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3 O FIM DA ALIANÇA ENTRE O GETULISTA DE PRIMEIRA HORA E O HOMEM DA GAITA

3.4 A ALIANÇA COM OS SINDICATOS

3.5.2 Novas dissidências

Com as negociações entre a coalizão dominante e a coalizão alternativa, a aliança entre a tendência do getulista de primeira hora, Edison Cavalcanti, e a tendência do homem da gaita, José Buaiz, sofreu um abalo irreversível. Em setembro de 1952, Buaiz renunciou à vice-presidência do PTB no Espírito Santo. Sua renúncia estava ligada à oferta de um acordo aos dissidentes, de vários postos chaves na administração estadual, que teria sido recusada, ensejando em impasses e

desentendimentos continuados. A Gazeta, na ocasião, aventou que a saída do empresário acarretaria em ressonâncias profundas no partido, uma vez que o então vice-presidente vinha conduzindo o PTB na Assembleia Legislativa estadual no sentido de apoiar o Executivo. Sua saída, então, seria “capaz de maiores reflexos e significação e capaz inclusive, de afetar o próprio comportamento do PTB no âmbito da política espírito-santense”210.

Já no ano de 1953, os acordos com a coalizão alternativa e o rompimento com o PSD abalariam novamente a já precária harmonia organizativa do PTB capixaba. Antes de mencionar tais aspectos, cumpre registrar que, desde os primórdios do chamado Acordo de Cambuí, protagonizado pelo PSD e PTB para o pleito de 1950 no Espírito Santo, havia intranquilidade na aliança entre esses partidos. Prova disso é que, logo em dezembro de 1951, um projeto do deputado petebista Argilano Dario para beneficiar a cidade da cidade de Cariacica-ES, seu reduto, com calçamento de ruas foi rejeitado na Assembleia Legislativa Estadual ensejando uma crise não só com o PSD, mas também interna no PTB. O episódio exigiu uma reunião e um debate por parte do PTB em torno do rompimento com o PSD. O fiador da permanência na base do governo pessedista de Jones dos Santos Neves teria sido o vice-presidente do PTB, José Alexandre Buaiz 211.Nessa ocasião, Buaiz afirmava

que somente nos municípios do interior havia interesse no rompimento com o PSD.212

Ainda na mesma ocasião, o jornal oficial do PSD abordava que o PTB há muito possuía uma ala dissidente intransigente, o que envolvia o partido em outro problema, visto que Buaiz era um “diplomático e pelo seu vasto círculo de relações, vinha constituindo um verdadeiro esteio petebista na direção de seu órgão central”213. Segundo constava, para o jornal, a decisão era irrevogável e “possue

210 O DEPUTADO José Buaiz renuncia a vice-presidência do PTB capixaba. A Gazeta, p. 01, 24 set.

1952. p. 01.

211 NOITE de São Batolomeu na política capixaba. A Gazeta, Vitória, p. 01, 13 dez. 1951. 212 NÃO existe o impasse PTB-PSD. A Gazeta, Vitória, p. 01, 15 dez. 1951.

[sic] razões muito sérias e profundas e o fato poderá determinar, mesmo, novos rumos para a política estadual”, além de, ironicamente, o diário falar no surgimento de uma outra ala: “a dos sedentos por vingança”214.

A influência de José Buaiz era inegável na coalizão dominante e nos rumos políticos do PTB capixaba, tanto que sua saída poderia mudar a posição da sigla na política estadual. Ou seja, o poder da gaita, ou seja, o poder sobre a zona de incerteza financiamento - tal como o domínio sobre outra zona de incerteza, a comunicação – era considerável e parecia ser usado na aliança com o PSD e no apoio ao governo de Jones dos Santos Neves.

Os financiamentos são “os canais por meio dos quais aflui o dinheiro para financiar a organização” (PANEBIANCO, 2005, p. 69). Em partidos com um único financiador externo, tal elemento exerce um poder sobre a organização. Já em partidos com o financiamento mais difuso, “nenhum dos financiadores se encontra nessa posição [de poder], e o controle está nas mãos daqueles agentes internos que presidem as operações de coleta de fundos” (PANEBIANCO, 2005, p. 70).

