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3 O FIM DA ALIANÇA ENTRE O GETULISTA DE PRIMEIRA HORA E O HOMEM DA GAITA

3.3 O JORNAL FOLHA DO POVO E O TRABALHISMO CAPIXABA

3.3.4 O PTB e as questões agrária e agrícola

Se, no plano nacional, o PTB deveria falar com as massas trabalhadoras urbanas, em um estado eminentemente agrário, como o Espírito Santo, a sobrevivência da organização correria um sério risco, caso não intentasse conquistar mentes e corações no interior do Estado. Pensando nisso, quase diariamente, Folha do Povo trazia editoriais abordando temas agrários. O principal tema abordado era a monocultura do café, algo combatido com veemência pelos trabalhistas do jornal. Assim, ao abordarem o problema da broca nas lavouras de café, denunciavam “que a balança econômica nacional, e mui particularmente a do Estado – que se alicerça numa criminosa monocultura – é sensivelmente influenciada pelo café”183. O partido

defendia que o governo deveria focalizar os problemas em torno do café, porém, sem esquecer o incentivo as outras culturas.

Os getulistas pragmáticos, além de cultivarem o carisma de Vargas como meios de mobilização política e social, deveriam “lutar para a manutenção da legislação trabalhista implantada ao longo da década de década de 30 e início da de 40”184.

Essa luta passava pelas relações de trabalho no ambiente rural. Foi por esse movimento que o jornal, havendo notícias tendenciosas dizendo que a lei do salário mínimo não se aplicava ao trabalhador rural, procurou o delegado regional do trabalho, José Pessoa Cavalcante. Para o delegado, o texto da Lei e as declarações do Ministro Segadas Viana demonstram claramente que a CLT se aplicava aos trabalhadores do campo. Aproveitando a questão, o jornal se propagandeou como “o

182 Ibid., p. 01.

183 A Bróca no Espírito Santo. Folha do Povo, Vitória, p. 01, 12 fev. 1952. 184 Ibid., p.01.

arauto credenciado das classes trabalhadoras”185, oferecendo-se para retirar outras

dúvidas dos trabalhadores, e encaminhá-las à Delegacia Regional do Trabalho. Entretanto, o que há de idiossincrático no trabalhismo do PTB capixaba se percebe quando o jornal Folha do Povo imbrica os problemas verificados sobretudo nos meios rurais com a política voltada as zonas urbanas. Se particularmente em Vitória- ES, “nosso comércio não pode em nenhuma hipótese explorar o povo”186 com o

aumento dos preços dos gêneros alimentícios, a solução sugerida a tal problema seria o investimento estatal na policultura, que passaria a sanar o “[...] abandono que sofre o homem do campo [...]”, ao mesmo tempo que diminuiria importação de diversos produtos.

A defesa por moradia aos trabalhadores não se limitava somente à capital e aos seus centros urbanos vizinhos. Posto que, “[...] fiéis a cartilha trabalhista e à confiança que lhe depositam o povo espirito-santense, não se descuidaram da solução dos problemas mas (sic) populares [...]”, representando a Comissão Estadual do PTB, José Alexandre Buaiz e Ely Junqueira, quando, no Rio de Janeiro, conferenciaram com o ministro do trabalho, Segadas Viana, e o presidente da Fundação Casa Popular, Jorge Behering de Oliveira Matos, a possibilidade de construção de casas do tipo popular na capital, Vitória-ES, e no interior do Estado. Assim, se segundo Glaucio Soares (2001), o PTB se deparava “[...] com uma dura realidade [...]” em que “[...] na maioria absoluta dos municípios rurais brasileiros, a política tinha um fundamento sólido na propriedade da terra e era conduzida, exclusivamente por uma oligarquia rural [...]”. Para o autor, enfrentar as oligarquias rurais e a dominação dos coronéis - que dominavam a comunicação e a interação desse contingente populacional com os mercados políticos eleitorais – era uma certeza de derrota. Por isso, “o PTB utilizou ao máximo as dissensões no seio da oligarquia dominante, aliando-se com muita frequência a uma das facções” (SOARES, 2001, p. 163).

