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Na maneira como o professor vê os jovens da escola

Dois depoimentos são destacados abaixo, o primeiro, da professora Tânia que repete o modo de pensar da maioria dos professores. Em vários depoimentos, sua fala é repetida, são professores que lançam olhar de descrença e desconfiança aos jovens na sala de aula, vistos como “problemas” e tachados pejorativamente. Isso não significa que se deva lançar o olhar para o jovem permeado pelo romantismo ou idealismo, o ideal é enxergar a realidade sócio-cultural que está presente no contexto de vida de cada jovem, sem romantismo e sem estigmatização.

Eu acho uma coisa maravilhosa, uma coisa, uma coisa não, porque ninguém é coisa, algo maravilhoso, porém precisa ser lapidado, eu acho que eles perderam a noção de como é que eu diria? Humanidade? Não, eles são muito egocêntricos, interessa muito a visão deles, eu acho que precisaria ser valorizado família, valorizado sacrifico, é a total irresponsabilidade deles, hoje me preocupa muito, todos são irresponsáveis? Não, mas uma grande parte. Tô sendo muito radical, né? (Tânia, 49 anos professora de Língua Portuguesa da escola Metrópole). Neste trecho, a professora Tânia diz “[...] algo maravilhoso; porém precisa ser lapidado”, em depoimento anterior, destaca a necessidade dos jovens se adaptarem às regras da escola para depois se adaptarem às normas do trabalho. O lapidar corresponde a ensiná-los a obedecer, a serem dóceis, “educados” e tantas outras qualidades que os professores e a sociedade gostariam que estivessem presentes nas características da juventude.

Há, por parte da maioria dos professores, o hábito de ver o jovem apenas pelas suas características de contestador, rebelde, alienado, irresponsável e tantos outros termos que freqüentemente são utilizados de forma depreciativa na referência aos jovens. Nos questionários, os jovens manifestam que os adultos sempre os vêem como irresponsáveis, e há por parte deles uma não aceitação dessa estigmatização.

A professora fala em “[...] ser valorizado família, valorizado sacrifício [...]”, deixando evidente que o jovem deveria valorizar a família e o sacrifício que ela faz para educá-lo. Na busca de sua própria identidade, o contato com amigos e a influência da mídia são suficientes para colocar muitos valores familiares em discussão, algumas vezes aceitos pelos jovens, outras contestadas, e contestar valores e normas familiares é suficiente para gerar conflitos entre pais e filhos. Isso não significa que os jovens não valorizem sua família, pelo contrário, a família tem uma importância fundamental para o jovem, e a principal é a de “manter o eixo de referências simbólicas [...] como lugar de

afetividade e, assim, palco de conflitos” (SARTI, 2004, p. 124). Quando os jovens desse estudo foram indagados sobre o que é mais importante na sua vida, a quase totalidade coloca a família em primeiro lugar, evidenciando o contrário do que a professora afirma, o jovem atribui grande valor a sua família.

Muitos conflitos familiares entre pais e jovens, e que talvez seja esse o sacrifico a que a professora se refere, decorre do fato de que as famílias criam expectativas em relação aos filhos, fazem planos e projetos para que os filhos tenham sucesso e sejam felizes. No entanto, os jovens traçam rumos para suas vidas diferentes dos traçados por seus pais, o sucesso e a felicidade que desejam se chocam com os estabelecidos pelas famílias, assim o jovem passa a ser visto como “mal agradecido”, que não reconhece o “sacrifício” da família. Esse conflito familiar é gerado, também, pelo fato da sua identidade ainda ser indefinida na família, uma vez que já não é mais criança, mas também não é adulto. Visto como “problema”, a família se sente na obrigação de solucionar esse “problema” ao invés de ajudá-lo a administrar soluções para seus próprios problemas.

O outro depoimento, da professora Eleny, é o único entre todos os outros professores, que vê o lado positivo do jovem. Diferentemente de olhar o jovem apenas como “problema”, a professora consegue visualizar características positivas:

Bem, eu vejo que, às vezes esses jovens, por mais que as pessoas pensam que eles não têm a cabeça no lugar, acho que eles ás vezes tem a cabeça mais no lugar do que quando a gente mesmo tinha a idade deles, eles têm uma abertura para aceitar o diferente, maior que a gente tinha. A gente consegue perceber isso com a música, eles gostam de todos os estilos de música, coisa que na década de 80, 70 não era aceitável. Alguns têm uma vontade muito grande de melhorar, de ser alguém, outros não estão nem aí, então isso vai variar muito né? (Eleny, 26 anos, professora de Geografia da escola Metrópole).