Acomodando, geralmente, as duas características, nos partidos “o controle sobre essa zona de incerteza costuma depender dos contatos privilegiados que um ou outro ator organizativo consegue estabelecer com financiadores externos” (PANEBIANCO, 2005, p. 70). Assim, o controle do financiamento também recai sobre um maior controle do ambiente por parte de um ator ou grupo. Nesse sentido, é razoável supor que a diplomacia e o vasto círculo de relações que A Gazeta atribui a José Buaiz passava por seu poder financeiro. Conforme já mencionamos, a candidatura de Vargas foi alavancada em Vitória-ES por meio dos esforços financeiros do empresário, assim como o jornal Folha do Povo contou com a gaita de Buaiz. Dessa forma, aventa-se que os bons negócios rendiam também bons amigos ao ex-vice-presidente do PTB. Entretanto, o episódio de sua saída do cargo no partido também pode demonstrar que seu predomínio nessas zonas não era suficiente para manter o PTB capixaba no rumo desejado por sua tendência.

A partir desse momento, evidencia-se um “racha” na coalizão dominante do PTB. Os jornais Folha do Povo e A Gazeta, alinhados ao governo de Jones dos Santos Neves, passam a tecer diversas objeções à tendência liderada por Edison Pitombo Cavalcanti e, principalmente, à sua própria pessoa. Nesse sentido, em 25 de setembro de 1952, A Gazeta justifica a saída de Buaiz como resultado de

[...] um jogo político (...) com visíveis modificações no comportamento do PTB capixaba e (...) com o fito exclusivo e injustificado de dar ao próprio sr. Pitombo um prestígio que, na realidade, teria ele jamais usufruído no panorama partidário espírito-santense [...]215

Se durante a aliança com o PSD, Edison Cavalcanti era retratado nos jornais como um político digno, porque gozava de prestígio entre as figuras dominantes do trabalhismo nacional, a partir de então o presidente do PTB será criticado por ser uma espécie de outsider da política capixaba. A disputa entre as duas tendências da coalizão dominante também demonstra a força do getulismo, quando operado pelos amigos de Vargas, e do centralismo do PTB, concentrado na Executiva Nacional. Cavalcanti, de fato, se tratava de um elemento outsider da política capixaba. Ao que consta, veio para o Espírito Santo com o intento de ajudar na fundação do PTB, porém, ficou fora da política até a volta de Vargas ao Executivo Federal. Entretanto, o seu tipo de dominação, baseada na lealdade ao getulismo desde o Estado Novo, foi suficiente para construir uma tendência e alijar dois políticos capixabas do comando do PTB, Saturnino Mauro, em 1950, e José Buaiz, em 1952. Indo além, Cavalcanti era diretor geral do SAPS, portanto, permanecia a maior parte do tempo no Rio de Janeiro para exercer o cargo, de modo a não se envolver em questões partidárias imediatas, e, ainda assim, comandava um grupo que A Gazeta dizia ser comandado “radarmente, através a (sic) política de gabinetes no Distrito Federal”216.

A aliança com o PSD, cumpre elucidar, fora uma determinação da Executiva

215 Morcegando. A Gazeta, Vitória, p. 01, 25 set. 1952. p. 01. 216 Morcegando. A Gazeta, Vitória, p. 01, 25 set. 1952. p. 01.

Nacional do PTB, uma vez que os pessedistas, contrariando as determinações nacionais do partido, apoiaram a candidatura de Getúlio Vargas para a presidência da República. (SILVA, 1986, p. 395) Já a alegação de que o PTB “era o único partido que ainda não havia entrado em conflito com o PSD” (SILVA, 1986, p. 396) já foi relativizada quando analisamos o comportamento do partido sob o comando de Saturnino Rangel Mauro. Inclusive, a indisposição de Mauro em relação à aliança com o PSD no pleito de 1950 pareceu ser também um dos motivos de sua exclusão da presidência do PTB capixaba.

O jornal pessedista A Gazeta, em outra oportunidade, rechaçou as críticas à aliança PSD-PTB porque, segundo seus críticos, ela se pautava somente em distribuição de cargos. Para o jornal pessedista a aliança se assenta mais em questões políticas do que em troca de vantagens e compensações. Continuando, o jornal ligado ao PSD defendia que a indicações das funções de destaque recebidas pelos petebistas se deram devido ao seus esforços na eleição de Santos Neves, “sem o prejuízo, entretanto, da independência do Executivo Estadual no que diz respeito ao modo de condução da máquina administrativa”217.

