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O processo constituinte e a origem histórica da inserção de valores na redação do título preambular da constituição brasileira.

II SEGUNDA PARTE: OS VALORES SUPREMOS E CONSTITUCIONALISMO OCIDENTAL

2 A TRADIÇÃO DE PREÂMBULO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

2.5 O processo constituinte e a origem histórica da inserção de valores na redação do título preambular da constituição brasileira.

A Constituição democrática é expressão da vontade da comunidade, que a exerce diretamente ou por meio de seus representantes eleitos, tem uma função integradora dos fatores jurídicos e políticos, a exemplo do que ocorre com o artigo 1º, “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem com fundamentos: [...]” , ou, a semelhança do que ocorre com o artigo 1.1 da Constituição espanhola de 1978, segundo o qual, “España se constituye en un Estado social y democrático de Derecho, que propugna

como valores superiores de su ordenamiento jurídico la libertad, la justicia, la igualdad y el pluralismo político”. A expressão “constitui-se” é resposta de um ato criador de decisão

política e uma visão dinâmica que implicam uma porta aberta para o futuro. Em ambas encontra-se ai a superioridade da afirmação frente a formula geral de Constituições anteriores ou da Constituição Australiana365, Constituição Italiana, Constituição Alemã, dentre outras.

Para Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO a Constituição é um corpo sistemático de normas que formam a cúpula da ordem estabelecida. É a Lei Suprema contida preferencialmente num documento escrito e solene, que versa sobre a organização política basilar de um Estado, essas normas são estabelecidas pelo povo, por representantes extraordinários, e tem por finalidade a limitação do Poder em vista da preservação dos direitos fundamentais do Homem366

. A Constituição, diz o autor, “deve dispor sobre a organização política do Estado. Sua missão é organizar o Estado, nos seus traços basilares, definindo os seus órgãos de cúpula, discriminando-lhes a competência, fixando os limites de sua atuação legítima”.367

Conforme SOUZA JUNIOR, “o direito posto em um Estado assume a forma de ordenamento jurídico.” ou seja, as normas jurídicas não tem uma existência solitária, mas integram um contexto de normas que se relacionam de forma exclusiva entre si.368 Assim, ele

365

Por exemplo, aparece no texto da Constituição australiana “A Austrália é [...]”; diferentemente do que consta no referido artigo da Constituição brasileira e da Constituição espanhola.

366

(FERREIRA FILHO, 2010), p. 23.

367

(FERREIRA FILHO, 2010), p.24.

368

SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. Direito Constitucional, Direito Ordinário, Direito Judiciário, in Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito do Estado/UFRGS, nº III, março/2005, p.7-18. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: UnB, 6º ed.; DIAS, Caio Gracco Pinheiro. Direito e ordem social. Revista Integração. Ano XIV, Nº 55. Out./nov./dez. 2008, p. 337 e ss.

define a Constituição de um país como o conjunto de normas (regra e princípios), com ou sem instrumento codificador, que institui ou regula a Organização Fundamental do Estado, tendo em vista valores supremos do convívio, da convivência humana, ou seja, na Constituição encontram-se as normas (regra e princípios), que institui e regula a organização do Estado visando os valores supremos do convívio humano369

.

A Constituição tem seu início na realidade social, é nela que se encontra os valores da sociedade e os fins do Estado. Com a inserção de valores na Constituição tem um significado no âmbito da cultura jurídica atual, reconhece-se a existência de conteúdos materiais no ordenamento, dando novas nuances ao rígido formalismo kelseniano que o considerava apenas como conjunto de poderes e deveres370. PECES-BARBA também destaca que, pela

primeira vez se recolhe no direito positivo uma série de elementos aflorados da reflexão jurídica, mas não se está a superar o formalismo normativista, mas trata-se de completa-lo com a norma básica material constitucional, representada pelos valores. A positivação de valores tornou-se guia e limite para o desenvolvimento do ordenamento, e, não resta dúvida que os valores superiores são fundamento e critério para as normas de conduta e para as normas primárias. Essa nova realidade do direito, a inclusão de valores superiores, afasta a teoria daqueles que olham o Direito apenas como normas de regulação do uso da força, uma vez que o Direito também é formado por normas básicas de conduta, sem que seja necessário optar por uma ou por outra alternativa.371

2.5.1 O processo de elaboração da Constituição de 1988

A Constituição, “é a fonte geradora de toda a ordem jurídica, que dela extrai seu fundamento de validade.”372

O processo de redação de uma Constituição passa por diversas etapas, e o critério em que embasa a distinção no processo constitucional que vai fazer a continuação da participação em três etapas, em função dos protagonistas do mesmo.

