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Na formação do PTB capixaba é notória a influência de elementos do partido no município do Espírito Santo, como era chamada a cidade de Vila Velha-ES. Entre 1931 e 1938, a cidade permaneceu anexada ao município de Vitória-ES. Já entre 1939 e 1943, a cidade gozou de autonomia administrativa, o que, porém, não durou muito e a cidade foi novamente anexada ao municipio de Vitória-ES em 1943, tendo a nova autonomia da cidade chegado somente em 1947, por meio da atuação de petebistas nesse processo independentista.

A população canela-verde, até, pelo menos, a década de 1980, era constituída, em sua maioria, de trabalhadores que moravam na cidade, mas trabalhavam e estudavam na capital, Vitória-ES. Além disso, durante as décadas de 1940,1950 e 1960, a cidade abrigava grande contingente de trabalhadores, contando com bairros operários tradicionais, redutos de ferroviários e portuários, como São Torquato, Garrido, Paul, Cobi, Argolas, Ilha das Flores, Aribiri, e redutos de trabalhadores da fábrica de chocolates Garoto, como o bairro da Glória.

O presidente do PTB estadual, Saturnino Rangel Mauro, foi uma das lideranças mais destacadas de Vila Velha-ES. Eleito deputado estadual em 1947, com 896 votos, Saturnino tornou-se, durante a Assembleia Constituinte Estadual, o 3º secretário na Mesa. Já com a aprovação da constituição estadual, Saturnino ocupava os postos de 2º vice-presidente (1947) e 1º vice-presidente (1948). Durante a atuação de Saturnino na Assembleia Legislativa, o PTB atuou com relativa independência frente ao Palácio Anchieta. Sua atuação era voltada, sobretudo, à defesa dos interesses de bairros suburbanos da Grande Vitória-ES, principalmente de Vila Velha-ES.

Seus esforços foram pautados pela defesa da autonomia do município de Vila Velha- ES, ocorrido com a promulgação da constituição estadual, em 1947, dos direitos dos trabalhadores da iniciativa privada e órgãos públicos e de melhoramentos para bairros periféricos e operários da Grande Vitória-ES. Em 08 de abril de 1947,

Saturnino criticava a deficiente distribuição de água em bairros suburbanos de Vitória-ES, encaminhando um pedido de moradores para que se instalassem duas torneiras na Glória, bairro tradicional de Vila Velha-ES.49 Dias depois, Saturnino faz

crítica às demissões de servidores públicos, por parte do governo, pedindo cautela para não se criar perseguições políticas. Cita, na ocasião, o caso de um fiscal de rendas do município da Serra-ES, que exercia tal função há cerca de 16 anos. Segundo ele, o fiscal não era filiado, mas simpatizante declarado do PTB, prestigiando um trabalhista para deputação estadual.50

Merecedor de destaque é sua atuação na constante crítica aos serviços da prestadora de serviços de bondes, Companhia Central Brasileira Força Elétrica (CCBFE), sobretudo na linha Vila Velha-Paul. Ao fim de 1949, em setembro, a Comissão Especial de Inquérito sobre a Central Brasileira, que tinha Saturnino Mauro como membro, findou seus trabalhos. O relatório afirmava que somente por meio da encampação poderia se devolver ao Estado o caminho para o progresso.51

A encampação, entretanto, não foi para frente durante os anos vindouros.52

Isso demonstra que a participação política de Saturnino Mauro deveria ser mais autônoma em relação do Governo do Estado, visto que a manutenção da sua base eleitoral dependia, enormemente, do quanto ele conseguia levar as demandas dos bairro operários da cidade de Vila Velha-ES aos deputados e ao Governo do Estado. Na composição partidária, Saturnino Mauro comandou estruturação da sigla, logo após as eleições de 1947. Na ocasião, em reunião no mês de maio, o PTB designou Saturnio Rangel Mauro, José Monteiro Peixoto e Gualter Oliveira para constituírem a

49 ASSEMBLEIA Constituinte Estadual. A Gazeta, Vitória, p. 01, 08 abr. 1947. p. 01. 50 Id., 24 abr. 1947. p. 01.

51 A encampação da Central Brasileira: o parecer da Comissão Especial. A Gazeta, Vitória, p. 01, 16

set. 1949. p. 01.

