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3 O FIM DA ALIANÇA ENTRE O GETULISTA DE PRIMEIRA HORA E O HOMEM DA GAITA

3.4 A ALIANÇA COM OS SINDICATOS

3.5.4 O rompimento com o PSD

A nova configuração na coalizão dominante ensejava novas relações com o ambiente. Ainda em janeiro de 1953, Arnaldo Andrade, já como presidente em exercício do PTB capixaba, advogava que o partido teria uma nova orientação, integrando seus quadros administrativos ao seu programa, assim como defendendo os interesses da agremiação nos acordos por ela empenhados. Essa nova orientação, segundo Andrade, passaria por alguns pontos: proporcionar aos trabalhadores capixabas assistência social - médica, alimentar, etc. -; sanar a oposição de petebistas ao prefeito de Vitória-ES, Ribeiro Martins; apresentar candidato à presidência da Câmara Municipal de Vitória-ES, esperando cumprir o acordo com o PSD; não criar uma hostilidade contra o Poder Executivo Estadual e seus aliados na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, sem fornecer apoio incondicional. Percebe-se, assim, que, se havia um enquadramento de dissidentes da Câmara Municipal de Vitória-ES que se opunha ao prefeito, um tipo de relação com o ambiente já identificado com a antiga ala dissidente de Andrade fora

incorporada ao PTB, no caso, a relação com os trabalhadores através da assistência social.

Entretanto, se a saída da tendência de José Buaiz da coalizão dominante do PTB poderia significar um rompimento com o PSD e com o governo de Jones dos Santos Neves, o detonador do desacordo se deu na eleição da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, em março de 1953. Na ocasião, Jefferson de Aguiar, do PSD, foi reeleito para a presidência da Casa pela terceira vez, tendo como 1ª vice-presidente Eurico de Rezende, da UDN, como 2º vice-presidente Argilano Dario, do PTB, como 1º secretário Lauro Calmon Nogueira da Gama, também do PTB, e como 2º secretário Francisco Schwarz, do PSD.

Após a eleição, ainda no mesmo dia, os deputados petebistas que compunham a mesa renunciaram. Na ocasião, o líder do PTB, Floriano Rubim, justificou a atitude dos seus correligionários falando em atitude “condenável e leviana do PSD”223. Os

petebistas alegavam que o PSD teria descumprido o acordo político outrora construído conjuntamente. Dessa forma, o jornal oficial do PTB serviu de porta-voz dos descontentamentos de uma parcela do partido que ameaçava divulgar publicamente o acordo. Tal grupo afirmava que vários itens do acordo entre as duas legendas não estavam sendo cumpridos, uma vez que o PSD, sobretudo a bancada da “casa de leis” capixaba, vinha fazendo restrições aos petebistas. O ápice dessas restrições se processou naquela instância, “[...] considerando que a eleição verificada resultou no mais completo desrespeito à confiança que o PTB sempre dispensou ao PSD [...]”224, posto que, ao contrário do firmado em acordo, o PSD não

sufragou o candidato trabalhista à 1ª vice presidência.

Essa atitude de denúncia não foi unânime dentro do PTB. No mesmo instante em que a denúncia era escrita, o deputado petebista, Lauro Calmon Nogueira da Gama, enviava um telegrama ao presidente do PTB nacional, João Goulart. Nessa mensagem, Nogueira comunicava a Goulart a atitude dos trabalhistas descontentes

223 ONTEM, na Assembleia. A Gazeta, Vitória, p. 01, 17 mar. 1953. p. 01.

de denunciarem o acordo publicamente, considerando “ser ilegal e precipitada a atitude assumida por oito membros que assim deliberaram sem audiência prévia do Diretório Nacional, como foi sugerido e exigido pelos membros presentes”225. Ao final

do telegrama, Nogueira menciona que ficará afastado do partido, esperando a determinação do diretório nacional, até que se normalize o acordo com o PSD. No dia 20 de março de 1953 uma nota oficial do PTB saiu na imprensa esclarecendo que que a Comissão Executiva “[...] resolveu denunciar o acordo firmado com o PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO, em face das atitudes assumidas por este Partido [...] por ocasião da eleição da mesa da Assembleia Legislativa”226.

Até então, a atitude de Nogueira da Gama pareceu isolada. Nela, é perceptível, à essa altura de vida organizativa, algo que parece já ser típico do PTB capixaba: o apelo a intervenção do diretório nacional nas disputas internas. É bom salientar que não nos parece que os conflitos se originam a partir dessa problemática, eles tiveram causas variadas ao longo da vida organizativa do partido. Entretanto, parece que, diante de um conflito entre duas ou mais alas por alguma questão, uma ala adversária recorre ao arbítrio da direção nacional. Assim, essa observação parece demonstrar um conflito inerente ao PTB capixaba. Diante de um debate ou questão no ambiente externo capixaba, uma ala parece assumir atitude independente da direção central do partido e outra, antagônica, admite uma atitude de caráter centralizada. O conflito pode, também, demonstrar como o partido é centralizado, posto que, diante de uma dissidência, recorre-se sempre ao árbitro nacional.

