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Na Constituição espanhola

II SEGUNDA PARTE: OS VALORES SUPREMOS E CONSTITUCIONALISMO OCIDENTAL

1. OS VALORES NO CONSTITUCIONALISMO OCIDENTAL

1.1 Os valores frente às normas e o direito comparado

1.1.9 Na Constituição espanhola

Seguindo a tradição da maior parte das Constituições democráticas do segundo período pós-guerra, a Constituição espanhola, de 29 de dezembro de 1978, sintetiza nos três incisos do artigo primeiro, os elementos de identificação da organização política de se delineia, através do Direito, a norma Máxima. No artigo 1.1, nos seguintes termos, pela primeira vez na história constitucional se tem a positivação dos valores:

Artículo 1.1. España se constituye en un Estado social y democrático de Derecho, que propugna como valores superiores de su ordenamiento jurídico la libertad, la justicia, la igualdad y el pluralismo político.

Sobre a linguagem utilizada no artigo 1.1, da Constituição Espanhola, PECES- BARBA, afirma que, sob o ponto de vista da norma, a positivação dos valores superiores permite afirmar que não existe um comando. A linguagem desse artigo pode ter, conforme o espanhol Peces-Barba, um uso normal descritivo, ou prescritivo: A novidade consiste na terminologia que o Constituinte espanhol utiliza para determinar quais são os valores que ordenam o sistema jurídico. Ainda que se reconheça que não é novo o uso de expressões normativas alusivas ao que a partir de 1978 foram definidas como “valores superiores”. Os autores reconhecem a existência de antecedentes, tanto no direito constitucional comparado quanto na própria história constitucional espanhola, da utilização dessas expressões axiológicas nas Constituições, que não costumavam, até então, a ser incorporadas nos artigos constitucionais, e, se o eram em algum momento, elas não eram catalogadas com como valores ou mesmo valores superiores, assinalados como objetivos que direcionam a interpretação e o desenvolvimento do ordenamento jurídico277.

A Constituição espanhola de 1978278 é singular ao ser comparada às que a precederam

inovando quanto à sua estrutura e objetivos de seu pórtico, ainda que a intenção do legislador

277

Nesse sentido, ver CUBAS, M.

278

A Constituição espanhola, em vigor, foi ratificada em referendo a 6 de dezembro de 1978, sendo posteriormente sancionada pelo Rei a 27 de dezembro e publicada no Boletim Oficial do Estado a 29 de dezembro do mesmo ano. A promulgação da Constituição implica a culminação oficial da chamada Transição Espanhola, que teve lugar como consequência da morte, a 20 de novembro de 1975, do ditador Francisco Franco, precipitando uma série de acontecimentos políticos e históricos que transformarão o anterior regime franquista num Estado Social e Democrático de Direito, sob a forma política da Monarquia

Parlamentar. (Fonte:

<http://pt.wikipedia.org/wiki/Constitui%C3%A7%C3%A3o_Espanhola_de_1978#cite_ref-3>, acesso em 08 de março, 2014)

constituinte em todos os casos seja similar, assinalar “los caracteres esencialmente

inseparables del tipo de régimen político instituido, considerados en su inescindible correlación.”279

Mas não é somente no preâmbulo que se encontram referência axiológica, conforme J. Javier Santamaría IBEAS, “En cuanto al Derecho comparado, la referencia

axiológica contenida en el apartado 1º del artículo 1, de la CE de 1978 es absolutamente original”,280 pois o artigo apresenta a definição de quais são os valores superiores que

informam o ordenamento jurídico.

