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5- A EXPECTATIVA DA FAMÍLIA

5.2 No futuro e mundo adulto

Todos os pais desejam que o futuro do seu filho seja brilhante, com menos dificuldades, que consigam fazer cursos técnicos ou faculdade, que tenham empregos seguros e bem remunerados; no entanto, compreendem que há muitas barreiras, muitos obstáculos que os filhos precisam superar.

Como qualquer mãe eu quero o melhor pra ela e não sou só eu, ela também tem muita vontade de continuar os estudos de fazer faculdade. A gente tem muita dificuldade, porque a família é grande, o salário é pequeno, mas na medida do possível e como eu falei pra ela, do esforço dela quem sabe dá pra continuar os estudos. (Cleonice, 39 anos, 7 filhos, confeiteira, 2º grau completo).

Que faça um curso superior e consiga lugar no mercado de trabalho, porque do jeito que está difícil, então ter uma boa profissão e emprego. (Vera, 47 anos, 2 filhos, dona de casa, 6º série).

Ah! Eu espero que ele tenha um futuro muito bom. Eu gostaria que ele fizesse faculdade, igual que ele tem vontade de fazer, o que mesmo? Negócio de jornalismo, uma coisa assim, ele tava falando, mas vamos ver

se vai dar prosseguimento ou não porque passa tanta coisa na cabeça dele e o que a gente ganha é tão pouco. (Waldir, 48 anos, 4 filhos, sapateiro, 5ª série).

Nos três casos, a esperança de um futuro melhor é depositada na continuidade dos estudos em nível superior; este é visto como possibilidade de driblar as insatisfatórias condições em que vivem, de ter um futuro melhor, embora nem todos tenham consciência de que a escola é importante como passaporte ao emprego, mas não é garantia. Observam que a escolaridade confere melhor preparo para o trabalho, requisito indispensável para que possam enfrentar, com maiores chances de êxito, os desafios e obstáculos colocados por um mercado de trabalho cada vez mais excludente.

Um olhar atento mostra que são famílias que vivem em situação de privações sociais e de grande carência cultural, procuram desenvolver atitudes positivas em relação ao futuro dos filhos, atribuindo à educação formal e, essencialmente, ao esforço pessoal deles, alternativas de vida capazes de abrir as portas para novas malhas de oportunidades que possam significar uma mudança de vida.

Indagados se conhecem os projetos de futuro dos seus filhos, a maioria diz conhecer o que os filhos desejam para além do ensino médio. Para uns, fazer faculdade, outros apontaram a possibilidade de continuidade de estudos em cursos técnicos, outros ainda, falaram que é conseguir arrumar emprego e poucos não sabem o que o filho deseja. Esses últimos correspondem às famílias mais carentes no plano sócio-cultural e, no seu seio, há uma quase ausência de diálogo com os filhos, que trabalham durante o dia, vão para escola à noite e, nos finais de semana, procuram a companhia dos amigos.

Conhecendo ou não os projetos de futuro dos filhos, o certo é que todas as famílias depositam boas expectativas em relação ao futuro. Naturalmente que pais não esperam para os filhos qualquer condição ou situação que possa trazer constrangimento ou sofrimento. Embora revelem que possuem muitas preocupações em relação a ele:

Ah! Menina eu tenho muito medo da falta de emprego né, eu acho que é o pior que tem, porque sustentar uma casa sem emprego e ter pelo menos um pouco de dignidade fica difícil. (Tânia, 45 anos, 4 filhos, faxineira, 7ª série).

Eu me preocupo mais com o deles do que com o meu, o meu automaticamente, não que esteja definido porque a gente nunca sabe o dia de amanhã, mas eu já tenho uma profissão, trabalho, agora o deles não. Eu acho que cada vez mais, num país onde os jovens são a maioria, o mercado de trabalho é muito difícil, então eu acho que o futuro dos jovens, em geral é muito difícil, eles não saem do ensino médio ou mesmo da faculdade e conseguem entrar no mercado de trabalho. (Marisa, 47 anos, 2 filhos, professora, superior completo).