52 A campanha pela encampação volta à tona com toda a força nos anos finais da década 1950, com

o surgimento da Escelsa Espírito Santo Centrais Elétricas S/A em 1956, com fito de cuidar da construlçao de usinas no estado, além de racionalizar o sistema elétrico promovendo uma gradativa encampação de pequenas empresas e, posteriormente, da CCBFE. A partir de 1968, a CCBFE e a Escelsa se fundiram em uma só empresa pública, formando a nova Escelsa, sob controle federal (RIBEIRO, 2005)

Comissão Estadual de Coordenação, “[...] com poderes para processar a reestruturação do nosso Partido, neste Estado [...]”53 Assim, sua massiva votação, e

seu prestígio em Vila Velha-ES, o garantiu no comando da agremiação trabalhista. Por isso, em outubro de 1947, Saturnino sobe à tribuna da Assembleia Legislativa do Espírito Santo e, em nome do partido, cita a “[...] maldade, a falta de escrúpulo e desrespeito ao pensamento alheio, dos supostos chefes das correntes políticas- partidárias que pensam ganhar eleições pela […] ameaças e suborno aos incautos e aos tímidos”.54 Dá, como exemplo, a atitude do prefeito do Município do Espírito

Santo (como era chamada a cidade de Vila Velha na época) que, antes de ser nomeado para tal cargo, havia dado ultimatos ao secretariado, convocando-os à reuniões do PSD, assim como obrigando seus fiscais a distribuir convites irrecusáveis aos comerciantes e proprietários residentes no tradicional município. Na mesma ocasião, Mauro reclama também que o presidente da Assembleia, Waldemar Mandes, através do alto falante do partido em Vila Velha-ES disse que o candidato do PSD era candidato do Governador, deixando de lado a liberdade e a democracia do pleito.

Essa oposição ao PSD canela-verde demonstra que seu apoio ao PSD estadual em eleições futuras dependeriam, também, da boa relação com o referido partido em Vila Velha-ES, uma vez que a situação política de Saturnino em seu próprio município interferia diretamente no seu poder de comando nas hostes trabalhistas, tal como na barganha com os elementos adversários.

A força do PTB no munícipio de Vila Velha-ES é evidenciada por ocasião da candidatura do petebista Domício Mendes à Prefeitura Municipal, contra Américo Bernardes, candidato do PSD. Ao que parece, a também oposição de Saturnino Mauro ao PSD na Assembleia Legislativa é permeada pela cisão com o PSD no seu domicílio eleitoral, Vila Velha-ES.

53 FRAGA, Alvaro. Partido Trabalhista Brasileiro: Comunicação A Gazeta, Vitória, p. 04, 31 mai. 1947.

p.04.

Em sua campanha, Domício Mendes prometeu um programa pautado na melhoria “[...] do transporte coletivo, abastecimento de água, serviços de esgotos, assistência social completa, estímulo a fundação de cooperativas de produção e crédito, educação etc., especialmente visando a principal indústria do município, a pesca; construção de matadouros e mercados, etc”55. Ou seja, se Vila Velha-ES era

território fecundo para se conseguir apoio dos trabalhadores urbanos para os candidatos petebistas, as propostas do petebista, veiculadas na mídia, evidenciam essa preocupação, mais voltada às classes populares.

