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5 SAÚDE DA FAMÍLIA E A OBJETIVAÇÃO DA REALIDADE

5.1 As motivações para implantação da Saúde da Família

5.1.2 Mudança do modelo assistencial

Nos discursos dos Gestores Estaduais - Secretários de Estados da Saúde e Coordenadores Estaduais da Atenção Básica – PSF, quando indagados por que o Estado optou pela estratégia do Saúde da Família, eles apresentaram uma série de idéias centrais que foram ilustradas na Figura 7 abaixo e nos discursos que seguem:

[...] Adotamos o PSF como uma política estadual, setorial e estruturante da

Atenção Básica surgida de uma Política Nacional. Tornou-se necessário adotar o PSF como forma de reorganizar a atenção básica no Estado pela dificuldade de acesso a fim de reorientar o modelo de atenção à saúde, ampliando acesso e qualidade dos serviços e melhorar a atenção básica. Contemplar o conceito de saúde de forma mais abrangente, não só como assistir doença/doente. Reverter o quadro desfavorável dos indicadores da atenção básica. [...] Mudar o modelo de atenção à saúde, ampliar

cobertura, acessibilidade aos serviços de saúde. Foi uma proposta com impacto positivo nos indicadores de saúde do Estado, com objetivos de re- organizar as ações de saúde, aprimorar a atenção primária em saúde, reorientar o modelo de atenção à saúde como uma estratégia de mudança.

(Secretários de Estado da Saúde).

FIGURA 7

Alguns autores apontam o limite do PSF nas responsabilidades mencionadas pelos Gestores Estaduais, principalmente no que se refere à reorientação do modelo de atenção à saúde, esta como uma estratégia de mudança. Na opinião de Franco e Merhy (2004) o PSF é hoje uma das principais respostas do Ministério da Saúde à crise vivida no setor, mas não tem mecanismos efetivos para reverter a configuração do modelo médico hegemônico.

Ainda que não seja no mesmo sentido dos autores citados acima, mas na direção de apontar os limites e possibilidades do PSF, enquanto proposta de mudança do modelo assistencial, Aguiar (1998) nos alerta quando diz que a revisão do modelo estaria vinculada à forma de sua inserção nos sistemas locais de saúde. Este pode servir tanto às tendências simplificadoras como também às motivações de mudança para gerar resultados. Como estratégia de mudança, corre os riscos das racionalizações muito próximas da atenção primária seletiva, renovada nos termos do Banco Mundial.

Programa Saúde da Família: Estratégia de Superação das Desigualdades na Saúde? Análise do Acesso aos Serviços Básicos de Saúde

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Motivações para implantação do PSF - DSC Estadual

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Campos, Cherchiglia e Aguiar (2002, p.71) afirmam que a proposta do PSF, ainda que baseada nas idéias de atenção primária, prevenção de doenças e promoção da saúde aceitas internacionalmente, é original e inédita em sua concepção. Não há registro de modelos como o brasileiro em outros países do mundo. Ao contrário da Medicina Familiar (modelo vigente em vários países da Europa, no Canadá e na Oceania), o Programa Saúde da Família pressupõe o trabalho multiprofissional e em equipe como ferramenta para a integralidade do cuidado à saúde na atenção primária.

Na análise da questão de ser o PSF uma estratégia de mudança do modelo assistencial, os últimos autores citados se aproximam mais dos discursos dos Gestores Estaduais de Saúde (Secretários de Estado da Saúde e Coordenadores Estaduais da Atenção Básica/PSF), verificando que o PSF enquanto estratégia para a construção de um novo modelo de atenção à saúde precisa ser diferenciada dos programas60 tradicionais do Ministério da Saúde. Estes

quase sempre se constituíram em ações paralelas, muitas vezes competindo com a lógica mais geral do setor saúde.