O fantasma do desemprego está presente na vida dos pais que o temem e que também não o desejam para seus filhos, no caso de Tânia mãe de quatro filhos, divorciada e que trabalha como diarista, ela precisa do trabalho dos filhos para ajudar nas despesas da casa, assim, como revelou em entrevista, que quando algum fica desempregado, desestrutura o orçamento doméstico. Como os pais imaginam que um dia os filhos vão constituir uma nova família, não desejam que eles vivam essa experiência negativa. Se o desemprego ocorre, quando ainda se ocupa a posição de jovem, por mais difícil que a situação se apresente, ele pode utilizar esse tempo para definição de um projeto pessoal, ou de inserção em outras atividades, na busca de outras possibilidades, uma vez que a juventude possui um tempo aberto à sua frente.

No entanto, o temor dos pais é que o desemprego atinja seus filhos na condição de pais de família, situação que caracteriza humilhação e vergonha. Não ter emprego é ser excluído e significa, também, excluir a família e submetê-la a privações. E é essa situação que os pais temem visualizar para o futuro de seus filhos, como expressa a Srª. Tânia.

Dessa forma, o desemprego é fonte das maiores preocupações em relação ao futuro dos filhos, os pais sentem-se impotentes diante desse risco, posto que sempre querem proteger os filhos e percebem que a proteção contra o desemprego eles não podem oferecer.

A senhora Marisa aponta o que vários outros pais também disseram, preocupar-se mais com o futuro dos filhos do que com o seu. É a angústia daqueles que visualizam as dificuldades atuais e as projetam para o tempo vindouro, sabem que maior escolaridade não é garantia de emprego e de inserção no mercado de trabalho e, por isso, temem que o futuro dos filhos possa ser de privações e dificuldades.

Temem, ainda, que os filhos não consigam inserção no mercado de trabalho em condições melhores que as suas. Pochmann (2004, p. 223) confirma o medo dos pais ao afirmar que “na maior parte das vezes, os jovens não conseguem obter condições de vida e trabalho superiores às de seus pais, mesmo possuindo níveis de escolaridade e formação profissional superiores”.

Observou-se que os pais possuem certo temor diante da possibilidade de fracasso dos filhos, devido à baixa qualidade da educação ofertada, vista como inadequada para viabilizar o sucesso no mercado de trabalho, às freqüentes crises de desemprego que afetam o país, à concorrência cada vez mais acirrada por um emprego, à constante exigência de maior escolaridade, fatores estes que se configuram como barreiras a um futuro melhor.

Num primeiro momento, pode até parecer antagônico o fato de desejarem um futuro bom para os filhos e, ao mesmo tempo, demonstrarem tantas preocupações e medo. Mas, os pais, mesmo não compreendendo que a sociedade está em constantes transformações em que a estrutura ocupacional apresenta descontinuidades singulares e até certo ponto imutáveis, com dificuldades insuperáveis para prover empregos para uma população jovem crescente, sabem que, para estar integrado ao mercado de trabalho, é preciso ter o que o próprio mercado e a mídia chamam de “diferencial”. Diferencial que seus filhos não possuem, por estudarem numa escola pública com baixa qualidade e pela falta de condições de fazerem cursos paralelos e complementares.

Ela fez curso básico de computação, fez de Inglês, fez dois anos de Inglês, tinha vontade de continuar, mas a gente não pode por falta de recursos. Todos os cursos que ela fez foi com bolsa, o de Inglês foi no Know How e o Magazine Luiza patrocinou. O de computação foi pelo Pró-criança, foi um curso muito basiquinho de três meses, mas deu para ter alguma noção, e isso já é um diferencial. (Cleonice, 39 anos, 7 filhos, confeiteira, 2º grau completo).