Nesse sentido, IBEAS define, em razão de seus protagonistas, o processo constitucional em geral constitui-se em três etapas práticas distintas: a primeira tem início com a proposta

369

(SOUZA JUNIOR, op.cit., março/2005, p.7-18).

370

( PECES-BARBA, op.cit., 1986, p. 54-56).

371

(PECES-BARBA, op.cit., p.56).

372

da Constituição até a publicação do anteprojeto constitucional, que se caracteriza por se a primeira expressão de vontades dos diferentes grupos políticos, assim como o ânimo de aproximar posturas para alcançar a redação de um texto para logo trazer as contribuições. A segunda etapa, vai da publicação do anteprojeto de constituição e abertura de prazo para a apresentação de emendas e votos particulares até a tomada de decisões nas ditas emendas. Esclarece Peces-Barba, que “(esta fase) supone la expresión maximalista del tipo de

Constituición que cada grupo haría si estuviese sólo em la sociedade. Es la manifestación de los sistemas de valores que cada partido político pretende incorporar a nuestro ordenamento jurídico como norma básica”373 é a exposição de vontades dos diferentes grupos políticos, assim como a vontade de aproximar posturas para conseguir redigir um texto. Por último, a terceira etapa, se dá no período entre a primeira sessão da segunda fase da proposta até a apresentação do texto final, no caso da Espanha, na Comisión de Asuntos Constitucionales. Essa caracterizou-se, diz o referido autor que também participou como legislador constituinte, por sucessivos acordos e desacordos entre as propostas, provocando a necessidade de aceitar ou descartar definitivamente emendas e votos individuais para encontrar consenso no texto constitucional final, ainda que seja através de maioria reduzida a apoios dentro do próprio documento.

No Brasil a Constituição de 1988 foi a única das cinco elaboradas por assembléias constituintes que não partiu de um prévio projeto.”374

Ou seja, a segunda etapa não se deu da forma como normalmente ocorre. Mesmo tendo havido um anteprojeto, elaborado por uma Comissão formada com personalidades eminentes nas áreas jurídica, política, literária, empresarial, trabalhista e científica, coordenada pelo jurista Afonso Arinos, a convite de Tancredo Neves, iniciou seus trabalhos em agosto de 1985 procurou ouvir vários segmentos da sociedade. Esse trabalho consolidado no projeto foi entregue ao então Presidente da República José Sarney, esse recebeu o Projeto da nova Constituição e preferiu não remeter à futura Assembléia. Talvez por uma decisão política, conforme o Jornal de Brasília de 05 de setembro de 1985, na matéria que tem por título “Governo não aceita as idéias de Afonso Arinos”.. O certo é que os trabalhos da Comissão sofreram severas críticas de vários

373

PECES-BARBA, Gregório. La elaboracion de la Constitución de 1978, apud IBEAS, J. Javier Santamaría. Los valores superiores em la jurisprudência del tribunal Constitucional: Libertad, justicia, igualdad y pluralismo político. Prologo de Gregório Peces-Barba. Burgos: Univesidad de Burgos, 1997, p.30.

374

segmentos, inclusive do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.375 Mas, para

ARINOS era - “irrelevante se as conclusões de seus trabalhos terão ou não forma de anteprojeto, julgando importante que a Comissão consiga ser a caixa de ressonância das aspirações e reivindicações da sociedade”. E, criticado pelo Deputado Humberto Souto o acusava - “Não sei até que ponto [...] a desmoralização do Poder Legislativo pode estar influenciando para que juristas se arvorem no direito de representar o pensamento e o desejo da Nação.” Dessa forma, os trabalhos realizados nesse projeto, apelidado de “Projeto Afonso Arinos”, não chegou a ser encaminhado para a Assembleia Constituinte, mas o seu principal mentor foi um dos Constituintes da Constituição de 1988376.

