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Os valores no constitucionalismo brasileiro

II SEGUNDA PARTE: OS VALORES SUPREMOS E CONSTITUCIONALISMO OCIDENTAL

2 A TRADIÇÃO DE PREÂMBULO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

2.4 Os valores no constitucionalismo brasileiro

Como já referido, a partir da análise das Constituições brasileiras ao longo da história da República que a única constituição que traz referência a valores superiores é a Constituição promulgada em 1988, possivelmente isso se deve, como visto na segunda parte desta dissertação, muito mais às influências do contexto histórico-sócio-político internacional do que propriamente uma vontade originária do legislador constituinte brasileiro.

Esses princípios, na história constitucional da República brasileira, remontam à primeira Constituição dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, sendo que a maioria das garantias foram positivadas na primeira Lei Maior Republicana, tiveram, em 1926, alteração da redação, através da Emenda Constitucional de 03 de setembro de 1926C. 352 Destaca-se que, as garantias individuais expressas naquela Carta Constitucional,

que asseguram direitos ao indivíduo frente ao Poder Público, relacionadas no artigo 72 e seus parágrafos, dentre eles, destaca-se a liberdade, a segurança individual, a propriedade e a igualdade.

A Constituição da República Federativa do Brasil nasceu em 1988 de uma extensa negociação política, uma engenharia da transição democrática de compromisso. Assim a carta constitucional foi um “mosaico amplo de interesses, sentimentos e ideias”353

que, refletidos no seu preâmbulo, trazem valores que foram positivadas ao longo de todos os artigos da Carta Constitucional. Ela veio reinstitucionalizar o regime democrático, ancorado no Estado de Direito e, em consonância universal, nos Direitos humanos Fundamentais.

Nela encontram-se as manifestações de vontade daqueles que tinham a responsabilidade concretizar formalmente as mudanças democráticas que a sociedade brasileira clamava naquele período. Buscou-se na história, nas palavras de alguns Constituintes, registradas nas Ata das reuniões (especialmente a da Comissão de Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher)354, verificar o momento histórico, os

352

Art.72 da Constituição brasileira com os textos incluídos pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926) encontram-se em nota no final Fonte:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm> acesso em 23 de janeiro de 2014. 353

(SOUZA JUNIOR, 1º e 2º semestre de 2012, p. Seminário de Direito Comparado)

354

Atas da Comissão de Soberania e Diretos e Garantias do Homem e da Mulher integram neste trabalho o Anexo I.

anseios e projetos de mudanças e garantias que naquele momento faziam-se necessárias implantar. Analisando os discursos, destacaram-se alguns excertos iniciais:

O Sr. Constituinte Darcy Pozza: [...] O problema da organização do Estado se subordina à necessidade da garantia a todos os indivíduos, e também à liberdade do poder político entendida aqui. como a instauração de uma via legal no exercício do poder, ou como a afirmação de uma esfera de autonomia do indivíduo que o Estado não poderá legalmente violar. [...] Entre o Estado e o Poder colocam-se a liberdade política, a liberdade religiosa, a liberdade de imprensa, que têm por objetivo sensibilizar a opinião pública e por meio desta o Congresso Nacional. [...] A necessidade de garantir a nova realidade política, que se quer para o País, leva- nos à redação de uma Constituição analítica, que tente disciplinar, do modo mais preciso possível, a distribuição do poder e seu uso em relação à autonomia privada e pública. [...] Lutamos, hoje, pelos direitos civis, pelos direitos políticos e sociais – 3 (três) espécies de direitos – que, para serem verdadeiramente garantidos, devem existir solidários. Esses direitos, várias vezes sofrem ameaças violadoras. Estas podem vir do Estado, mas podem vir também de segmentos sócio-econômicos com a sua desumanização. [...] 355

O Sr. Constituinte Lysâneas Maciel: [...] A nova Constituição poderá ser maior ou menor, diferente ou igualitária, como as demais Constituições brasileiras, que se construíram em verdadeiras falácias, porque diziam que todo poder emana do povo e em seu nome será exercido e isso nunca aconteceu neste País. Ou que todos são iguais perante a lei, não obstante a cor, a raça e a religião – o que também nunca foi uma realidade entre nós. Isto se transformará em realidade à medida que nós, sabendo que o povo também não é detentor da sabedoria absoluta, construirmos, através de um trabalho conjunto, Parlamentares e povo, um instrumento de justiça, de progresso e de dignidade para o povo brasileiro. [...] Tivemos uma preocupação com relação à linguagem jurídica dos dispositivos constitucionais. Há a tendência de se fazer disso algo complicado. [...] 356