Compreende-se que os pais desejam que os filhos tenham acesso ao conhecimento, que façam cursos complementares, mas a baixa renda familiar não possibilita colocá-los como prioridades do orçamento familiar, no caso da filha de Dona Cleonice, que dependeu de bolsas de estudo para fazer dois cursos “basiquinhos”, um patrocinado por uma grande loja de departamentos e o outro como parte das ações do Pró-criança. Alguns jovens que trabalham priorizam cursos complementares de informática e de línguas estrangeiras (inglês e espanhol foram os mais citados). Mas, a maioria dos pais disse não ter condições financeiras para pagar esses cursos.

Muitas dúvidas, muitas incertezas, inclusive muitos objetivos sendo modificados no momento, a gente percebe que saindo do ensino médio eles não vão conseguir o que querem, a realidade é diferente do sonho, e eles estão começando a cair na realidade, vai ter que modificar fazer outra coisa porque a faculdade que eles queriam, pelo menos no momento não vai dar. (Marisa, 47 anos, 2 filhos, professora, superior completo)

A senhora Marisa é casada, professora de Geografia no ensino médio, mãe de dois filhos que cursam o 3º ano, convive com intensa aflição, uma vez que reconhece a importância da continuidade de estudo para seus filhos, no entanto, a baixa renda familiar51 impede que eles tenham acesso ao ensino superior privado e sabe que diante do ensino que

51 Marisa não é efetiva no Estado; no momento da entrevista contava com apenas 16 aulas semanais e recebia

R$ 500,00 mensais pelo trabalho que desenvolve na Escola da Família, à custa de sacrificar todos os seus sábados e domingos e privar-se, nesses dias, da companhia da família. O marido é costureiro e ganha por peça, o que lhe confere um baixo salário; não possui casa própria, portanto, parte do salário é destinada ao pagamento de aluguel.

recebem não vão ingressar em universidades públicas; sente que os filhos também vivenciam dúvidas e incertezas, diz que a filha gostaria de fazer medicina e o filho engenharia civil. Ficou visível no rosto dessa mãe o sentimento de indignação, uma vez que é professora e não pode oferecer aos filhos condições de obterem uma vida mais digna. Sofre ao ver que os projetos dos filhos eram sonhos que ao se confrontarem com a realidade precisaram ser modificados; o que a mãe visualiza, em curto prazo, é um cenário em que a família precisa buscar alternativas para possibilitar a continuidade de estudos dos filhos:

Uma alternativa seria cursinhos, mas aí vem o lado financeiro, porque pra isso teria que ter condições financeiras pra eles fazerem bons cursinhos pra suprir o que o ensino médio deixou a desejar. A alternativa que encontro é que eles consigam passar no vestibulinho para o cursinho da UNESP. (Marisa, 47 anos, 2 filhos, professora, superior completo). Novamente, estampa-se a angústia de reconhecer que os bons cursinhos preparatórios para o vestibular são prerrogativas para os filhos das camadas privilegiadas. Se o ensino médio deixou a desejar, dificilmente se recupera o conteúdo; para os jovens pobres que querem prestar vestibulares resta competir por uma vaga na vestibulinho da UNESP52, ou, como disseram outros pais, disputar uma vaga no também disputado vestibulinho da industrial53, para fazer curso técnico.

Diante desse quadro de tantas incertezas, de sonhos e medo de frustrações, verifica- se que as oportunidades educacionais, assim como as ocupacionais estão ligadas aos interesses das classes privilegiadas, que querem e podem garantir um futuro melhor para seus filhos, sendo assim, preservam as melhores oportunidades para o usufruto deles e, ainda, estabelecem um rígido controle para que as classes subalternas tenham dificuldades de acesso a qualquer oportunidade que possa significar ameaça ou concorrência.

Porém, existem pais que não demonstram grandes preocupações em relação ao futuro do filho, um emprego que lhe garanta acesso ao consumo, muitas vezes, pode significar uma grande conquista:

Olha no momento, ele só tá envolvido com a compra do carro e mais nada. Até deixou, igual ele ia começar esse ano um curso de Segurança ali no SENAC, já deixou adiado para poder comprar o carro que é

52 O curso preparatório para vestibular oferecido por alunos da UNESP – Franca no Programa de Extensão

Universitária, e recebe grande número de inscrições, sendo elevado o número de candidatos por vaga.