Para o autor espanhol Gregório PECES-BARBA281 a referência axiológica do artigo

1.1 da Constituição espanhola se trata de uma positivação dos fundamentos éticos de um sistema político através do ordenamento jurídico. Nesse sentido, o Autor afirma que “[...] son

expresión de una racionalidad cristalizada históricamente, que el Estado social y democrático de Derecho asume como guia material del Derecho”. Ele entende que o fato do

referido artigo ter uma procedência moral não esgota o conteúdo normativo; se não que, essa moralidade mantém dimensões não positivadas, com uma dinâmica própria dos conceitos morais, realizam uma função crítica e de pressão sobre a parte em que esses valores, incluídos no artigo 1.1, são desenvolvidos por diversas vias nas outras normas do Ordenamento jurídico, para aprofundar e ampliar o seu sentido. Ele afirma que “Hasta la Constitución Española se consideraba imposible, o no se había intentado de manera solvente, la compatibilidad entre el punto de vista normativista sistemático y los criterios de moralidad o de justicia, en la tarea de acotar y independizar al fenómeno jurídico”. 282

Nessa Constituição além de carregar valores no seu preâmbulo 283 como: “la justicia, la libertad y la seguridad y

279

MONTARI, Comentario dela costituzione. Principi Fondamentali, Zanelli; Soc. Ed. Del Foro Italiano, Roma, 1975, p. 1, apud, PECES-BARBA. Op.cit.1986, p. 11. O termo Inescindible significa algo que não pode ser cortado ou dividido, e, no âmbito jurídico, parte da doutrina utiliza o termo para qualificar os direitos humanos, reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem. É uma expressão utilizada para dar ênfase à relação entre direitos individuais e sociais, e a ausência de contradição entre eles. In < www.derecho.com/definicion_de_inescindible >, acesso em 20 de março, 2014

280

(IBEAS, 1997, p. 98)

281

Gregório PECES-BARBA Martínez, falecido em 24 de julho de 2012, foi jurista, político e professor universitário, lecionava a disciplina de Filosofia do Direito, e foi um dos pais da atual Constituição espanhola (filiado ao Partido Socialista Obrero Espanhol). Como advogado atuou na defesa dos direitos humanos e da democracia como forma de governo para a Espanha. Dentre as várias funções desenvolvidas, foi membro da Real Academia de Ciências Morales y Políticas. In <es.wikipedia.org/wiki/Gregorio_Peces_barba>, acesso em 25 de fevereiro, 2014.

282

(MARTINEZ, 25 de maio de 1987, p. 380)

283

“DON JUAN CARLOS I, REY DE ESPAÑA,A TODOS LOS QUE LA PRESENTE VIEREN Y ENTENDIEREN, SABED: QUE LAS CORTES HAN APROBADO Y EL PUEBLO ESPAÑOL RATIFICADO LA SIGUIENTE CONSTITUCIÓN

promover el bien de cuantos la integran, en uso de su soberania, [...]” a convivência

democrática de direito, conforme a ordem econômica e social justa, o exercício dos direitos humanos, preservando a cultura, tradições, língua e instituições, promover o progresso cultural e econômico para assegurar digna qualidade de vida, uma sociedade democrática e avançada, fortalecendo as relações pacíficas e de cooperação entre os povos da terra. Trata-se de valores que moveram os Constituintes democraticamente reunidos no Congresso Geral e que fundamentam o Estado Social Democrático de Direito espanhol. Ao indicar esses valores superiores o legislador constituinte assinala a meta do Estado e do Direito que deseja. Ressaltando-se a importância do preâmbulo inclusive porque não é atingido por Reformas ou Emendas Constitucionais. A exemplo do fato de que o preâmbulo permanece intacto mesmo após a revisão da Constituição que ocorreu em setembro de 2011.

A singularidade da Constituição espanhola não é o seu preâmbulo, mas o “pórtico de entrada”, ou seja, os dois artigos do Título Preliminar, com esses são sintetizadas as características mais marcantes do Regime Democrático instaurado pela Constituição de 1978, trata-se da “clave de bóveda” do regime constitucional, neles estão as principais características do Direito Constitucional espanhol, e, por conseguinte, de todo o ordenamento jurídico. 284 Ali estão, desde o ponto de vista jurídico, os supraprincípios jurídicos, ou

princípios de princípios, formando a base última, nuclear e irredutível de todo o ordenamento jurídico.

Para PECES-BARBA o artigo inserido no Título Preliminar da Constituição espanhola é um o marco fundamentalmente inovador para o constitucionalismo ocidental, nele estão

La Nación española, deseando establecer la justicia, la libertad y la seguridad y promover el bien de cuantos la integran, en uso de su soberanía, proclama su voluntad de:

Garantizar la convivencia democrática dentro de la Constitución y de las leyes conforme a un orden económico y social justo.