Prova dessa centralização também encontramos no pedido de exoneração do então prefeito de Vitória-ES, José Ribeiro Martins. Esse, ao receber a carta de rompimento entre o PTB e o PSD, entregou a um membro da Executiva do PTB seu pedido de exoneração. Em carta, segundo o artigo do jornal oficial do PTB, Folha do Povo, Martins afirma que “agia dentro da concepção do regime disciplinar que deve

225 Ibid., p. 01.

presidir os partidos”227. Se a coalização dominante, que outrora comportava as

tendências lideradas por Edison Pitombo Cavalcanti e José Alexandre Buaiz, comandou as indicações aos cargos da burocracia estadual, a saída do prefeito de Vitória-ES pode indicar, também, que pelo menos uma dessas tendências havia rompido com o PSD. Com o passar dos meses de 1953, evidenciou se esse desenlace com os pessedistas era fruto de um acordo entre as tendências dominantes do PTB capixaba.

Conforme já explicitamos, o jornal Folha do Povo deixou de ser veículo do trabalhismo capixaba a partir de 1953. Sendo assim, uma publicação do vespertino veicula o artigo 17, letra C, dos Estatutos do PTB:

Compete ao Diretório Nacional fixar as diretrizes políticas do Partido, autorizando a realização de acordo inter-partidários, quando convenientes desde que submetidos à aprovação do órgão imediatamente superior, sendo destituído aquele órgão que descumprir a diretriz que lhe for traçada228

A questão do jornal se voltava sobre o que aconteceria se o rompimento do acordo PTB-PSD, referendado pelo Diretório Nacional, não contasse com o apoio do Diretório Nacional.

Ainda antes da decisão da direção nacional, o rompimento já acontecia também na Câmara Municipal de Vitória-ES. Indagado se o rompimento se relacionava somente com a bancada do PSD ou também com o governador, o vereador petebista Isaac Rubim afirmou que seria somente com a bancada, se o governador não estivesse apoiando-a. Reiterando que o mesmo valia no legislativo da capital, o vereador estende o rompimento para todo o Estado, sem exceções. Porém, confirma que, caso o prefeito José Ribeiro Martins fosse mantido no cargo, o PTB deveria reexaminar a questão. Nas palavras do vereador, tratava-se, para os trabalhistas, de

227 A exoneração do Prefeito Ribeiro Martins. Folha do Povo, Vitória, p. 01, 20 mar. 1953. p. 01. 228 ...E DURMA com esse barulho. Folha do Povo, Vitória, p. 01, 20 mar. 1953. p. 01.

uma nova vida partidárias, pois “o rompimento significa maioridade e personalidade própria, estando agora o partido livre para realizar, dentro do Espírito Santo, a sua missão político-social”229.

Novas eleições para a composição da Mesa se seguiram, reconduzindo os mesmos petebistas aos cargos aos quais, outrora, foram eleitos. Entretanto, em todas as oportunidades, os deputados do PTB renunciaram. A crise que se seguia não demorou a abalar o partido. Havia rumores de que o deputado petebista Lauro Calmon Nogueira da Gama não estava sozinho, pois havia um novo grupo dissidente no partido disposto a renovar o acordo com o PSD, chefiado por parlamentares e membros do Diretório Estadual230.

Menos de um mês depois de denunciado o acordo com o PSD, o comandante nacional do PTB, João Goulart, referendou o rompimento. Para Goulart, outro posicionamento “não poderia tomar os dignos correligionários, com efeito, tendo em vista, entre outras coisas, os acontecimentos relacionados à eleição da Mesa da Assembleia Legislativa”. Por ocasião do telegrama do comandante maior do PTB, o descontente Nogueira da Gama não mudava seu posicionamento enquanto sua mensagem, enviada no dia do rompimento, não fosse respondida pelo mesmo Goulart. Além disso, Nogueira alertava aos seus correligionários que não deixaria de apoiar o governo de Jones dos Santos Neves, do PSD, devido aos laços de afinidade entre ambos e não renunciaria, como antes, ao cargo de 1º secretário. Assim, se o rompimento entre as tendências de Cavalcanti e Buaiz na coalizão dominante, por ocasião dos acordos com a tendência alternativa liderada por Arnaldando Andrade, ensejaram em uma mudança na relação entre PTB e PSD tendo a eleição como motivo de cisão entre ambas, essa mudança, por outro lado, criou outras novas dissidências dentro do partido.

