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1. A Teoria do Símbolo Religioso de Tillich

1.2. A Teoria do Símbolo Religioso no Sistema de Paul Tillich: Aspectos

1.2.1. A Natureza do Símbolo Religioso

Em diferentes ocasiões, Tillich organizou sua apresentação das características do símbolo de modo diferenciado. Todas as listas têm características comuns, mas não são idênticas. Na primeira lista, em The Religious Symbol (1940), Tillich apontou quatro características gerais do símbolo. Em Religious Symbols (1955), limitou-se a duas, e em

The Meaning and Justification of Religious Symbols (1961) apresentou uma lista

parecida com a primeira, mas com uma quinta característica. Comparando as listas chegamos a um total de cinco características básicas:

(1) Qualidade Figurativa

Era costume de Tillich iniciar a apresentação de sua teoria do símbolo pela diferenciação entre símbolos e sinais. É claro que eles têm algo em comum; “Símbolos são similares aos sinais em um aspecto decisivo: ambos, símbolos e sinais, apontam para além de si mesmos, para alguma coisa mais” (MW4[RSKG]:395). É uma característica comum que nem por isso deixa de ser importante; assim, a primeira, e mais básica característica do símbolo, seria a sua qualidade figurativa, implicando que a atitude interna do sujeito se dirige, não para o símbolo, propriamente, mas para aquilo que está simbolizado nele, que é uma realidade mais elevada.

Assim, o caractere escrito pode ser considerado um símbolo para a palavra, e a palavra, um símbolo para o seu significado. A devoção ao crucifixo é realmente dirigida à crucifixão no Gólgota, e a devoção ao último intenciona, na realidade, a ação redentiva de Deus, que é, em si mesma, uma expressão simbólica para uma experiência do incondicionado transcendente (MW4[RS]:243).

(2) Poder Inerente

Deixando, entretanto, essa semelhança geral, a ênfase de Tillich se encontra nas diferenças entre os sinais e os símbolos. Uma segunda característica do símbolo seria o seu poder inerente advindo de seu caráter necessário, em contraposição ao mero sinal, que é fruto de convenção. O símbolo emerge de um processo não-controlado de aquisição de sentido e tem um apelo existencial que o sinal não tem. O símbolo pode perder seu poder e voltar a ser mero sinal, mas sua “vida” independe da vontade

individual (MW4[RS]:254). Esta característica se aproxima bastante da terceira (“participação na realidade expressa”), mas preferimos tratá-la separadamente, em razão da ênfase dada por Tillich ao caráter necessário do símbolo, que o sinal não apresenta.

(3) Participação na Realidade Expressa

Há uma razão porque os símbolos não podem ser substituídos por conveniência, como os sinais. É que símbolos participam da realidade e do poder do que eles

expressam (MW4[RSKG]:396; [MJRS]:415), ao passo que os sinais não apresentam

esta característica. Assim, de algum modo, os símbolos têm uma relação especial com seus referentes que o sinal não tem. Essa diferença era, para Tillich a diferença fundamental. O exemplo clássico é o da “bandeira”; embora ela não seja o país, não é apenas um sinal dele; é um símbolo, de modo que a atitude do indivíduo para com a bandeira reflete sua atitude para com aquilo que ela representa. Assim, a bandeira participa daquilo que simboliza. Palavras podem ser, tanto sinais, como símbolos. A presença de uma função simbólica em palavras é marcada pela presença de conotações que vão claramente além do que elas apontam literalmente como sinais. Muitas palavras são carregadas de sentido simbólico.

(4) Perceptibilidade (Poder Revelante)

Além dessa característica fundamental que distingue o símbolo de meros sinais, Tillich identificou outras particularidades do símbolo. Em 1940 ele usou o termo

perceptibilidade, para descrever a capacidade do símbolo de dar objetividade, isto é, de

tornar perceptível, algo que é intrinsecamente invisível como, por exemplo, o conceito de “mais valia” simbolizando a exploração econômica na consciência do proletariado.