Consolidar un Estado de Derecho que asegure el imperio de la ley como expresión de la voluntad popular. Proteger a todos los españoles y pueblos de España en el ejercicio de los derechos humanos, sus culturas y tradiciones, lenguas e instituciones.

Promover el progreso de la cultura y de la economía para asegurar a todos una digna calidad de vida. Establecer una sociedad democrática avanzada, y Colaborar en el fortalecimiento de unas relaciones pacíficas y de eficaz cooperación entre todos los pueblos de la Tierra.

En consecuencia, las Cortes aprueban y el pueblo español ratifica la siguiente […]”. [sic]. Disponível em: <http://www.congreso.es/consti/constitucion/indice/titulos/articulos.jsp?ini=1&tipo=1>. Acesso em: 20 de dezembro, 2013.

284

GARCIA-CAMPERO, Manuel Delgado-Iribarren. Sinopsis artículo 1. Letrado de las Cortes Generales, junio, 2005. Disponível em: <http://www.congreso.es/consti/constitucion/indice/titulos/ articulos.jsp?ini=1&tipo=2>. Acesso em: 20 de dezembro, 2013

definidos os valores que informam o ordenamento jurídico285, os fins do Estado286. E, quanto a

originalidade do texto constitucional, o autor afirma que “La referencia a los valores

superiores no se encuentra en ningún otro texto constitucional y me parece que tiene transcendencia. Por el contrario, marca un rumbo nuevo en la historia de la cultura jurídica y política de nuestro tiempo, no sólo en el ámbito de Derecho público, sino para la Teoría del Derecho. ”287 e tem marcado um novo rumo da história da cultura jurídica e política de nosso

tempo288.

O artigo 1º da Constituição espanhola de 1978, seguindo a tradição da maior parte das Constituições democráticas, sintetiza em três seções os elementos de identificação da organização política que se desenha, através do Direito em sua norma máxima. A identidade com as demais Constituições, especialmente a italiana (1947) e a portuguesa (1976) é apenas na aparência, porque a Constituição espanhola de 1978 se diferencia das demais na estrutura e nos objetivos em seu “pórtico”, ainda que a intenção do Legislador Constituinte seja em todos os casos semelhantes, conforme MORTATI “los caracteres esencialmente inseparables del

tipo de régimen político instituido considerados en su inescindible correlación” 289. De fato,

no direito comparado não se reconhece uma fórmula análoga. A Lei Fundamental de Bonn, no artigo 1, declara que a dignidade do homem é sagrada e seu respeito e proteção constituem um dever de todas as autoridades do Estado. A Constituição francesa de 1958, no artigo 2, assinala a Liberdade, Igualdade e Fraternidade como fundamentos da República.

IBEAS reconhece a possibilidade de algumas referências axiológicas semelhantes à da Constituição espanhola no preâmbulo de algumas Constituições espanholas, e acrescente-se, como anteriormente referimos, as atuais Constituições da Colômbia, de Cuba, do Panamá, do Peru, de Honduras, da Nicarágua, do México, do Paraguai, e a Constituição brasileira de 1988.

Es posible hallar algunas referencias axiológicas semejantes a las ya señaladas en la CE de 1869 o en el Proyecto de 1873 en los preámbulos de algunas Constituciones europeas del principio del siglo XX, pero en ningún caso hallamos una definición expresa de cuáles sean los valores que informan el

285

(PECES-BARBA, 1986, p. 11).

286

Conforme SOUZA JUNIOR, op. cit. p. 56.

287

(PECES-BARBA, 1986, p. 12)

288

PECES-BARBA.Los valores superiores. Madrid: Editorial Thecnos, S.A., 1986, p. 11.

289 MORTATI. Comentários dela constituzione. Principi Fondamentali Zanichelli, Bolonia,

ordenamiento jurídico tal como la que incluye el artículo 1.1 CE.290

Nesse sentido, entende-se que Constituição brasileira de 1988 teve alguma influência da Constituição espanhola, como vermos ao longo do presente estudo.