Ao final de 1947, a força do PTB em Vila Velha-ES é evidenciada quando Domício Mendes, coligado com a UDN, vence o candidato do PSD com quase o dobro de votos (2077 contra 1154 votos). Além da vitória majoritária, o PTB ganhou nos votos da legenda com 1279 votos, contra o PSD, com 1145, a UDN, com 540, e o PDC, com 203 votos. A vitória demonstrou o sucesso da atuação dos petebistas em solo canela-verde, tal como consolidou a liderança de Saturnino nas hostes petebistas, haja vista que Domício Mendes, funcionário da Assembleia Legislativa Estadual, era apresentado como seu protegido.56

Passadas as eleições, já no início da gestão de Mendes, A Gazeta publicou uma nota, possivelmente paga por particulares, assinada por Alberto Isaias Ramires, de São João da Barra, fazendo elogios a atuação de Domicio Mendes na PMVV. Para o articulista, Mendes tem

[…] proporcionado uma melhor assistência a pobresa [sic], construindo estradas em todo o município, facilitando sob todos os aspectos a construção de casas [...] saneando bairros insalubres como o de São Torquato [...] construindo açougues em Aribiri e Paul57

55 MOVIMENTO Partidario: Domicio Ferreira Mendes. A Gazeta, Vitória, p. 04, 26 nov. 1947. p. 04. 56 GATTI, Alvino. O escrupuloso Rangel. A Gazeta, Vitória, p. 01, 28 set. 1949 p. 01.

57 RAMIRES, Alberto Isaias. Domicio Mendes cumpre o que promete! A Gazeta, Vitória, p. 04, 03 fev.

A nota, espontânea ou de cunho propagandístico, revela uma preocupação em mostrar uma atuação do prefeito petebista em Vila Velha-ES mais voltada ao bem- estar das classes populares e dos bairros operários do município.

Ao que parece, o grupo de Saturnino e Domício contava com uma ampla rede de comunicação em Vila Velha-ES. Já no início de 1950, A Gazeta engrossou as críticas à ala canela-verde, afirmando que “[...] o jornalzinho do prefeito de Vila velha não fará mais propaganda de seu próprio dono, Domício Mendes [...]”58. Além disso,

Saturnino, confirmando sua liderança no município de Vila Velha-ES, foi lançado candidato a prefeito, contando, em diversos bairros da cidade, tal como o bairro operário de Argolas, com uma poderosa rede de alto-falantes.59 É razoável supor

que, se a ala possuía votos em Vila Velha-ES, isso se devia graças a uma relativa estrutura, contando, inclusive, com um jornal.

A dobradinha Saturnino-Domício causava incômodo não só em seus correligionários, mas também na oposição representada pelo referido jornal. Nesse sentido, A Gazeta ironiza que Domício Mendes seria deputado estadual e Saturnino Mauro, prefeito de Vila Velha-ES nas eleições de 1950. Diz, ainda, que, em 1954, será o inverso e, assim, sucessivamente por anos e anos.60 Havia aí uma demonstração clara de

sinergia entre os dois principais líderes do PTB no município de Vila Velha-ES.

Porém, a atuação de Saturnino Rangel Mauro não estava voltada somente aos interesses dos municípios da Grande Vitória-ES. Por isso, durante o mandato de deputado estadual, Rangel Mauro levou aos deputados e ao governo estadual reivindicações de diversos núcleos do interior capixaba. Seguindo esta linha, em 1947, o deputado apresentou na tribuna da “casa de leis” a demanda do diretório do PTB em Itapemirim-ES, no caso, a construção de escolas para filhos dos trabalhadores da cidade, e pediu, na mesma ocasião, que se procedesse à nomeação de professores para todos os núcleos de trabalhadores nas condições da

58 CRUZEIROS & Centavos. A Gazeta, Vitória, 26 jan. 1950. p. 01, 59 NOTAS Politicas. A Gazeta, Vitória, p. 01, 30 jul. 1950. p. 01.

referida cidade interiorana.61 Ainda nesse sentido, Mauro reclamava providências do

governador contra as coações na campanha eleitoral de Conceição da Barra-ES.62

A força do grupo comandado por Saturnino Mauro estava se estendendo para os núcleos do interior do Espírito Santo. A primeira demonstração de peso eleitoral no cenário capixaba foi reconhecida pelo próprio jornal que criticouo grupo como já anteriormente retratado. Conforme as eleições de 1950 iriam chegando, Jones dos Santos Neves, candidato ao cargo majoritário do Estado, sentiu necessidade de conversar com Saturnino Mauro, que, segundo A Gazeta, poderia lhe garantir votos em Vila Velha-ES e no interior.