185 Ibid., p.01.

Não se descarta o esforço do PTB, nesse sentido, conforme vimos em linhas anteriores, por meio, principalmente, de fundações de diretórios no interior do Estado e de alianças com partidos com maior penetração rural, como era o caso do PSD. Entretanto, os discursos do jornal Folha do Povo podem relativizar essa tese. Havia um esforço por dialogar com essas massas populacionais através da defesa de medidas reais, que visavam, principalmente, ao incentivo à policultura, bandeira tipicamente da pequena produção rural, já que o Espírito Santo não possuía o latifúndio como propriedade da terra dominante. Além disso, pode-se perceber uma tentativa de abarcar os eleitores das zonas urbanas das cidades interioranas do Espírito Santo através de uma política de habitação e combate aos preços elevados. Reduzir o contato dos municípios rurais com o mundo exterior apenas à dominação de oligarcas e coronéis, assim como abordar “esses mesmos contingentes [como aqueles que] eram os mais submissos a dominação dos coronéis e das famílias tradicionais” (FERREIRA, 2013, p.90) seria subestimar a capacidade de escolha e de reconhecimento de interesses mútuos, mesmo que em uma relação de troca desigual, de grande contingente populacional das zonas rurais. Vale relembrar, conforme defendido no primeiro capítulo, que “o poder dos poderosos não é tão poderoso assim” (FERREIRA, 2013, p. 90).

Além disso, quando se empenhava nas questões rurais, o partido parecia também optar por uma outra estratégia: rejeitava os líderes políticos ligados à causa rural como fomentadores das soluções e registravam um apelo ao tecnicismo. Como exemplo disso, podemos citar a declaração do editorialista de Folha do Povo, que, ao defender que a principal medida contra o aumento do preço seria o incentivo à policultura, o insinuou que o fomento à produção agrícola deve ser dado a um elemento técnico, “de reconhecida capacidade, afastados os elementos que já deram provas sobejas de incapacidade nesse setor, senão as coisas ficarão como dantes”187. Ao que parece, nesse momento da política capixaba, o PTB apostou

mais no apelo ao preenchimento de cargos com competência técnica como discurso

visando apoio, do que no confronto direto ou na aliança com facções de oligarcas do campo capixaba. Nesse caso, parece se apresentar um outro suporte da ação dos getulistas pragmáticos, qual seja, o “de natureza ideológica – a doutrina do trabalhismo inglês, que coloriu com tons de eficácia social e de ‘neutralidade’ o fisiologismo e o corporativismo do PTB em seus primeiros anos” (DELGADO, 2013, p. 180).

Curiosamente, José Alexandre Buaiz, elemento influente principalmente na capital do Espírito Santo, como membro da coalizão dominante, ao elencar respostas eficazes contra os problemas de habitação, transporte, alimentação, vestuário, diversão, trabalho e de finanças nas zonas urbanas, apresenta, como eixo principal, o enfrentamento do êxodo rural. Nesse intento, agradaria a Buaiz que o Estado orientasse o jovem do interior e os chefes de família da hinterlandia sobre “a realidade da vida urbana e fazendo-os compenetrados da imensa tarefa que lhes cabe aos ombros”, no caso, a tarefa de atribuir à roça a “patriótica tarefa da produção agrícola”188.

TABELA 4 - População do Espírito Santo – 1940-1980 POPULAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO 1940 1950 1960 1970 1980 Rural 632.224 (80,1%) 758.052 (79,2%) 1.014.887 (71,5%) 877.417 (54,9%) 729.962 (36,0%) Urbana 157.925 (19,9 %) 199.186 (20,8%) 403.461 (28,5%) 721.916 (45,1%) 1.293.378 (64,0%) Total 790.149 957.238 1.418.348 1.599.333 2.023.340

Fonte: Elaborado pelo autor com base nas informações de SILVA (1986)

