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CAPÍTULO II A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

6.4 No Código de Defesa do Consumidor

O artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor prescreve que

335 Idem, ibidem, p. 129. 336

RECURSO ESPECIAL - DÍVIDA DE SOCIEDADE LIMITADA - EXECUÇÃO FRUSTRADA - REDIRECIONAMENTO AOS BENS DE SÓCIO - ARTS. 592, II, E 596 DO CPC - RESPONSABILIZAÇÃO SECUNDÁRIA, OU SUBSIDIÁRIA, QUE EXIGE SITUAÇÃO ESPECÍFICA, PREVISTA EM LEI.

1. Normalmente, os bens do sócio não respondem por dívidas da sociedade.

2. Apenas em casos previstos em lei deve ser aplicada a responsabilização secundária, ou subsidiária, estabelecida nos Arts. 592, II, e 596 do CPC.

3. Tais artigos contêm norma em branco, vinculada a outro texto legal. Não podem - e não devem - ser aplicados de forma solitária. Por isso é que em ambos existe a expressão "nos termos da lei".

4. A desconsideração da personalidade jurídica é artifício destinado à profilaxia e terapêutica da fraude à lei.

- Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Nancy Andrighi e Castro Filho votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

Processo: REsp 401081/TO; Recurso Especial 2001/0150286-8 - Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros - Relator para Acórdão: Ministra Nancy Andrighi. - Órgão Julgador: T3 – Terceira Turma - Data do Julgamento: 06/04/2006 - Data da publicação: DJ 15/05/2006, p. 200.

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Dec. 3.708/1919, art. 10: “os sócios gerentes ou que derem o nome à firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação de contrato ou da lei.”

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houve abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

(...)

§5ºTambém poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

O Código de Defesa do Consumidor, no art. 28, é o primeiro dispositivo legal a se referir à desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, tais são os desacertos do dispositivo em questão que pouca correspondência se pode identificar entre ele e a elaboração doutrinária da teoria. Com efeito, entre os fundamentos legais da desconsideração em benefício dos consumidores, encontram-se hipóteses caracterizadoras de responsabilização pessoal do administrador que não pressupõem nenhuma desconsideração da forma da pessoa jurídica. Por outro lado, omite-se a fraude, principal fundamento para a desconsideração.

Constituem fundamentos legais para desconsideração em favor do consumidor: a) abuso de direito; b) excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social; c) falência ou estado de insolvência, encerramento ou inatividade provocados por má administração.

Vale ressaltar que, no tocante ao mencionado na letra a, é evidente a correspondência entre o dispositivo legal e a teoria desconsideração. Importa lembrar que o art. 50 do Código Civil tomou o fundamento “abuso do direito” como gênero único a permitir a desconsideração nos negócios privados.338

Os fundamentos, porém, referidos na letra “b” dizem respeito a tema societário diverso, acerca da responsabilidade do sócio ou representante legal da sociedade por ato ilícito próprio, isto é, embora relacionado com a pessoa jurídica, o ato gerador de responsabilidade, nesse caso, pode ser imputado diretamente a quem incorreu na irregularidade (sócio ou representante legal), não representando a personalidade jurídica própria da sociedade nenhum obstáculo a essa imputação. Já os fundamentos agrupados pela letra “c” referem-se à responsabilidade por má administração, que é, igualmente, tema diverso de direito societário, em cuja sede a

338

Art. 50, CC: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, ...”

personalização da sociedade não impede o ressarcimento dos danos pelo administrador.

A teoria da desconsideração, como visto, tem pertinência apenas quando a responsabilidade não pode ser, em princípio, diretamente imputada ao sócio, controlador ou representante legal da pessoa jurídica. Se a imputação pode ser direta, se a existência da pessoa jurídica não é obstáculo à responsabilização de quem quer que seja, não há porque cogitar do superamento de sua autonomia.

Não há, portanto, desconsideração da pessoa jurídica na definição da responsabilidade de quem age com excesso de poder, infração da lei, violação dos estatutos ou do contrato social ou por qualquer outra modalidade de ilícito.

Percebe-se que o legislador consumerista copiou na íntegra os atos imputados ao sócio no art. 135, III, do Código Tributário Nacional339. Ocorre que como já dito, também não é caso de desconsideração o que se vê no referido diploma legal, mas mera imputação pessoal direta do sócio por conduta tipificada em lei específica.

Importa ressaltar que também copiou na íntegra as hipóteses ensejadoras de responsabilidade, conforme se vê do enunciado do art. 10, do Dec. 3.708, de 10 de janeiro de 1.919, que regula a constituição de sociedades por quotas de responsabilidade limitada.340 Ou seja, onde a conduta está tipificada na lei imputando responsabilidade ao sócio, é dispensável e tecnicamente indevida a aplicação da desconsideração.341

Fabio Ulhoa Coelho afirma que, no tocante ao § 5º do art. 28 do CDC, numa primeira e rápida leitura pode sugerir que a simples existência de prejuízo patrimonial suportado pelo consumidor seria suficiente para autorizar a desconsideração da pessoa jurídica, porém, essa interpretação meramente literal, no entanto, não pode prevalecer por três razões:

339

CTN, art. 135: são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

III: os diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica de direito privado. 340

Dec. 3.708/1919, art. 10: “os sócios gerentes ou que derem o nome à firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação de contrato ou da lei.”

341

- Em primeiro lugar porque contraria os fundamentos teóricos da desconsideração. Como mencionado, a disregard doctrine representa um aperfeiçoamento do instituto da pessoa jurídica, e não a sua negação. Assim, ela só pode ter a sua autonomia patrimonial desprezada para coibição de fraudes ou abuso de direito. A simples insatisfação do credor não autoriza, por si só, a desconsideração, conforme assenta a doutrina na formulação maior da teoria.

