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Os Limites Subjetivos da Coisa Julgada e a Legitimidade Passiva na

CAPÍTULO II A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

7. QUESTÕES PROCESSUAIS DA DESCONSIDERAÇÃO

7.2 Os Limites Subjetivos da Coisa Julgada e a Legitimidade Passiva na

passiva e os limites subjetivos da coisa julgada, institutos fundamentais para entender a responsabilidade do sócio na desconsideração da personalidade jurídica de sua empresa no processo.

7.2 Os Limites Subjetivos da Coisa Julgada e a Legitimidade Passiva na Desconsideração

“A coisa julgada faz do branco preto; origina e cria as coisas; transforma o quadrado em redondo; altera os laços do sangue e transforma o falso em verdadeiro”. Eduardo Couture, depois de relembrar essas palavras proferidas por Scassia, conclui que essa justificativa não é absoluta, e afirma que o certo é que na sistemática do direito a necessidade de “certeza” é imperiosa; toda a matéria do controle da sentença não é outra coisa senão uma luta entre as exigências da “verdade e da certeza”.361

O entendimento dos limites da coisa julgada assume fundamental importância, pois, como já visto no estudo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pode ocorrer que o patrimônio de pessoas que não tenham integrado a relação processual na fase de cognição, possa ser atingido na fase executória.

Nos dizeres de Flávia Lefévre Guimarães362, tal fato implicaria em alto grau de excepcionalidade e, de certa forma, contrariando o due process of law,

360

Apud SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo.13.ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 411. 361

COUTURE, Eduardo J.. Fundamentos do direito processual civil, RED Livros, Campinas, 1999, p. 329. 362

bem como outros princípios constitucionais, máxime o da ampla defesa e os meios a ela inerentes, previsto no art. 5º, LV, da Constituição Federal e, também, o artigo 472, do Código de Processo Civil, o qual estabelece os limites subjetivos da coisa julgada363 nos seguintes termos: "A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros...".

Salvatore Satta364 afirma que a sentença não tem unicamente validade entre as partes, porém, ainda em relação a terceiros, enquanto essa, como qualquer outro ato jurídico, resguardante as partes entre as quais intervém, existe e tem validade para todos. O que ao invés não pode a sentença fazer é “prejudicar” outros que não sejam partes, como é óbvio.

Segundo Chiovenda, como todo ato jurídico relativamente às partes entre as quais intervém, a sentença existe e vale com respeito a todos. Por conseguinte, não convém firmar como princípio geral que a sentença só prevalece entre as partes; na verdade é o contrário. Releva em vez disso, asseverar que a sentença não pode prejudicar outros, que permaneceram estranhos à lide. Por prejuízo não se compreende um prejuízo de mero fato, e sim um prejuízo jurídico. Assim, por exemplo, o credor pode ser prejudicado “de fato” por julgados que reconhecem novos débitos de seu devedor, mas nem por isso pode impedir-lhes os efeitos que lhe são danosos.365

Para Couture, os limites subjetivos da coisa julgada consistem em determinar os sujeitos de direito aos quais a sentença prejudica ou beneficia.366 Ordinariamente, só pode ser alcançado pelo efeito da coisa julgada aquele que tenha integrado o processo de conhecimento,observando-se a regra do art. 472 do Código de Processo Civil.

Para Enrico Tulio Liebman, no instituto são identificáveis dois aspectos intrínsecos um ao outro, mas absolutamente distintos. O primeiro é o denominado pelo autor de “eficácia natural da sentença” e o segundo, que decorre da lei — ato de vontade do Estado — a imutabilidade da sentença. Sendo assim, é importante percebermos que a eficácia natural da sentença tem efeito erga omnes, contudo, a imutabilidade da sentença vale apenas, por força de lei (art. 472, do

363

Op. cit., p. 149. Para Flávia "o entendimento que prevalece é o de que a desconsideração da personalidade jurídica não pode ser aplicada de forma irrestrita e sem medida, mesmo que em nome da garantia do direito da parte mais frágil na relação de consumo, devendo ser respeitados os princípios da ampla defesa e o limite do alcance da coisa julgada". 364

SATTA, Salvatore. Direito processual civil, vol. I, 7ª ed., Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 1973, p. 243. 365

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, vol. 1, 1ª ed., Ed. Bookseller, Campinas, 1998, p. 499/500.

366

CPC) para as partes que com esta qualidade funcionaram no processo.367

Liebman referiu-se à questão das obrigações solidárias como uma das mais tormentosas no que tange à matéria, respondendo da seguinte forma:

As complicações e os inconvenientes de todas essas soluções são tantos que não se pode amainar a polêmica. E parece que a conclusão mais justa será a de ampliar-se ao terceiro a eficácia da sentença, mas sem a autoridade da coisa julgada, deixando-lhe, pois, íntegra a faculdade de contestar a eficácia da sentença.368

Segundo Teresa Wambier e Medina369, o que se deve por em destaque é que, mesmo que seja relevante o tema em debate, tal como ocorre nas ações de estado, a sentença proferida na ação constitutiva em princípio não pode produzir efeitos em relação àqueles que não participaram do processo, pois a regra é a de que a coisa julgada somente atinge aqueles que tenham efetivamente participado do processo.

