dor, da perda, da morte, o direito das pessoas à saúde ou a necessidade de ampliar a autonomia do paciente, entre outras. Essa formação tradicional conduz ao estudo fragmentado dos problemas de saúde, levando à formação de especialistas que não conseguem lidar com a totalidade ou com o complexo, já que é baseado na organização disciplinar e nas especialidades. (FEUERWERKER, 2002).

O médico formado por esse sistema não atende mais às necessidades dos serviços de saúde que exige um profissional de saúde que considere as dimensões sociais, econômicas e culturais da população, que respeite os princípios do SUS, que enfrente os problemas do processo saúde-doença de forma contextualizada, e atue de forma interdisciplinar e multiprofissional.

O paradigma da integralidade pressupõe a construção de um novo modelo pedagógico, visando o equilíbrio entre excelência técnica e relevância social,

que somente se concretiza a partir da integração das ações das universidades, dos serviços de saúde e da comunidade.

A concepção pedagógica que sustenta o paradigma da integralidade está fundamentada na aprendizagem significativa que requer a articulação dos papéis da academia e dos serviços de saúde, sugerindo cooperação na seleção dos conteúdos, na produção do conhecimento e no desenvolvimento da competência profissional. Para que a aprendizagem seja significativa, há que se trabalhar com uma pedagogia diferenciada – que considere cada sujeito com seus potenciais e dificuldades, que esteja voltada para a construção de significados, abrindo assim, caminhos para a transformação e não para a reprodução acrítica da realidade social. (FEUERWERKER e LIMA, 2002).

Segundo Ferreira (1994) apud LAMPERT (2002, p. 72), a mudança de paradigma deve incluir: (a) a redefinição dos conceitos de saúde e doença em um âmbito transdisciplinar e de articulação do conhecimento biológico e social; (b) o redirecionamento do avanço tecnológico em função da necessidade política de se ajustar aos problemas nacionais, a partir de um esforço investigativo centrado na realidade; (c) o redirecionamento dos espaços da prática tomando em conta seus níveis de complexidade e o próprio desenvolvimento de uma nova prática; e (d) o reconhecimento dessa prática e sua integração aos avanços da cidadania e dos processos de participação da sociedade civil dentro do novo contexto de democracia que vive a América Latina.

Para ele, o novo paradigma carece de uma abordagem epistemológica que favoreça sua compreensão e respalde sua aplicação na realidade. Será preciso que a escola médica não fique à margem do processo de transição, e que lute para assumir a liderança da transformação que se faz urgente, a partir de um processo participativo que leve em conta a análise prospectiva desse entorno no redimensionamento da missão de formar médicos. (FERREIRA, 1994 apud LAMPERT, 2002).

Como se pode perceber, a mudança do paradigma flexneriano para o paradigma da integralidade é uma mudança radical. Para superar o modelo biomédico e hospitalocêntrico, centrado na doença e na assistência médica curativa é preciso muito mais do que mudanças curriculares. É preciso uma transformação profunda na prática e na formação profissional; e na organização e no financiamento dos sistemas e dos serviços de saúde.