Embora não explicitada claramente uma relação causal, as novas disputas do PTB foram concomitantes às substituições nas delegacias regionais de autarquias do

229 CÂMARA Municipal de Vitória. A Gazeta, Vitória, p. 01, 25 mar. 1953. p. 01. 230 DIVIDE-SE o PTB capixaba. Folha do Povo, Vitória, p. 01, 30 març. 1953.

Ministério do Trabalho. Ainda em abril de 1953, o partido discutiu a situação do então delegado regional do IAPI, Leopoldo Rossi, “tendo em vista seus desserviços ao partido naquela autarquia231. Rossi acabou saindo do cargo, dando lugar para o

presidente do Diretório Municipal do PTB em Colatina-ES, Alcy de Almeida. No mesmo sentido, aventava-se que Cavalcanti havia solicitado à Comissão Executiva do PTB uma lista tríplice para indicar ao cargo de diretor do SAPS no Espírito Santo. A partir de então, o PTB capixaba se aproximou das oposições coligadas ao PSD e, com isso, ganhava oposição dos jornais A Gazeta e Folha do Povo, ambos ligados ao governo de Jones dos Santos Neves. Tratava-se, em tal momento, de construir uma aliança com as forças de oposição ao PSD e de arrefecer a nova dissidência criada com a saída da base do governo estadual, visando à Convenção Estadual do partido, marcada para junho de 1953, e às eleições estaduais e nacionais, marcadas para 1954.

Por fim, à medida que a tendência liderada por Edison Pitombo Cavalcanti se aproximava dos getulistas de primeira hora desavisados, a coalizão dominante, formada com a tendência de José Alexandre Buaiz, foi deixando de ser coesa. Uma coalizão dominante deixa de ser coesa, segundo Panebianco (2005), quando, entre outros aspectos, o controle sobre as zonas de incerteza passa a ser disperso.

Os getulistas de primeira hora desavisados constituíam lideranças políticas de Vitória-ES e dos centros urbanos vizinhos à capital. Já a coalizão dominante, orquestrada por José Alexandre Buaiz e Edison Pitombo Cavalcanti, percebendo que o PTB possuía no interior a sua maior expressão eleitoral, optou pela aliança com lideranças do interior do estado. O Espírito Santo se tratava, nesse início da década de 1950, de um Estado maciçamente rural e agrário. Sendo assim, qual a necessidade em se costurar uma aliança com uma dissidência cujo peso eleitoral estava na parcela mínima no cômputo geral das forças políticas?

A própria coalizão dominante do PTB, quando proprietária do jornal Folha do Povo,

231 SUBSTITUIÇÃO do delegado do IAPI por não atender os “interesses do partido”. Folha do Povo,

em diversos números abordou o problema do êxodo rural e a consequente falta de infraestrutura de Vitória-ES e adjacências. Diante de um mundo externo que sofria mudanças em direção a uma maior urbanização, aventa-se que a coalizão dominante de Buaiz e Cavalcanti, na medida em que assentava-se em lideranças do interior do Estado, deixou de dominar uma parcela, ainda que mínima, da zona de incerteza chamada relações com o ambiente externo.

Na crescente migração campo-cidade no Espírito Santo, os dissidentes começavam a ter um incipiente poder de “estipular, ou redefinir, ou fomentar alianças com outras organizações, estabelecer os temas sobre os quais devem ser travados conflitos com outras organizações” (PANEBIANCO, 2005, p. 67). Assim, uma coalizão dominante que desprezasse esse importante recurso, perderia a capacidade de “formular suas estratégias em função dos humores eleitorais” (PANEBIANCO, 2005, p. 67). Porém, o que parece ser determinante na necessidade da coalizão dominante negociar posições com a antiga ala dissidente é o caráter centralizado do PTB. As determinações nacionais de apaziguamento interno pareceram transpassar os conflitos locais, não sem criarem outras dissidências.

Já o rompimento com o PSD após as conversas com a então ala dissidente, pareceu ser mais consequência da saída de José Buaiz, fiador da aliança com os pessedistas, do que consequência da incorporação da nova tendência a coalizão dominante. Ao que parece, no mesmo momento em que Getúlio Vargas agonizava em seu governo, a aliança estabelecida no Espírito Santo entre o PTB e PSD em seu nome, sem um programa em comum, parecia ruir. Ruía, também, a configuração Buaiz-Cavalcanti da coalizão dominante. Saía Buaiz, permanecia Cavalcanti. A novidade, porém, era que novos líderes adquiriam maioridade.

