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N oção e O bjectivos A análise retrospectiva consiste num:

“Processo deliberativo que começa pela identificação dos óbitos, o homicídio e/ou homicídio/suicídio, ocorridos no contexto doméstico, e prossegue com o exame

rigoroso e objectivo das diversas

intervenções que ocorreram naquele óbito bem como em incidentes prévios de violência doméstica que tivessem ocorrido na família da pessoa falecida antes da sua morte, para colocar em perspectiva as respostas do sistema de protecção e apoio às vítimas que devam ser alteradas de forma a evitar futuras mortes de violência doméstica, desenvolvendo recomendações destinadas a todas as entidades envolvidas no sistema de justiça e na rede nacional de apoio às vítimas de violência doméstica” (Hart, 1995:4).

A análise dos casos de letalidade ou de agressões agravadas em função do resultado (quase morte) relacionados com violência doméstica/violência nas relações de intimidade permite:

Identificar e corrigir problemas de organização, gestão e articulação entre os vários sistemas que intervêm nos casos de violência doméstica/violência nas relações de intimidade;

Prevenir mortes futuras;

Aprofundar os laços de cooperação e articulação entre organismos públicos e privados intervenientes, de forma a melhorar a resposta final do sistema de protecção e apoio às vítimas de violência doméstica/violência nas relações de intimidade.

>>

A intenção não é culpabilizar indivíduos ou organizações, mas sim melhorar o sistema de protecção. <<

Um das primeiras experiências de análise de casos de homicídio em violência doméstica efectuada por uma equipa devidamente estabelecida ocorreu em 1993, na Califórnia (Los Angeles County in Websdale et al., s/d). Esta equipa foi liderada por Alana Bowman, e tinha quatro objectivos principais:

1)

Determinar com precisão o número de homicídios e suicídios relacionados com violência doméstica/violência nas relações de intimidade;

2)

Identificar recursos e serviços de aconselhamento para situações de homicídio ou suicídio;

3)

Analisar os padrões comuns existentes em agressores e vítimas/sobreviventes para eventual identificação de indicadores de avaliação de letalidade;

4)

Desenvolver uma análise sistemática de casos seleccionados e implementar uma melhoria da resposta multi-organizacional à problemática.

Um dos casos mais profundamente analisados por uma equipa de revisão de caso foi “a Investigação Charan”. Esta avaliação de um homicídio foi realizada pela Commission on the Status of Women, City and County of San Francisco (1991) e é um dos mais pormenorizados.

A investigação Charan ocorreu antes da criação da legislação na Califórnia que consagrou legalmente as revisões de caso por equipas especializadas.

A investigação deste caso permitiu identificar quatro inconformidades fundamentais na prestação de serviços a vítimas/sobreviventes de violência doméstica:

1. Ao nível da comunicação e

coordenação

Com excepção da comunicação entre o Departamento da Polícia de São Francisco e o Ministério Público, existiu um fraco nível de comunicação entre as várias instituições que tiveram contacto com a Veena Charan, as quais incluíram os tribunais criminais e de família, os serviços de reinserção social e os serviços de assistência social.

>>

A comissão de análise do caso recomendou que existisse uma centralização de informações e uma

melhor coordenação nos serviços prestados. <<

2. Ao nível da recolha de dados

A Comissão de investigação reconheceu a necessidade de existir uma informação sistematizada sobre todos os processos de violência doméstica/violência nas relações de intimidade. A Comissão considerou que o acesso aos dados tem uma importância fulcral na determinação do grau de necessidade de intervenção e do fornecimento subsequente de serviços.

Caso Charan

Joseph Charan assassinou a sua esposa, Veena Charan, em 15 de Janeiro de 1990, suicidando-se posteriormente. Veena Charan havia procurado o apoio de vários organismos governamentais num período de 15 meses anteriores à sua morte. Veena tinha-se separado de Joseph e tinha a custódia do seu filho de nove anos de idade. Durante os 15 meses que precederam sua morte, Veena fez inúmeras denúncias à polícia. Pouco antes da sua morte, Joseph foi detido por agredir gravemente Veena. Como resultado da sua condenação por este crime Joseph foi condenado a uma pena suspensa de 12 meses. Joseph foi colocado em liberdade condicional sujeito a três condições:

1. Aconselhamento psicológico/tratamento para agressores de violência

doméstica/violência nas relações de intimidade; 2. Ordem de afastamento da vítima;

3. Cumprimento de 4 dias de prisão efectiva e cumprimento de 26 dias num programa alternativo de trabalho.

Veena Charan obteve uma ordem de afastamento através dos tribunais civis. Joseph Charan violou a ordem de afastamento em várias ocasiões e tentou também sequestrar o filho na escola.

Joseph Charan matou Venna Charan na escola do filho, em frente a professoras/es e alunas/os, tendo-se de seguida suicidado.

multiculturais e LGBT aumenta o número de pessoas que mantém a relação de violência doméstica/violência nas relações de intimidade.

4. Ao nível da formação dos/as

profissionais

A maior parte das recomendações relativamente à formação estava relacionada com questões referentes à consciência multicultural.

Esta investigação permitiu, ainda, ter acesso a outras informações relevantes:

Com base nos relatórios policiais dos incidentes precedentes ao homicídio envolvendo Joseph Charan, e nas descrições das lesões de Veena Charan e dos/as demais familiares, as ocorrências policiais não foram consideradas graves: "os investigadores observaram o padrão de violência estabelecido pelo Sr. Charan não o considerando suficientemente grave” (Commission on the Status of Women City and County of San Francisco, 1991:7);

O relatório concluía ainda que a informação apresentada ao Gabinete do/a Procurador/a não propunha medidas concretas e respostas institucionais consideradas eficazes que pudessem ter impedido que Joseph Charan prosseguisse a escalada da violência que conduziu ao homicídio seguido de suicídio;

De acordo com o protocolo de actuação do Procurador Distrital, a história prévia de agressões era um dos factores a ter em conta, no entanto o Procurador Distrital não teve acesso à mesma informação que a Comissão de revisão do caso obteve na análise do homicídio, permitindo verificar que se tivesse obtido essa informação os procedimentos legais poderiam ter sido diferentes;

Os/As funcionários/as judiciais não tinham formação especializada sobre as

dinâmicas da violência doméstica/violência nas relações de intimidade.

A Comissão identificou a necessidade de uma melhor formação sobre violência doméstica direccionada aos/às profissionais, abrangendo a necessidade de formação de juízes/as na interpretação/aplicação das medidas cautelares.

A análise dos processos de homicídio ou de tentativa de homicídio deve, portanto, ser realizada “em busca” de comportamentos associados aos homicídios que permitam uma melhor compreensão dos factos por detrás das tragédias de cada um dos casos e prevenir novas situações.

>> O objectivo deve ser a recolha do

máximo de informação que possa contribuir para o esclarecimento de alguns

factores comuns aos casos disponíveis, nomeadamente padrões de comportamento

por parte dos homicidas. <<

Ao contrário do homicídio cometido por desconhecidos, o homicídio em casos de violência nas relações de intimidade

não é,

tipicamente, um crime súbito e

inesperado:

Os femicídios em situações de violência doméstica/violência nas relações de intimidade são muitas vezes o clímax de uma violência que aumentou num relacionamento onde já existia uma história de violência e um padrão de abuso;

Os episódios de violência doméstica são frequentemente repetidos pelos agressores e a violência pode escalar ao longo do tempo;

Não constitui, muitas vezes, um primeiro ataque e é provável que tenha sido precedida por abuso psicológico e emocional.