A astúcia do PTB estava na abordagem não só de problemas que afligiam as classes populares urbanas, mas também os pequenos e médios produtores rurais, uma vez que, como se percebe na Tabela 3, até a década de 1970, a maior parte da população capixaba se encontrava nas zonas rurais, embora desde a década de

1950 houvesse uma incipiente migração do campo para a cidade. Nesse ponto, o PTB se aproximava com a plataforma eleitoral da Coligação Democrática189 de

1950. Em sua plataforma, a coligação derrotada para a aliança PSD-PTB colocava as questões voltadas a pequena propriedade rural como seu eixo. Assim como o PTB, em Folha do Povo, defendiam a fixação do homem no campo, a mecanização da lavoura e o “aparelhamento da agricultura” (SILVA, 1986, p. 403).

O que se apreende dos discursos é que, para os trabalhistas do jornal oficial do PTB, o Espírito Santo vivia um atraso na política agrícola. Sendo assim, cabia mais defender o aprimoramento agrícola do Estado do que uma industrialização. Isso era posto até como medida de contenção do êxodo rural. Ou seja, a forma que os getulistas pragmáticos encontraram para atuar no ambiente rural capixaba não era advogar amplamente sua industrialização, mas defender uma modernização do campo, sem, por aquele momento, tocar na questão da reforma agrária por meio de distribuição de terras.

Por fim, reiteramos que o jornal Folha do Povo nos permite analisar brevemente, mas de forma profícua, o trabalhismo da coalizão dominante do PTB somente até os fins de 1952. Isso acontece porque, já em setembro de 1952, o jornal publica um manifesto, assinado por José Alexandre Buaiz e Armenio Clovis Jouvin, afirmando ter o jornal ultrapassado as capacidades materiais de suas instalações, resolvendo, por isso, fundar uma empresa gráfica para a impressão de jornais e livros, denominada Empresa Gráfica e Publicitária Excelsior S/A, cujo capital seria aberto para novos sócios.

Não sabemos se é devido a essa reestruturação ou a outro imperativo que o jornal não está mais disponível como fonte na Hemeroteca Digital a partir de 30 de

189 Coligação Democrática era a denominação dada para o grupo que comportava os partidos

contrários ao PSD em determinadas eleições estaduais para o período 1945-1964. A primeira Coligação Demcorática surgiu nas eleições de 1947, em que Attilio Vivacqua, pelo PR, disputou a eleição para governador contra Carlos Lindenberg, do PSD. Os partidos que compuseram a coligação variaram conforme as eleições, sendo que, em duas ocasiões, o referido grupo consagrou-se vitorioso no pleito à governadoria, em 1954 e em 1962, com Francisco Lacerda de Aguiar, o Chiquinho.

setembro de 1952, voltando somente em 02 de janeiro de 1953. Entretanto, em sua volta, o jornal já estava sob outra direção, sendo, a partir de então, propriedade de Empresa Gráfica E Publicitária “Folha do Povo” S.A e passava a contar com a direção de José Rodrigues Sette, tendo Alvino Gatti como redator chefe, Berlinck da Silva como gerente e Darly Santos como secretário. Não estava mais nas mãos de petebistas.

Assim, se em seus primeiros dizeres, Folha do Povo se apresentava a serviço da coletividade e das classes laboriosas, depois de vendido, faz propaganda de si como um jornal que “tem procurado manter uma linha de serenidade, em busca de melhores dias para a coletividade através da solução de seus problemas básicos”, além de estar “sempre posta em favor da coletividade, na defesa dos sagrados e indestrutíveis princípios da Democracia e da Verdade”190. Tratava-se, agora, de um

discurso genérico e vago, que demonstrava uma clara mudança em sua linha editorial. O jornal deixava de ser um veículo do trabalhismo capixaba, e se oporia duramente ao PTB a partir do momento em que esse partido entrava em rota de colisão com o governo de Jones dos Santos Neves, do PSD. A coalizão dominante do PTB capixaba e, mais precisamente, a tendência de José Alexandre Buaiz perdia uma importante arma nos jogos internos de poder, qual seja, o domínio de uma zona de incerteza: a comunicação.