Outra demonstração de capilaridade eleitoral do grupo petebista liderado por Saturnino em Vila Velha-ES é demonstrada na campanha eleitoral de 1950, em que o partido fez diversos comícios na Fábrica de Balas Garoto, em prol das candidaturas de Getúlio Vargas (para Presidente), Jones dos Santos Neves (para Governador), Carlos Lindenberg (para Senador), Saturnino Rangel Mauro (para Prefeito canela-verde), Domício Mendes (para Deputado Estadual) e outros elementos do PTB. 63 Assim, a agremiação trabalhista fez forte campanha, “[...]

notadamente, no Municipio do Espírito Santo, onde, inegavelmente, possue poderio [...]”. Também em São Torquato, “forte reduto eleitoral trabalhista”, o PTB realizou comício.64

Segundo consta, o grande núcleo operário residente em São Torquato “[...] compareceu em massa ovacionando os nomes dos candidatos trabalhistas que continuam sua atividade sob a égide do Senador Getúlio Vargas [...]”.65 Sintomática,

então, seria a visita de Vargas, durante sua campanha para a Presidência da República, ao município de Vila Velha-ES, onde foi homenageado pelo Diretório do PTB, demonstrando, com isso, a importância do partido na referida cidade.

61 ASSEMBLEIA Constituinte Estadual. A Gazeta, Vitória, p. 01, 19 jun. 1947. p. 01. 62 ASSEMBLEIA Legislativa Estadual. A Gazeta, Vitória, p. 01, 25 nov. 1947. p. 01. 63 NOTAS Politicas. A Gazeta, Vitória, p. 01, 13 ago. 1950. p. 01.

64 NOTAS Politicas. A Gazeta, Vitória, p. 01, 17 ago. 1950,p. 01. 65 Ibid., p.01.

Dessa maneira, fica evidente que a entrada da ala de Saturnino Mauro nas negociações com o PSD para as eleições de 1950 passava pela ambição de contar com os votos do PTB no municipio de Vila Velha-ES e seus populosos, para os padrões capixabas da época, bairros operários. Vale ressaltar que a eleição para a prefeitura foi impugnada e remarcada para 1951, ao passo que as eleições para a Câmara Municipal de Vila Velha-ES foram oficializadas em 1950, ocasião em que o PTB obteve a maioria da Casa: quatro cadeiras (Jose Buzio da S. Silva; Dionizio Ruy; Manoel Barcelos Neto e Alberto Gaudio Simões); contra a UDN, com três, e o PSD, com duas.

Assim, a liderança da ala de Vila Velha-ES, a ala do jornal da Duque de Caxias, estava se tornando perigosa para os interesses de outras lideranças trabalhistas. A força do grupo comandado por Saturnino estava se estendendo para os núcleos urbanos do interior do Espírito Santo.66 A disputa não se dava por questões

puramente regionais (petebistas de Vila Velha-ES x petebistas de Vitória-ES), mas havia outros elementos em jogo que posicionavam o grupo ligado ao empresário José Buaiz contra o ala do sindicalista Saturnino Mauro. A natureza da oposição assentava-se na discordância com o modo com que Saturnino conduzia a legenda. Dessa maneira, conforme as eleições de 1950 iriam chegando, Jones conversava com Saturnino, que poderia lhe garantir votos em Vila Velha-ES, “[e] [com] o sr. José Buaiz... bem, infelizmente, a colônia síria não vota... mas tem a “gaita”67. A gaita,

entretanto, cantou e, ainda em 1950, uma nota da Comissão Executiva Nacional do Partido Trabalhista Brasileiro comunicou a intervenção na seção estadual, retirando Saturnino de sua Presidência.

66 MORCEGANDO. A Gazeta, Vitória, p. 01, 14 nov. 1950. p. 01.

2.3 AS ELEIÇÕES DE 1950 E A INTERVENÇÃO DA EXECUTIVA NACIONAL NO