O processo constituinte, propriamente dito, conforme os documentos oficiais377, funcionou de 1º de fevereiro de 1987 a outubro de 1988, se deu em uma sequencia de sete etapas, que se desdobram em 25 fases diferentes, na sequencia: Primeira etapa, ou preliminar, foi definido o Regimento interno da Assembleia Nacional Constituinte e recebidas sugestões dos Cidadãos, Constituinte e das Entidades. A segunda etapa foi a constituição de Subcomissões Temáticas que tinham a incumbência de elaborar primeiramente o Anteprojeto, pelo Relator, os integrantes apresentavam emendas ao Anteprojeto (por meio de acordos e discussões) e essa subcomissão elaborava um o texto do Anteprojeto para votação na Comissão Temática. A terceira etapa se dava na tramitação dentro da Comissão Temática, que recebia do Anteprojeto da Subcomissão e fazia emendas, sendo elaborado o substitutivo do Relator. Esse texto era apresentado para emendas, para, ao final a comissão apresentar o texto final do Anteprojeto da Comissão. A quarta etapa, esse texto é apresentado a Comissão de Sistematização, onde são realizadas Emendas de Mérito e de Adequação ao Anteprojeto. Feito isso, ainda nessa Comissão, são apresentadas e Emendas de Plenário e Populares, sendo

375

Na época, o presidente da OAB era o advogado Herman Baeta”, para ele estava “havendo muita confusão em relação à matéria. ‘Decreto com nomes trocados, convidados que, sem seresm previamente consultados, tiveram que se desligarem da comissão, para se manterem coerentes com seus propósitos, declarações confusas e em evidente confronto com o decreto que instituiu a Comissão’ [...] tudo isso, segundo afirmou Hermann Baeta, está ‘contribuindo para abalar a credibilidade do governo num assunto tão importante quanto

a Constituinte”. In

http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/111015/1985_fev%20Dez_163.pdf?sequence=1, aceso em 15 de fevereiro, 2014.

376

A convocação da Assembleia Constituinte se deu por meio da Emenda Constitucional nº 26 de 1985, e funcionou no período de 1º de fevereiro de 1987 a 05 de outubro de 1988.

377

Documentos oficiais foram pesquisados por meio do site da Câmara Legislativa, http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/o- processo-constituinte, na medida que, por diversos fatores alheios à nossa vontade, especialmente em razão do tempo disponível para a conclusão deste trabalho de dissertação, se tornou impraticável o deslocamento até a biblioteca em Brasília para manusear os manuscritos originais.

elaborado ao final o texto Substitutivo número um, do Relator, que também recebe emendas, para ser por fim, elaborado o texto Substitutivo número dois, pelo Relator que passa a ser projeto (projeto A). Apresentado o referido “Projeto de Constituição A”, no plenário da Assembleia Constituinte, no primeiro turno, os Atos e emendas encontram-se no anexo II , onde estão apresentados um comparativo ao projeto original de Constituição, com as “Emendas do Centrão”, as “Emendas Coletivas” e as “Emendas Individuais”. Logo, formado o “Projeto de Constituição B”, deu início ao segundo turno de emendas, levadas a plenário através do texto redigido no final do segundo turno, o “Projeto de Constituição C”. Terminada a fase de Plenário, o “Projeto de Constituição C” foi para a Comissão de Redação, surgindo a proposta de Redação Final. A sétima etapa, epílogo, com a promulgação da redação final da Constituição, no dia 05 de outubro de 1988378.

No contexto histórico a Constituição de 1988 atrela valores antagônicos, pois em 1987 o mundo ainda era bipolar379, essa dicotomia se concretizou no texto da Carta Magna de 1988.