53 A Escola Dr. Júlio Cardoso, popularmente denominada, em Franca, escola industrial é atualmente

vinculada à Secretaria de Ciências e Tecnologia do Estado de São Paulo e à Fundação Paula Souza – CETEPS e oferece cursos técnicos de Enfermagem, Telecomunicação, Eletrônica, Mecânica, Contabilidade, Administração.

parcelado, não vai dar para pagar os dois. (Celso, 3 filhos, 39 anos, 7ª série, mecânico).

Como o estudo não é garantia de um futuro melhor, entre pagar um curso de “Segurança”, que não lhe assegura acesso a um emprego melhor, a preferência é pela compra do carro. Nas suas representações, isso possui um grande significado, simboliza uma conquista, status, identidade dentro do grupo ao qual pertence, e, mesmo dentro da própria família, ele ganha o reconhecimento de responsável, já que, com apenas 19 anos possui carro e essa conquista por si só é suficiente para que a vida adquira algum sentido. Melhor viver o hoje, não estabelecer planos para o futuro; o estudo pode ser adiado, a compra do carro não, pois ela representa a afirmação da identidade do jovem trabalhador bem sucedido.

A maioria dos pais estabelece a relação entre ser adulto e a aquisição de responsabilidades adquiridas no trabalho:

Acho que para se tornar adulto ele precisa de menos proteção, eu acho, começar a trabalhar, porque eu acho que quando a gente começa a trabalhar a gente tem uma nova, um diferencial, uma visão diferente daquele casulo do pai e da mãe protegendo, então, enquanto pai e mãe ta protegendo, ele enxerga de uma maneira; a hora que começa a trabalhar, a visão com relação à vida muda. (Marisa, 47 anos, 2 filhos, professora, superior completo).

Mas ela já é tão adulta, (16 anos) ela sempre foi muito precoce, não sei se é porque é a mais velha, eu sempre exigi mais dela, ou porque ela trabalha desde os 13 anos, assume as suas contas. Ela é muito adulta. (Cleonice, 39 anos, 7 filhos, confeiteira, 2º grau completo).

Uma outra “virtude” atribuída ao trabalho é o fato dele ser patrocinador de responsabilidade, e esta, por sua vez, é vista como condição para se tornar adulto. Houve uma quase unanimidade de pais que apontaram o trabalho como condição para ser adulto. Porque dele decorre a independência financeira em relação aos pais, e estes não tendo mais que assumir suas despesas, passam a considerá-lo como portador de responsabilidade e, portanto, um adulto.

Também chamam atenção a fala da senhora Marisa que relaciona o tornar-se adulto com o fim da proteção dos pais. Portadora de escolaridade em nível superior, ela assume, juntamente com seu marido, o papel de protetora dos filhos, que, mesmo crescidos, são vistos como crianças, e diz:

Meus filhos são muito inseguros, eu acho que essa parte de responsabilidade é minha, porque eu tomo frente em tudo que eles vão fazer, tanto eu como meu marido corremos atrás de tudo, tomamos as

decisões para eles, então eles são inseguros e têm muita dificuldade de fazer as coisas sozinhos.

A fala da senhora Marisa difere da maioria dos pais, que afirmam que os filhos trabalham desde cedo e por isso, são independentes. A mãe reconhece a sua falha no excesso de proteção e somente agora com os filhos jovens, percebe que muita proteção inibe a autonomia do ser humano. Como conseqüência, os jovens encontram mais dificuldades para alcançar a estabilidade emocional e a independência necessária para enfrentar os desafios da exigência da sociedade moderna. Nesse quadro, as referências pessoais acabam sendo visivelmente mais frágeis, resultando em risco de constituir um adulto imaturo e inseguro.