A aliança entre PTB e PSD também foi pautada em um programa. As questões urbanas ganhavam destaque nos discursos de Santos Neves por meio de uma maior ligação com os trabalhadores e de ações voltadas a infraestrutura básica (SILVA, 1986, p. 402). Tratava-se de uma política de bem-estar social, relacionada ao investimento em saúde, habitação, saneamento e educação gratuita. Essa política teria o desenvolvimentismo preconizado por Vargas como pano de fundo, assentado nos investimentos em saneamento, produção, transportes e energia, implementados por meio de um planejamento como meio de organização das ações governistas (SILVA, 1986, p. 416).

Entretanto, como já citamos anteriormente, esse esforço requeria administrações técnicas em setores chave, o que não chegou a contrariar os interesses de grande parcela do PTB capixaba. Com isso, essa independência retratada por A Gazeta era

fruto da configuração da coalizão dominante no PTB capixaba. Conforme elucidou Marta Zorzal e Silva (1986), quando intentava substituir um elemento indicado do PTB para algum posto chave no planejamento de governo, o governador Jones dos Santos Neves recorria à direção nacional do PTB, por intermédio do presidente do partido no Espírito Santo, Edison Pitombo Cavalcanti.

Trantando-se de um governo inspirado nos planos industriais e desenvolvimentistas desenvolvidos por Getúlio Vargas e, sendo Cavalcanti um amigo pessoal do presidente da República, a independência do governo nas indicações passava por um desequilíbrio de poder em que a coalizão dominante do PTB dominava as indicações aos cargos no governo estadual e retirava a voz da coalizão alternativa nesse campo.

Voltando às boas relações de José Buaiz, elas se estendiam a vários outros partidos. Na ocasião de sua renúncia, os deputados estaduais Clovis Stenzel e Eurico Rezende teceram elogios e lamentaram a saída de Buaiz da vice-presidência do PTB. Porém, a declaração mais importante para este trabalho, demonstrando o “racha” que vivia o PTB, é a do deputado petebista Lauro Calmon Nogueira da Gama. Em sua manifestação na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, Nogueira da Gama manifestou apoio e simpatia ao renunciante, declarando que, desde o início, foi contrário à permanência de Edison Cavalcanti à frente do PTB capixaba. Na mesma ocasião, o também deputado petebista Argilano Dario preferiu a cautela e declarou que, após a apreciação da renúncia, a coletividade do PTB daria maiores informações acerca das motivações da renúncia218.

Adiantando Argilano Dario, A Gazeta apresentou suas impressões quanto a renúncia de José Buaiz, que seria uma forma de discordar do rumo que o “presidente à distância”, pretendia impor ao partido. Então, segundo a coluna, formaram-se dois lados e duas opiniões diversas, sendo que um desses lados era do “rebento expressivo” de uma família que, para o jornal, contribuía para o progresso do estado. Nas palavras do jornal pessedista, Buaiz era um exemplo de entusiasmo e

desprendimento com a agremiação, levando para o partido o risco de montar uma empresa editora de jornal, além do risco de sua atividade comercial e empresarial para o progresso do Estado. Para o jornal pessedista, o outro lado era comandado por Edison Cavalcanti, “o agraciado pela simpatia pessoal do sr. Getulio, com um bem rendoso emprego no SAPS”, ou seja, aquele que “nada legou de útil e pratico à coletividade e siquer (sic) ao seu próprio partido”219. Após diversas outras

considerações sobre os dois, o diário insinuou que “uma delas será a que mais convem ao Espírito Santo e a nós que somos, realmente, a colectividade capixaba”. A publicação pode ilustrar o que já se aventou nesse trabalho, ou seja, que o poder de Buaiz nas disputas internas do PTB era atribuída, em boa medida, à força de seus recursos - a gaita – e de sua relação com o ambiente externo. Já a liderança de Edison Cavalcanti era baseada nos laços de amizade com Getúlio Vargas. Ao que parece, houve um desequilíbrio de poder no seio da coalizão dominante, fazendo com que a tendência de Cavalcanti tomasse os rumos do PTB de forma unilateral. Considerando-se que o jornal A Gazeta é ligado ao PSD capixaba, quando tal veículo se posicionou ao lado de José Buaiz, percebe-se que o empresário, se não era um dos principais fiadores da aliança com o PSD capixaba, tinha os pessedistas em sua rede de boas relações.