Via de consequência, só pode ser alcançado pelo efeito da coisa julgada aquele que tenha integrado a relação processual no processo de conhecimento,observando-se a regra do art. 472, do Código de Processo Civil.

Rubens Requião coloca tormentosa questão aos juízes ao questionar se indagará o juiz, em seu livre convencimento, se consagrará a injustiça ao aplicar o art. 472, do CPC, ou, sabendo que por detrás do véu da pessoa jurídica, o sócio, durante a fase processual cognitiva, a tudo assistia e, representando a mesma, inclusive se defendia, ou, ao contrário, o incluirá no polo passivo para responder com seu patrimônio pessoal pelos atos ilícitos que pessoalmente praticou, embora em nome de terceiros.

Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deve desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que, dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos.370

367

Manual de Direito Processual, p. 99. 368

Idem, Ibidem, p. 102. 369

WAMBIER. Teresa Arruda Alvim e MEDINA. José Miguel Garcia, O dogma da coisa julgada, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 192.

370

Segundo Fabio Ulhoa Coelho, o juiz não pode desconsiderar a separação entre a pessoa jurídica e seus integrantes senão por meio de ação judicial própria, de caráter cognitivo, movida pelo credor da sociedade contra os sócios ou seus controladores.371 Assim, quem pretende imputar ao sócio ou sócios de uma sociedade empresária a responsabilidade por ato social, em virtude de fraude na manipulação da autonomia da pessoa jurídica, não deve demandar esta última, mas a pessoa ou as pessoas que quer ver responsabilizadas. Se a personalização da sociedade empresária será abstraída, desconsiderada, ignorada pelo juiz, então a sua participação na relação processual como demandada é uma impropriedade. 372

Ocorre que tal posicionamento doutrinário (e mesmo o jurisprudencial mencionado), embora coerente com o enunciado do art. 472 do CPC, já não é convincente para afastar a irrefutável verdade de que o sócio estava por detrás do véu que o separa da pessoa jurídica durante o processo de conhecimento. Se o sócio representou a pessoa jurídica durante a fase de cognição, a tudo assistindo por detrás do véu da pessoa jurídica, será razoável que se constitua nova ação para comprovar o que já está comprovado apenas e tão somente porque a coisa julgada material não pode alcançá-lo? Entende-se que não.

Esse é o posicionamento dos Ministros Fátima Nancy Andrighi373,

371

Pessoa Jurídica - Teoria da desconsideração - Inaplicabilidade - superação da regra do art. 20 do CC que exige o devido processo legal - Impossibilidade de se alcançar o ente jurídico por dívida de sócio em simples despacho ordinatório da execução - Mandado de segurança concedido.

A doutrina da superação ou desconsideração da personalidade jurídica traz questão de alta indagação exigente do devido processo legal para a expedição de um provimento extravagante, que justifique invadir a barreira do art. 20 do CC. Não é resultado que se alcance em simples despacho ordinatório da execução, do arresto ou do mandado de segurança, todos de cognição superficial.

Nada existe nos autos que autorize tal violência contra a impetrante. Ao contrário, justifica-se, no caso, plenamente que o mandado de segurança que apresente como sucedâneo de embargos de terceiro não interpostos (cortando pela raiz a discussão sobre o cabimento dos embargos de terceiro contra o ato impugnado da autoridade coatora).

Concedem a segurança, revogando a determinação que bloqueia a alientação ou transferência de registro dos animais da impetrante no Jockey Club de São Paulo e no Jockey Club do Rio de Janeiro.

Presidiu o julgamento, com voto, o Juiz Jacobina Rabello e dele participou o Juiz Rodrigues de Carvalho. São Paulo, 11 de abriu de 1990. RT 657 - p. 120/121

372

COELHO. Fabio Ulhoa, Curso de Direito Comercial: direito de empresa, vol II, 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 56. 373

PROCESSO CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA. SÓCIOS ALCANÇADOS PELOS EFEITOS DA FALÊNCIA. LEGITIMADADE RECURSAL.

- A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens particulares de seus sócios, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros.

- O sócio alcançado pela desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária torna-se parte no processo e assim está legitimado a interpor, perante o Juízo de origem, os recursos tidos por cabíveis, visando a defesa de seus direitos.Recurso ordinário em mandado de segurança a que se nega provimento.

Processo: RMS 16274/SP; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 2003/0060927-0 - Relator: Ministra Nancy Andrighi - Órgão Julgador: T3 – Terceira Turma - Data do Julgamento: 19/08/2003 - Data da publicação: DJ 02/08/2004 p. 359; RDR vol. 30, p.432. (nossos grifos)

Jorge Scartezzini374 e Felix Fisher375, os quais se debruçaram em profundos estudos para formularem seus brilhantes relatórios com fundamentação nos escopos sociais, jurídicos e políticos da jurisdição e, à unanimidade entenderam ser dispensável a ação autônoma para pretigiarem a efetividade do processo.