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III TERCEIRA PARTE: OS VALORES SUPREMOS DA SOCIEDADE BRASILEIRA

1. OS VALORES SUPREMOS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

1.4 A ordem e o progresso

O Estado tem por fim o bem comum da sociedade política. Nenhuma sociedade subsiste sem a convivência das partes, sem a regularidade e estabilidade das relações sociais, ou seja, sem a ordem, “o primeiro e o mais evidente ‘bem comum’. Beneficia a todos igualmente – e a ninguém em particular – e permite a existência do conjunto.”591 Para que a sociedade subsista faz-se indispensável uma certa estabilidade, normalidade, regularidade, a necessidade de leis, não somente no sentido positivo mas também leis no sentido natural. Nesse sentido, é possível afirmar que a ordem é um dos requisitos para a existência de

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Nesse sentido a decisão proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.010-MC, de relatoria do Ministro Celso de Mello, publicada no Diário da Justiça em 12 de abril de 2002.

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democracia, é nela que se encontra a primeira lei do mundo moral e do mundo físico, do mundo natural e do sobrenatural.592

A ordem é a primeira lei do mundo moral, do mundo natural, do mundo físixo, assim como do mundo sobrenatural, afirma TORRES593

. É o bem específico da sociedade humana, é a condição indispensável à convivência das partes. Sem ela é impossível a existência e subsistência da sociedade, “sem a regularidade, estabilidade das relações sociais; não se poderia, nem menos, pensar numa sociedade carente de – ORDEM” 594[sic] Para se estabelecer um conceito de ordem, é indispensável duas condições: a primeira consiste “na regularidade de sucessão de atos e na regularidade de colocação dos sêres.”[sic]. Dessa forma, pode-se afirmar que é a regularidade, a estabilidade, e a justa distribuição de cada coisa nos seus lugares. Mas, não é possível ordem se desprezar a liberdade, um dos atributos fundamentais do ser humano. A liberdade consiste na ausência de contenção e de opressão, embaraço ao progresso, ao crescimento dos indivíduos e dos grupos sociais, é, conforme TORRES, o segundo atributo do bem comum. Esses dois valores são a garantia da sociedade, enquanto que o bem comum é condição para a sobrevivência do Estado. Mas, é preciso considerar que a ordem não é estática, ela precisa se adaptar e evoluir no contexto das mudanças da vida em sociedade. A dinamicidade é a condição de sobrevivência da sociedade, se ocorrer da ordem não evoluir ela torna-se injusta, e, diante da ordem injusta decorrem os processos revolucionários.

Dessa forma a ordem tem sido bandeira de muitos processos revolucionários, a exemplo dos ocorridos na Europa no século XIX, e no mundo, no século XX. A Revolução, objetiva a destruição e substituição da estrutura do Estado e da Sociedade, “[...] pretendendo que não se possa identificar qualquer grau de continuidade na ordem social, política e econômica de um Estado [...]” .595 A violência empregada nesse processo objetiva efetuar profundas mudanças

nas relações tanto na esfera sócio-política e econômica quanto no ordenamento jurídico. Nesse contexto, três personagens, bandeiras, merecem destaque: o Partido da Ordem, a Ordem e a Revolução. Enquanto o Partido da Ordem, na concepção de MARX, defende a manutenção do status quo, a Ordem defende a transformação sem ruptura total com o passado e as tradições, a Revolução, como dito, almeja a ruptura total e substituição da

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Nesse sentido TORRES.

593

(TORRES, p. 111)

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(TORRES. p. 111. Grifo do original).

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FERRAZ, João Grinspum. Ordem e Revolução da República de Weimar. Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Orientador: Prof. Dr. Oliveiros da Silva Ferreira. São Paulo:USP. PDF, p. 08.

estrutura. Essas duas últimas tiveram grande relevância na Revolução Francesa de 1789, e na República de Weimar.596

Sociologicamente, a maioria das crises da estrutura política e jurídica tem sua origem na crise econômica, que cria degeneração moral, corrupção e ascensão econômica de outras categorias, gerando desconformidade e hostilidade ao governo por grandes parcelas da população, a exemplo da Alemanha do século XX “o trauma pós-guerra e a desordem social apresentavam-se como elementos que colocavam a população contra o regime.” 597 Daí a

importância do desenvolvimento, do progresso para a preservação do Estado. O Estado de Direito é condição de existência do progresso, é através dele e de suas normas que garantem meios para que ocorra a paz social. Sem paz não há progresso.