CONCLUSÃO DO CAPÍTULO

O PTB chegou com Getúlio Vargas ao poder, porém, a harmonia organizativa estava longe de se realizar. No Espírito Santo, o partido também fazia parte da base de sustentação do governo pessedista de Jones dos Santos Neves. Entretanto, os conflitos internos entre a coalizão dominante – que comportava as tendências de Edison Pitombo Cavalcanti e José Alexandre Buaiz - e a coalizão alternativa - liderada por Arnaldo Andrade e Adelpho Poli Monjardim - roubavam as atenções dos petebistas.

Entre 1951 e meados de 1952 essa coalizão dominante, ou majoritária, tratava com indiferença as reinvindicações da coalizão alternativa, fora do comando do partido, chamada, então, de dissidentes de fancaria. As duas tendências, que estavam unidas na direção do PTB, dominavam o sistema de incentivos, principalmente os seletivos, e, pelo menos, três outras zonas de incerteza, a comunicação, as relações com o ambiente e o financiamento. Dessa forma, havia uma coesão entre ambas e uma consequente marginalização da tendência alternativa.

Dominando essas zonas de incerteza, a coalizão dominante de Buaiz e Cavalcanti impôs um silêncio ao grupo de Arnaldo Andrade e Adelpho Monjardim, sob o guizo de sequer poder dizer o que para eles significava o trabalhismo nas páginas de Folha do Povo.

Essa disputa revelou, também, uma cisão no seio do PTB capixaba. A ala dissidente, ou coalizão alternativa, comportava, em sua maioria, figuras da capital ou de cidades do entorno de Vitória-ES. A estratégia da coalizão dominante, por outro lado, foi a de apostar nas alianças com lideranças do interior desde as primeiras indicações para os cargos. Entretanto, havia um constante êxodo rural no Espírito Santo e, mesmo que ainda incipiente, não se poderia descartar o potencial eleitoral crescente nas zonas urbanas e em Vitória-ES.

expulsar os dissidentes, e, a partir de meados de 1952 passou a encará-los como companheiros das primeiras horas (porém) desavisados. O ponto final da costura dos acordos se deu com o rompimento da aliança que havia entre as tendências de José Buaiz e Edison Cavalcanti, que sustentava a coalizão dominante do PTB capixaba. Dessa maneira, nova coalizão dominante estava em vias de formação, dessa vez, contando com a tendência de Edison Cavalcanti e a de Arnaldo Andrade e Adelpho Monjardim.

Saindo o fiador da aliança com o PSD, José Buaiz, nova orientação política traçou o PTB capixaba, se afastando do governo pessedista de Jones dos Santos Neves, com a anuência do comando nacional do partido. Mas, até o rompimento com o PSD, o PTB capixaba comportou um movimento dúbio. Ao passo que era a base de um governo que priorizava as políticas urbanas e industrializantes, não deixava de promover alianças e de se sentir notado no interior, base de sustentação de seus votos. Entretanto, torna-se razoável supor que a proximidade com a ala dissidente, influente nos centros urbanos, contribuiu para o rompimento com o governo desenvolvimentista de Jones dos Santos Neves, tendo a eleição da Mesa da Assembleia Legislativa como detonador. Assim, aventa-se que a resistência da coalizão alternativa se assentava em sua influência nos votos urbanos. Ao abrigar esse grupo, a coalizão dominante pareceu julgar não mais necessária a aliança com o PSD para obtenção dos votos do interior e urbanos.

Porém, se entre 1951 e meados de 1953 houve uma desarticulação da coalizão dominante do PTB capixaba causada pelas negociações com a ala dissidente, isso significa que houve um desequilíbrio de poder entre as duas tendências dominantes. O desequilíbrio de poder presente nas negociações com a ala dissidente criou a cisão no seio do comando do partido e a consequente renúncia de Buaiz da vice- presidência do partido. O que se defende neste capítulo é que, apesar da tendência de José Alexandre Buaiz dominar as redes de comunicação do partido, uma parte do financiamento e das relações com o ambiente externo, ou seja, dominar boa parte das zonas de incerteza que influenciam nos jogos de poderes internos de um

partido, não era suficiente. O desequilíbrio na coalizão dominante provinha de uma das principais características do PTB: seu excessivo centralismo. Desse modo, se o comando nacional do partido, e principalmente se Vargas, recomendou a resignação e o apaziguamento para acabar com fissuras internas no partido, até seria possível dominas as diversas zonas de incerteza, mas, em um partido carismático, “o líder representa sua argamassa, e a luta entre os diversos grupos é, definitivamente, uma luta para garantir maior proteção e maiores benefícios por parte do líder” (PANEBIANCO, 2005, p. 123). Na luta pelo comando do PTB capixaba, todos eram getulistas, mas Edison Cavalcanti era mais getulista do que os outros.