Nas constantes transformações sociais, pode-se perceber que a juventude tida como alienada e irresponsável, constantemente acaba por surpreender os adultos com suas posturas algumas vezes mais conservadoras do que as dos mais velhos, outras ousadas, e muitas vezes transformadoras. A professora soube observar a fusão de microexperiências, ocultas nas redes sociais que os jovens estão inseridos para inventar outros comportamentos, definir modos de vida entre a temporalidade jovem e a adulta, a facilidade que o jovem encontra para adaptar-se a novos padrões, quer na música como foi exemplificado, quer em outros aspectos da vida cotidiana que estão constantemente em transformação.

O jovem, com ou sem a consciência da importância do capital simbólico depositado sobre ele pela sociedade, procura buscar formas de aceitar as mudanças, compreender o

novo e o diferente, de maneira a preencher a vida cotidiana; empenhando-se em descobrir as regras, associam o tradicional e a vontade de criar no movimento constante das práticas cotidianas juvenis, novos valores e novas formas de viver o seu tempo.

A professora expressa que “por mais que as pessoas pensam que eles não têm a cabeça no lugar, acho que eles às vezes têm a cabeça mais no lugar do que quando a gente mesmo tinha a idade deles”. O “não ter a cabeça no lugar” reflete a imagem que a sociedade constrói do jovem atual, muitas vezes, desinteressado por questões políticas e sociais, ligado à delinqüência, às drogas, às transgressões sexuais. Embora essa imagem seja atribuída ao jovem, ela é um sintoma do conjunto da sociedade, e o jovem é o espelho dessa sociedade. Não ter a cabeça no lugar significa, nas representações construídas pela sociedade, não agir como os adultos. No entanto, nesse início de século nota-se um processo inverso, ou seja, estamos vivendo um período em que há valorização da “cultura jovem”, convocando adultos e idosos para viverem valores e comportamentos próprios da juventude; é o que Kehl (2004, p. 96) chama de “teenagização” da cultura ocidental. Para a psicanalista, passa-se da longuíssima juventude direto para a velhice, ninguém quer ocupar o lugar do adulto e, portanto, a vaga de “adulto” encontra-se desocupada na nossa cultura.

Os adultos cobram dos jovens comportamentos próprios da maturidade, no entanto, cultuam valores juvenis. Kehl (2004, p. 97) afirma ainda, que os jovens “buscam encontrar na vida dos mais velhos alguma perspectiva de futuro, mas encontram um espelho deformado de si próprios”; dessa forma, o jovem se encontra sem parâmetro para ingressar no mundo adulto onde nenhum adulto quer viver. Portanto, as gerações já não obedecem mais ideologias que conservam valores e comportamentos para jovens e para adultos, todas as idades sonham com a juventude, e todas as idades querem vivê-la intensamente. Os adultos se protegem e se utilizam todas as tecnologias modernas para permanecerem fisicamente jovem.

A análise da psicanalista leva a crer que muitos adultos “não têm a cabeça no lugar” e que, dessa forma, os jovens perdem suas referências, pois os adultos são as referências simbólicas para os mais jovens.

Os adultos de hoje foram os jovens das décadas de 1970, 1980, citadas pela professora como uma época em que os jovens tinham “menos a cabeça no lugar do que os de hoje”. A partir da análise de Kehl dos jovens e adultos atuais, podemos concluir que os jovens das décadas citadas tinham nos adultos suas referências, e como estes mantinham valores e comportamentos próprios da maturidade, os comportamentos dos jovens eram de quem não tinham a “cabeça no lugar”, uma vez que chocavam os adultos. Atualmente, com

os adultos querendo vivenciar valores e comportamentos dos jovens, estes aparentam ter a “cabeça no lugar”, uma vez que comparado aos adultos são mais conservadores.

A análise de excertos das entrevistas com os professores serviu para avaliar com que lentes os professores olham os jovens na sala de aula, compreender seu papel como responsáveis pela formação dos futuros adultos e que, desta compreensão, se façam novos questionamentos, que possibilitem respostas às expectativas que pais e alunos depositam no ensino médio público, como condição para superar a exclusão cultural e social a que estão submetidos.

Se, foi importante ouvir os professores, responsáveis pela formação dos jovens, também se fez necessário ouvir e compreender as expectativas que a família deposita no ensino médio, o que espera para seus filhos e que representações possuem acerca do futuro dos filhos. Na parte seguinte serão analisadas as entrevistas realizadas com os pais.