Em inúmeros trechos dos depoimentos nas Comissões e Subcomissões, verifica-se a preocupação de construir uma Constituição Cidadã, e o restabelecimento da democracia. Essa preocupação se manifesta nos momentos em que buscaram ouvir o povo e valorizar as contribuições, independentemente da camada sociais. Para tanto, pinçou-se alguns trechos iniciais que demonstram a essa preocupação.

[...]Esta Subcomissão recebeu colaboração de vários segmentos da sociedade, traduzida na forma de subsídios e da presença efetiva nas audiências públicas que realizou em nome próprio ou por representantes de instituições ou de entidades.

[...]Assim, tendo recebido propostas e sugestões das mais diversas tendências e orientações do pensamento, defendendo os mais diversos interesses, sentidos e entendidos como direitos, as audiências públicas nos auxiliaram a homogeneizar o que se apresentava de forma heterogênea, resultando este trabalho, que pretende contribuir para a melhor organização da sociedade brasileira.

Buscamos o seu delineamento de forma a ir ao encontro dos desejos do povo, no sentido de garantir, como elementos fundamentais do seu direito, as mais significativas aspirações da coletividade.

355

Constituinte Darcy Pozza, in Atas da Assembleia Constituinte, p.10, incorporada a este trabalho, no anexo I.

356

[...] Chamo a atenção dos Srs. Constituintes para um aspecto inusitado no trabalho da Subcomissão: a presença e a participação do povo nas várias sugestões que emergiram357.

Nesse sentido, há a consciência que o Direito não pode deixar de atender às manifestações da vida social e econômica. O Direito visto como um fragmento da nossa cultura geral, inseparavelmente ligada às correntes de idéias e necessidades éticas e econômicas.358

Essa preocupação, de instituir um Estado Democrático que garantisse o exercício de direitos (sociais e individuais), resguardado sob valores maiores da sociedade de irmãos, sociedade de afeto359, igualitária360 e pluralista361. Queriam que no ápice de todos os valores

estivessem aqueles garantidores do Estado Democrático de Direito, a liberdade, a igualdade, a segurança, o bem-estar e o desenvolvimento da sociedade com justiça.

O fundamento talvez se encontre em Montesquieu, quando ele afirmava que cada espécie de governo somente se explica por completo quando o relacionamos a sua “psicologia” 362

. Um princípio, segundo ele, é necessário para dar vida a cada estrutura de governo: na República será a virtude 363

, na monarquia a honra, e no despotismo o temor. [...] deve-se observar que o que chamo de virtude na república é o amor à pátria, ou seja, o amor à igualdade. Não é uma virtude moral, nem uma virtude cristã, é a virtude política, e este é o motor que move o governo republicano [...]. 364

357

Constituinte Lysâneas Maciel. Op cit., p. 08.

358

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito.12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 158.

359

No vocabulário brasileiro, fraterno, adj. relativo a irmãos, próprio de irmãos, afetuoso.

360

Proclamam a igualdade social, a igualdade de classes. A aequalitas (em latim).

361 Pluralismo conforme a língua portuguesa: sm. diversidade de interesses, opiniões, experiências etc. Ideia ou

conceito de que em uma só entidade (pessoas, sociedade etc.) podem coexistir harmonicamente diferentes aspectos. Sistema político no qual se defende a coexistência de vários partidos em uma sociedade, com igualdade de direitos ao exercício do poder público.

362

(MONTESQUIEU, 2004, p. XXXIII)

363

O termo virtude foi usado pelo filósofo iluminista francês, Charles de Montesquieu (1689-1755). Essa palavra partir do século XX foi substituída pelo sinônimo valor. Embora, já encontremos desde Immanuel Kant (1724-1804), referência a valores supremos.

364

2.5 O processo constituinte e a origem histórica da inserção de valores na