A Assembleia Constituinte de 1987 foi realizada durante um processo de redemocratização de mais de 30 anos de ditadura no Brasil e havia na sociedade o anseio de positivar direitos na Constituição como forma de protegê-los, chegando a prever algumas coisas que não necessitavam estar ali. Mas, a Constituição traz valores que fazem um elo entre política e moral, na relação ‘trilógica’ de PECES-BARBA, a relação dialogal entre ética, política e direito.380

As inesquecíveis palavras do Constituinte Ulysses Guimaraes traduzem em parte o espírito da maioria dos Constituintes, ao expressar a importância daquele momento para a garantia de direitos aos cidadãos e o restabelecimento do processo democrático.

378

Fonte: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao- cidada/o-processo-constituinte>. Ainda, O Processo Histórico da Elaboração do Texto Constitucional (Dilsson Emílio Brusco e Ernani Valter Ribeiro), e, Fontes de Informações sobre a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 (Mauro Márcio Oliveira). Ainda, sugere-se OLIVEIRA, Mauro Márcio. Fontes de informações sobre a Assembléia Nacional Constituinte de 1987: quais são, onde buscá-las e como usá-las. Brasília: Senado Federal, 1993. 104, o panorama da

Assembleia Nacional Constituinte encontra-se disponível em

http://www2.camara.leg.br/atividadeegislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao -cidada /publicacoes/panorama_anc. Um mapa de todas as audiências públicas podem ser

acessadas no seguinte endereço eletrônico

http://www2.camara.leg.br/atividadelegislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao - cidada/publicacoes/o-processo-historico-da-elaboracao-do-texto/vol-3-mapa-no-5, todos, acesso em 25 de fevereiro, 2014.

379 Nesse período ainda persistia a dicotomia socialismo X capitalismo. 380

A respeito da relação dialogal entre ética, direito e política, que vingou historicamente com o fim da Segunda Guerra Mundial, veja (SOUZA JUNIOR, 2002, p. 35 et seg.)

O SR. CONSTITUINTE ULYSSES GUIMARÃES: [...]De forma que são estas as propostas que nossos amigos estão procurando aqui defender. Os direitos clássicos, os direitos naturais, fazem parte da própria natureza humana, nos são dados até por Deus, e o Estado não pode tirá-los, porque não é o Estado que dá ao cidadão o direito de pensar, de se manifestar, de andar. O homem é um animal agregado, como já dizia Aristóteles. E a Bíblia diz zoe sole, ou seja, "desgraçados os que ficam sozinhos". O direito de se reunir, de se manifestar em comunidade é um direito fundamental, mas, ao lado desses direitos que o Estado não pode tirar, porque não é ele quem dá, há os direitos dos quais o cidadão se torna titular, credor direito ao emprego, ao lazer, à saúde, à educação, à previdência. Há outros direitos, mas é preciso que isso não seja platônico, acadêmico, é preciso que haja instrumentos para que realmente esse crédito do cidadão junto ao Estado se transforme em realidade. Sei que é esta a preocupação de V. Ex.ª, do nosso douto relator, dos nossos amigos. (p.07) [...]Só quis dizer que estou imbuído desta consciência, de que é preciso sustentar meu voto àquilo que eu puder fazer nesta Constituinte, usar a força que eu possa ter, no sentido da melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro. [...]principalmente no que diz respeito aos direitos e garantias individuais, porque o homem continua sendo a medida de todas as grandezas. O Estado é meio, não é fim. O fim é o homem com as suas perplexidades, com as suas angústias, com os seus desafios, com as suas necessidades, com os seus problemas, que devem ter no Estado um aliado e não um coveiro, um carrasco. Acho que esta deontologia do Estado é fundamental para realmente se dar sentido aos direitos e garantias individuais. (p.07)

As palavras do Presidente da Constituinte traduzem em grande parte a esperança do Povo brasileiro. Reconhecem o dinamismo dos processos sociais381, e a necessidade de adaptar a Constituição à realidade social, para acompanhar as mudanças sociais evitando assim o surgimento de um abismo entre a norma e os fatos sociais. A Constituição, concebida como um conjunto de normas que precisam evoluir juntamente com a sociedade, utilizou termos mais genéricos382 e previu a possibilidade de uma Revisão no prazo de cinco

anos e de Emendas Constitucionais.