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1. A Teoria do Símbolo Religioso de Tillich

1.2. A Teoria do Símbolo Religioso no Sistema de Paul Tillich: Aspectos

1.2.5. Tipos de Símbolo Religioso

Tillich divide os símbolos religiosos em dois níveis: o nível de transcendência e o nível de imanência, com vários subgrupos. No primeiro nível estariam os símbolos que apontam para além da realidade empírica: temos aí o grupo dos seres divinos e o próprio conceito de Deus como o “ser supremo”, que representam o que é supremamente referido nos atos religiosos. A idéia de Deus é um símbolo que aponta para o incondicionado transcendente, mas que também se refere literalmente a um objeto com certas propriedades e ações. A consciência religiosa se dirige a este objeto, mas quer atingir o incondicionado: “Na palavra ‘Deus’ está contido, ao mesmo tempo, aquilo que de fato funciona como representação e também a idéia de que é apenas uma

representação” (MW4[RS]:264). Como já vimos, o conteúdo positivo e relacional do símbolo é fruto de uma atribuição humana ligada à experiência concreta do incondicionado. E o conteúdo negativo é a consciência do incondicionado, um conhecimento negativo. Este último cancela o valor cognitivo do elemento positivo, “crucificando” o símbolo. Por esta razão, exigir a fé em um Deus que é um ente pessoal é uma “obra” religiosa, um ato sacrifical de auto-destruição da mente humana (MW4[RS]:264).

No segundo grupo, ainda dentro do primeiro nível, ele inclui, inicialmente, as caracterizações da natureza e dos atos de Deus, pressuposto como objeto. Estes símbolos não provêem conhecimento objetivo, mas consciência (awareness) verdadeira do incondicionado (MW4[RS]:265). Mais tarde (1955), Tillich dividirá este grupo em dois: o grupo dos atributos e o grupo dos atos de Deus. O segundo grupo de símbolos do primeiro nível abarca, portanto, as qualidades ou atributos de Deus, tomados das qualidades que experimentamos e que não podem ser aplicados a Deus literalmente.

O terceiro grupo de símbolos do primeiro nível reúne os atos de Deus, incluindo a criação, o envio de Cristo, a escatologia, etc, como símbolos que dizem respeito mais diretamente à nossa relação com o incondicionado. Ele usa como exemplo paradigmático a expressão “Deus enviou seu Filho” (God has sent his son): teríamos aqui, numa única sentença, a atribuição de temporalidade (has), espacialidade (sent), causalidade (has sent) e substância (God e son), isto é, de categorias do ser ao fundamento do ser. Literalmente, seriam absurdos, mas, simbolicamente falando, seriam expressões da relação entre Deus e o homem na experiência cristã, isto é, da experiência cristã do incondicionado (MW4[RSKG]:400).

Na passagem do primeiro nível, de transcendência, para o segundo nível, de imanência, temos certa inconsistência na apresentação de Tillich. Em 1955, ele

identifica as aparições da divindade no tempo e no espaço como símbolos de imanência. O conceito central, aqui, é o de Encarnação, que não seria, de modo algum, uma particularidade do cristianismo. Tema recorrente no paganismo, teria a função de destacar a imanência da divindade: “Quanto mais transcendentes os deuses se tornam, mais as suas encarnações em caráter pessoal ou sacramental tornam-se necessárias para superar a condição remota do divino que surge com o fortalecimento da transcendência” (MW4[RSKG]:401). Em 1961, no entanto, Tillich identifica a encarnação como um terceiro “nível” de símbolos “primários” (isto é, um terceiro grupo de símbolos do primeiro nível), que comporia todas as manifestações da divindade no interior da realidade finita, em coisas e objetos. Além disso, ele identifica a dinâmica dessa identificação das manifestações divinas na finitude como “presença sacramental”, afastando-se um pouco de sua classificação de 1955, na qual os sacramentos compõem um grupo separado.

A aparente dúvida de Tillich quanto ao nível adequado para os símbolos encarnacionais – se entre símbolos de transcendência ou entre símbolos de imanência – tem uma explicação natural: uma idéia de “encarnação” envolve, por sua própria natureza, uma noção a respeito dos “limites” entre a transcendência e a imanência e, assim, a respeito da relação entre o incondicionado transcendente e as realidades condicionadas. Possivelmente, seria melhor isolar um nível de símbolos “intermediários”, que seriam os símbolos cujo foco é a “encarnação”, ou a presentificação do divino na criaturidade.

Entre os símbolos de imanência, incluem-se todos os objetos históricos e naturais que recebem caráter sacro, pela associação com a religião (MW4[RSKG]:400- 401). Devido ao significado empírico e histórico desses objetos para a consciência (mesmo que eles efetivamente não existam), tais símbolos representam a presença do

incondicionado na ordem empírica (MW4[RS]:265). Em 1955, Tillich distinguiu aqui entre os símbolos “sacramentais” que, como símbolos, tornam-se portadores do sagrado em certa situação,13 e os diversos objetos naturais que contém referência aos objetos do primeiro nível, e que são sinais quase-simbólicos, como velas, água, óleo, edifícios, lugares, ritos, palavras, etc (MW4[RSKG]:401). Apresentamos, abaixo, uma tabela com a categorização de Tillich para os símbolos religiosos:

Níveis Simbólicos Grupos Simbólicos Símbolos

Grupo 1: Conceitos e atribuições de Divindade

Deus Pessoal Grupo 2: Atributos da

Divindade

Justiça, Amor, Poder, Misericórdia

Nível 1: Símbolos de Transcendência

Grupo 3: Atos de Deus Criação, Salvação, Consumação, Julgamento Grupo 4: Aparições da Divindade no Tempo e no Espaço Encarnação, Teofanias Grupo 5: Símbolos Sacramentais

Batismo, Ceia do Senhor Nível 2: Símbolos de

Imanência

Grupo 6: Sinais com força Simbólica

Edifícios, Lugares Santos, Relíquias, Livros, Cruzes

Onde poderíamos localizar o símbolo da Queda? É difícil fazer isso, desde que a Queda não é, exatamente, um símbolo do Incondicionado. Se considerarmos, no entanto, que a Queda aparece dentro da tríade Criação-Queda-Redenção, e que pode ser pensada como a negação da Criação, poderíamos classificá-la no mesmo grupo que a Criação. Esta é por Tillich incluída no nível dos símbolos transcendentes, no terceiro grupo, como um dos atos de Deus. Nesse caso, a Queda figuraria como um símbolo transcendente, parasitário do símbolo da Criação, no grupo dos símbolos dos atos de

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Tillich introduz, aqui, uma interessante discussão, ao argumentar que o debate entre Zwínglio e Lutero teria, realmente, envolvido uma grande confusão semântica. Lutero teria, na verdade, defendido o caráter verdadeiramente simbólico dos elementos, ao afirmar a presença divina neles, ao passo que Zwínglio, em defendendo que os elementos seriam “apenas símbolos”, na verdade os considerava apenas “sinais” (MW4[RSKG]:401).

Deus. De fato, se considerarmos o fundo Schellingiano da teologia de Tillich, poderíamos relacionar a Queda como resultante de um “momento”, por assim dizer, da dinâmica trinitária.

Seja como for, algo bem concreto é dado a nós por Tillich em Existential

Analysis and Religious Symbols (1956): “No centro do simbolismo de muitas religiões

nós encontramos o contraste da queda e salvação juntamente com um largo grupo de símbolos corroborantes” (MW6[EARS]:393). Isso reforça a intuição de que Tillich reconheceu a centralidade da Queda na estrutura simbólica do cristianismo e de sua importância para a interpretação da religião.