Os discursos dos autores e sujeitos pesquisados se aproximam ainda do que expressa o Ministério da Saúde nos documentos oficiais, quando afirma ser esta estratégia calcada nos princípios de territorialização, vinculação, integralidade na atenção, trabalho em equipe com enfoque inter/multidisciplinar, ênfase na promoção da saúde com fortalecimento das ações intersetoriais e de estímulo à participação da comunidade. Logo, um modelo que se direciona para a melhoria das condições de saúde, promovendo a integralidade, universalidade e eqüidade. Elege como objeto de atuação a família a partir do espaço em que vive, chamado de espaço-domicílio, que contempla fatos relativos ao processo saúde-doença como a renda, o saneamento, nutrição, habitação, hábitos e costumes, cultura, os conflitos e outros. (BRASIL, 1996).

Para tanto foram definidos, com a finalidade de orientar sua base operativa, os seguintes objetivos específicos:

a) Possibilitar o acesso universal e em consonância com o princípio da eqüidade; b) Efetivar a integralidade em seus vários aspectos61;

60 Denomina-se Programa um conjunto de recursos (humanos, materiais e financeiros) e de atividades visando a

objetivos bem definidos. No caso dos programas especiais de saúde pública (Teixeira e Paim, 1990), geralmente dispõem de uma administração única e vertical, de modo que atravessam estabelecimentos e serviços de saúde de forma individualizada e fragmentada. Tem caráter mais permanente do que as campanhas e, quando geridos verticalmente, propiciam conflitos na ponta do sistema (centros de saúde, hospitais e laboratórios) pelas dificuldades de integração com outras atividades dos serviços de saúde.

61 Integração de ações programáticas e demanda espontânea; articulação das ações de promoção à saúde,

prevenção de agravos, vigilância à saúde, tratamento e reabilitação, trabalho de forma interdisciplinar e em equipe e coordenação do cuidado na rede de serviços (Portaria nº 648, de 28 de março de 2006).

c) Desenvolver relações de vínculo e responsabilização entre as equipes e a população adscrita;

d) Valorizar os profissionais de saúde por meio do estímulo e do acompanhamento constante de sua formação e capacitação;

e) Realizar avaliação e acompanhamento sistemático dos resultados alcançados;

f) Estimular a participação popular e o controle social. (BRASIL, Portaria n° 648, de 28 de março de 2006).

Para Teixeira (2003), com a reafirmação desses objetivos, o PSF deixa de ser um programa que operacionalizava uma política de focalização da atenção básica em populações excluídas do consumo de serviços, para ser considerado uma estratégia de mudança do modelo de atenção à saúde no SUS, na verdade, o instrumento de uma política de universalização da cobertura da atenção básica, e, portanto, um espaço de reorganização do processo de trabalho em saúde nesse nível.

Com essa condição o PSF entra no cenário nacional, após seis anos de constituição do SUS, e nesse contexto emergem as discussões em torno do modelo de atenção à saúde, ocupando um espaço de maior destaque, até então concedido para as questões relativas ao financiamento, à descentralização e à participação social.

Assim, o Ministério da Saúde reafirma positivamente os valores que fundamentam os objetivos estratégicos do PSF, entendendo-o como uma proposta substitutiva com dimensões técnica, política e administrativas inovadoras. Concordar com essas premissas não significa deter e ou invalidar as críticas, inquietações e manifestações do “jogo” político, ideológicos e éticos dos sujeitos envolvidos na construção histórica do PSF. Ao contrário, atitudes dessa natureza ajudam a estruturar a realidade social dessa estratégia.

Outros autores emitem esse juízo de valor, como o de Vasconcelos:

O futuro de um programa, assim tão recente, será definido no jogo político entre os atores envolvidos na sua operacionalização. Mas, sem dúvidas, ele representa uma primeira tentativa significativa de reformulação, em escala nacional do modelo de atenção primária à saúde. (1999, p.19).

Isso não significa que se esteja apontando para a exclusão das outras modalidades de organização dos sistemas municipais de saúde. Não se trata de reversão do modelo no sentido fundamentalista, de uma mera substituição, e sim de construir condições estruturantes para a mudança do modelo assistencial, em que esse poderá vir a ser hegemônico na forma de pensar e fazer saúde, tendo nos serviços e nas ações básicas de saúde seus eixos organizativos.