A ordem é o núcleo da segurança, essência nuclear da segurança, de uma situação justa e segura. A ordem, nesse sentido não é somente a interna, mas também a externa e para o bem de todos.. O progresso é o desenvolvimento com bem estar, um desenvolvimento material e espiritual. O bem estar no desenvolvimento598 econômico e espiritual, particular e coletivo,

respaldado nas garantias constitucionais. A responsabilidade de perseguir o bem comum, ou bem de todos, conforme o artigo 2º, IV da Constituição brasileira, compete, não só às pessoas consideradas individualmente, mas ao Estado, pois, o bem comum é a razão de ser da autoridade política, é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil. Ao Estado cabe garantir coesão, unidade e organização à sociedade civil da qual é expressão, de modo que o bem comum possa ser conseguido com o contributo de todos os cidadãos. “ Da dignidade, unidade e igualdade de todas as pessoas deriva, antes de tudo, o princípio do bem comum, a que se deve relacionar cada aspecto da vida social para encontrar pleno sentido”. 599

É preciso diferenciar o conceito de bem comum do de bem estar. Por bem comum, se entende como o “o conjunto de condições da vida social que permitem, tanto aos grupos, como a cada um dos seus membros, atingir mais plena e facilmente a própria perfeição.” O bem comum não consiste na simples soma dos bens particulares de cada sujeito do corpo social. Platão estabeleceu o princípio do bom governo, que deveria remeter de forma direta ou indireta à ideia universal do Bem. Pensava a filosofia, a ética e a política como unidos, pois

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A respeito da defesa da ordem e do papel do nacionalismo no período entre Guerras na Alemanha, sugere-se a leitura da dissertação de mestrado de ,João Grinspum FERRAZ, op.cit.

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(FERRAZ, op.cit., p. 16).

598

(SOUZA JUNIOR, )

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somente por meio da reflexão seria possível garantir, em última instância, a felicidade perfeita na polis.

A vida coletiva busca a melhor vida possível. Sendo de todos e de cada um, é e permanece comum, porque indivisível e porque somente juntos é possível alcançá-lo, aumentá-lo e conservá-lo, também em vista do futuro. Assim como o agir moral do indivíduo se realiza em fazendo o bem, assim o agir social alcança a plenitude realizando o bem comum. O bem comum pode ser entendido como a dimensão social e comunitária do bem moral. 600 Aristóteles já afirmava ao referir-se ao bem universal “[...] ainda que haja um bem único que seja um predicado universal dos bens, ou capaz de existir separada e independente, tal bem não poderia obviamente ser praticado e atingido pelo homem, [...]”601, assim, o bem

seria o próprio de cada circunstância, executáveis pelas escolhas intencionais do possível, a

proáiresis. A felicidade, bem supremo, só pode ser obtida com o bem comum. A felicidade

individual e coletiva são elementos indissociáveis, conforme esse filósofo. O bem estar pode ser, conforme Ronald DWORKIN, de dois tipos: o “bem-estar volitivo”, que é importante na vida de uma pessoa é o que ela quer, a sua vontade, e o que ele denomina de “bem-estar crítico”, nesse a que é importante está o entendimento sofisticado daquilo que nós queremos, ou seja, é aquilo que pelo uso da razão o ser humano deve querer. Queremos o que é bom na vida, mas, “a satisfação de vontades é uma ideia muito básica e desestruturada para explicar decentemente aquilo que pensamos ser bom na vida.”602

A classe de desejos que importam são aqueles que se relacionam com o que pensamos ser de importância fundamental em nossas vidas, como: atingir certo tipo de vida, ou de ter um relacionamento familiar melhor. “[...]apenas abandonando a ideia de desejar satisfação é que atingiremos a ideia, mais apropriada do que seja, para nós, uma boa vida”.603

Nessa linha, não pensamos que o que é bom e vale a pena na vida é obtido somente através dos desejos volitivos. Os desejos que realmente importam são aqueles que se relacionam com o que se pensa ter importância fundamental na vida, como atingir um certo tipo de vida604. A “incapacidade de ser bem-

sucedido em meio às circunstâncias, não é um ‘limite’ do meu bem-estar, mas um ‘parâmetro’”. E, diz ele, “é importante para o bem-estar crítico, que cada pessoa aprove, ou

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Doutrina Social de Igreja.

601

ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, I,6, 1096b.

602

(PONTES, 2011, p. 237).

603

(GUEST, et al., 2010, p. 288).

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Nossas vidas não são melhores ou piores porque nossas vontades não são satisfeitas, não que a satisfação ou insatisfação sejam irrelevantes, mas, essas não podem ser constitutivas de boas e más vidas.

sustente, aquilo que faz, porque é confuso viver uma vida que é boa, mas, você mesmo não a aprova”.605

Para ele, essa aprovação deve ser constitutiva da boa vida que o indivíduo leva. “A melhor vida para uma pessoa particular, podemos dizer, é a melhor vida que ela pode viver com os recursos que devem estar à disposição segundo a melhor teoria da justiça distributiva.” 606

O progresso deve ser reconhecido nas diversas áreas ou dimensões, como a social, técnica, econômica, científica, tecnológica, cultural, dentre outras. O progresso, na visão dworkiana, surge da integridade ética, da identificação com os objetivos, desafios e planos.

A ordem e o progresso, valores básicos e dialéticos que também encontram-se na nossa bandeira desde 1889, quando da proclamação da República. Ordem representa conservação, e o progresso representa mudança..