Em 1955 ele descreveu esta característica como a capacidade de abrir para nós níveis

de realidade para os quais a linguagem não-simbólica é inadequada. Tillich introduz

esta característica com uma observação muito interessante: “Se os símbolos representam algo que eles não são, então a questão é: ‘Por que não vamos diretamente àquilo que eles representam? Por que precisamos de símbolos, enfim?’ ” (MW4[RSKG]:397). Trata-se do problema da relação entre o símbolo e o seu referente, que discutiremos mais adiante. Tillich acreditava que o próprio símbolo é a via de acesso ao referente, por meio de sua capacidade singular de nos dar experiências cuja natureza é irredutível ao universo empírico. Uma pintura de Rubens, por exemplo, nos conduz a uma experiência de sentido que não pode ser atingida por outra via, nem por descrições verbais, que só é dada por meio da particularidade daquela pintura. Semelhantemente, o símbolo seria capaz de pôr diante de nós a realidade que ele representa e, ao mesmo tempo, de abrir a nossa alma a essa realidade (MW4[RSKG]:397), nos dando acesso “[...] às dimensões e estruturas da nossa alma que correspondem às dimensões e estruturas da realidade” (Tillich, 1985:31; MW5[DF]:251). E isso ocorre, sempre, por meio da particularidade daquele símbolo; pois “Cada símbolo tem uma função especial que é justamente esta, e não pode ser substituída por símbolos mais ou menos adequados” (MW4[RSKG]397).

(5) Aceitabilidade

Uma quinta caracterísica seria, como Tillich se expressou em 1940, a sua

aceitabilidade. O símbolo teria raízes sociais e se manteria por laços sociais. Assim, o

símbolo não surge antes, mas simultaneamente ao processo de sua aceitação, sendo, portanto, criado por um “ato social”. Indivíduos não têm o poder de criar símbolos,

mesmo que eles tenham um papel especial em sua aparição; o símbolo “não pode ser criado à vontade” (MW4[1961]:416).

Além da diferença entre símbolos e sinais, uma segunda distinção fundamental para Tillich é entre os símbolos, em geral, e os símbolos religiosos. Os símbolos abrem janelas para diferentes níveis de realidade, mas os símbolos religiosos abrem janelas para o nível supremo, que é o nível do Ser, do incondicionado transcendente, dando-lhe perceptibilidade. Símbolos ordinários se referem a realidades que têm existência objetiva não-simbólica. Já os símbolos religiosos

[...] se distinguem dos outros pelo fato de que eles são uma representação daquilo que está incondicionalmente além da esfera conceptual, apontando para a realidade última, implicada no ato religioso, o incondicionado transcendente [...] [os símbolos religiosos] devem expressar um objeto que, por sua própria natureza, transcende tudo o que há na ordem empírica, portanto, um objeto que não pode adquirir um caráter objetivo por meio de um ato do espírito” (MW4[1940]:255).

O “material” dos símbolos religiosos é tomado da “infinidade” que a realidade nos apresenta. Tudo pode se tornar um símbolo do Santo, mesmo que não seja o Santo em si; tal só é possível porque o Santo percebido nas coisas é, na realidade, o fundamento último do ser. O que torna algo símbolo e participante do Sagrado, em certo momento, é a sua capacidade de, em dada situação, representar uma forma especial de relacionamento da mente humana com o fundamento divino. Assim, a melhor forma de compreender o sentido e função de um símbolo religioso é perguntar: “Qual é o relacionamento com o supremo que é simbolizado nestes símbolos?” (MW4[RSKG]:399). Poderíamos dizer, pois, que o símbolo religioso toma, do material comum das experiências temporais do homem, aqueles aptos para representar sob certas condições, uma forma de relação do homem com o incondicionado, na medida em que esta se torna explícita à consciência.

Exatamente esta possibilidade é a fonte da ambigüidade de todos os símbolos religiosos. Desde que eles têm a tendência de substituir o seu referente, aquilo que intendem representar, de tal modo que se tornam ídolos. A idolatria seria a absolutização dos símbolos do Santo, e sua identificação com o próprio Santo. O símbolo, sob tais condições, torna-se demônico e sujeito à crítica profética, que põe a ênfase na incondicionalidade de Deus.