- Em segundo lugar, porque tal exegese literal tornaria letra morta o caput do mesmo artigo 28 do CDC, que circunscreve algumas hipóteses autorizadoras do superamento da personalidade jurídica.

- Em terceiro lugar, porque essa interpretação equivaleria à eliminação do instituto da pessoa jurídica no campo do direito do consumidor, e, se tivesse sido esta a intenção da lei, a norma para operacionalizá-la poderia ser direta, sem apelo à teoria da desconsideração.342

Para Fabio Ulhoa Coelho, o dispositivo em questão (CDC, art. 28, § 5º) é plenamente aplicável às sanções impostas ao empresário, por descumprimento de norma protetiva dos consumidores, de caráter não pecuniário. Por exemplo, a proibição de fabricação de produto e a suspensão temporária da atividade ou fornecimento (CDC, art. 56, V, VI e VII). Se determinado empresário é apenado com essas sanções e, para furtar-se ao seu cumprimento, constitui sociedade empresária para agir por meio dela, a autonomia da pessoa jurídica pode ser desconsiderada justamente como forma de evitar que a burla aos preceitos da legislação consumerista se realize. Note-se que a referência, no texto legal, a “ressarcimento de prejuízos” importa que o dano sofrido pelos consumidores tenha conteúdo econômico, mas não assim a sanção administrativa infligida ao fornecedor em razão desse dano.343

342

COELHO. Fabio Ulhoa, Curso de Direito Comercial: direito de empresa, vol II, 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 52.

343

Para o Ministro Ari Pargendler344, a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica excepcionalmente foi recepcionada no Direito do Consumidor e pelo Direito Ambiental, não prevalecendo os pressupostos previstos no Código Civil (confusão patrimonial e abuso do direito), para ensejarem a desconsideração que, nesses casos específicos, visam remover os obstáculos ao pleno ressarcimento dos prejuízos sofridos.

Entende-se que o legislador previu no caput as hipóteses para desconsideração e no § 5º assinalou que, mesmo que nenhuma das hipóteses tipificadas no caput ocorram, mas que, por exemplo, encontre o consumidor um obstáculo345 constituído pela separação patrimonial para ter reparado o seu prejuízo, poderá, também, o juiz declarar a desconsideração da personalidade jurídica que autoriza a expropriação dos bens do sócio da empresa fornecedora.

344 RESPONSABILIDADE CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. SHOPPING CENTER DE OSASCO-SP. EXPLOSÃO. CONSUMIDORES. DANOS MATERIAIS E MORAIS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. PESSOA JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO. TEORIA MAIOR E TEORIA MENOR. LIMITE DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS SÓCIOS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REQUISITOS. OBSTÁCULO AO RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS CAUSADOS AOS CONSUMIDORES. ART. 28, § 5º. - Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa

da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum. - A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera

demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).

- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.

- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

- Recursos especiais não conhecidos. Processo: REsp 279273/SP; Recurso Especial 2000/0097184-7 - Relator: Ministro Ari Pargendler - Relator para Acórdão: Ministra Nancy Andrighi - Órgão Julgador: T3 – Terceira Turma - Data do Julgamento: 04/12/2003 - Data da publicação: DJ 29.03.2004 p. 230 - RDR vol. 29, p. 356.

345 Agravo de instrumento 75615200 – TJ/PR – Des. Cyro crema – j. 04/05/1999. Decisao: Acordam os desembargadores integrantes da Quinta camara civel do Tribunal de Justica do Parana, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo de instrumento. Ementa: agravo de instrumento. Sucessao de empresas. Banco Bamerindus do Brasil S/A em liquidacao extrajudicial e Banco HSBC Bamerindus do Brasil S/A. Legitimidade passiva do segundo, como sucessor. Direito do consumidor - inteligência do artigo 28 da lei nº 8.078/90. Desconsideração da pessoa juridica. Recurso improvido. 1. A transferência de parte de um estabelecimento não afasta a ocorrência da chamada sucessão de empresas, pelo que o Banco HSBC Bamerindus S/A., ao adquirir do Banco Bamerindus do Brasil S/A. parte dos bens corpóreos e incorpóreos, consistentes em depósitos, descontos, empréstimos, contas-corrente, cobranças, caixas de seguranca, instalacoes e agencias, sucedeu a este. 2. Mesmo que lei das sociedades anonimas nao contemple a hipotese de sucessao societaria, em se tratando de pretensao indenizatoria na qual o correntista responsabiliza o banco pelo pagamento de cheque furtado, sao de todo aplicaveis as disposicoes da lei nº 8.078/90 (codigo de defesa do consumidor) que, no seu art. 28, estabelece, com embasamento nos principios que vieram da teoria da desconsideracao da personalidade juridica, obice intransponivel a validade de deliberacoes que revelem abuso de direito, desvio da aplicação da lei, e defraudação a credores, sempre que a pratica fraudulenta ocorra em detrimento do consumidor, eliminando-se o obstáculo ao ressarcimento de prejuízos.

Em conclusão, portanto, a melhor interpretação judicial dos artigos de lei sobre a desconsideração (isto é, os arts. 28 e § 5º do CDC, 18 da Lei Antitruste, 4º da Lei do Meio Ambiente e 50 do CC) é a que prestigia a contribuição doutrinária, respeita o instituto da pessoa jurídica, reconhece a sua importância para o desenvolvimento das atividades econômicas e apenas admite a superação do princípio da autonomia patrimonial quando necessário à repressão de fraudes, à coibição do mau uso da forma da pessoa jurídica e para ressarcir os prejuízos efetivamente causados ao consumidor.