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A intensifi cação das ocupações de terra e dos assentamentos no período posterior a 1995 foi uma espécie de efeito de demonstração para os tra- balhadores da lavoura canavieira que passavam por difi culdades de toda ordem. Ao longo do tempo, a idéia de montar um acampamento para se exigir a desapropriação de determinada terra começou a se confi gurar como uma possibilidade cada vez mais plausível diante do signifi cativo número de assentamentos efetivamente implantados.

13 Sobre as condições que propiciaram a associação do MST com os dirigentes desse sindicato,

ver Rosa, 2004a.

14 Ocupações descritas por Sigaud, 2000.

A “forma movimento” como modelo...

Ainda assim, em certas localidades, nem o MST nem a Fetape foram capazes de organizar as pessoas interessadas em montar um acampamento. A Fetape encontrava difi culdade em penetrar áreas controladas por sindi- calistas avessos à idéia de se fazer ocupações. O MST tinha problemas em lugares nos quais o movimento não havia angariado militantes, ou em que as ações propostas não eram consideradas prioritárias nas suas estratégias.

É importante observar ainda que, em certos casos, trabalhadores rurais e moradores de engenho vivendo os efeitos da crise da agroindústria canaviei- ra recusavam as propostas feitas pelos militantes do MST e decidiam não se aliar às suas fi leiras. Um desses casos ocorreu na área da Usina Aliança, no município de Condado, na região norte da zona canavieira. Nos engenhos daquela usina os trabalhadores negaram-se a montar um acampamento e nele colocar a bandeira do MST, ao mesmo tempo em que discordavam do modo pelo qual os sindicalistas rurais da cidade lidavam com o problema

da falta de pagamento de salários e indenizações trabalhistas.16 Como me

confi denciou um desses trabalhadores durante uma visita à sua casa em um dos engenhos abandonados pela usina no ano de 2002: os sindicalistas não estariam fazendo nada e o MST era muito “baderneiro”.

Além do MST e dos sindicatos, havia na região um forte trabalho da Comissão Pastoral da Terra, que tentava ajudar as centenas de trabalhadores dessa usina despejados sem qualquer indenização. O trabalho que se ini- ciou com a distribuição de alimentos e roupas culminou em pouco tempo na ocupação de um dos engenhos. Após a formação do acampamento, os agentes da CPT procuraram aproximar os ocupantes dos militantes do MST e propuseram o hasteamento de uma bandeira do movimento no engenho. A sugestão foi veementemente rechaçada e aquele acampamento fi cou sendo assistido por agentes e advogados da CPT – sem bandeira.

No começo, nós juntávamos toda nossa pauta com o MST ou com a Federação. Dependendo da região, a gente fazia com o MST ou com a Federação. Fazia em parceria com os sindicatos, mas depois o sindicato nunca aparecia ou os trabalhadores brigavam com o outro pessoal e a gente acabou assumindo.17

Esse não foi o primeiro caso no qual a CPT ocupou um papel que tradi- cionalmente era ocupado pelo MST e pela Fetape. Anteriormente, os agentes pastorais já haviam ajudado a organizar (nas suas palavras) e a assessorar juridicamente cerca de cinco outros grupos que promoveram ocupações de terra na região norte da Zona da Mata.

16 A proposta dos sindicalistas era cobrar judicialmente as somas devidas pela usina aos seus

trabalhadores reeditando o modelo tradicionalmente bem-sucedido utilizado pela Fetape desde os anos 60.

Lutas camponesas contemporâneas: condições, dilemas e conquistas

Como vimos no caso de Suape, e também como aponta Sigaud (2000), montar e manter o acampamento é apenas o primeiro passo para que esse tipo de confl ito se estruture. Outra etapa tão ou mais importante é garantir a legitimação do acampamento por meio do reconhecimento por parte do Estado. E foi justamente nesse processo de legitimação que a CPT enfrentou grandes adversidades:

O outro problema é que nós não somos um movimento, mas a gente age como um movimento, por conta disso. A gente organizava e dizia: O acampamento é dos trabalhadores, porque eles têm nossa assessoria, nossa formação, eles têm autono- mia. Mas quando vinha pro Incra e dizia acampamento tal, eles perguntam se era ligado

a quem? Tem que ter uma organização que é a referência, que é a responsável. E acabou a CPT fi cando na lista dos movimentos (Agente da CPT). [sic]

Como pude observar nas palavras da agente da CPT, e durante um trabalho de campo que realizei na sede do Incra em Recife, organizar os acampamentos e representá-los “diante da Justiça” e, principalmente, do Estado é uma tarefa que foi consagrada ao longo da década de 1990 a um

movimento. Fica claro, a partir dessa interpretação sobre o episódio da CPT,

que um acampamento sem movimento não era considerado legítimo diante do Incra – essa instância governamental que concomitantemente se constituíra como a instituição responsável pelo reconhecimento dos

confl itos agrários.18

Somados, esses elementos nos sugerem que a constituição de um modelo do que seria a forma organizada de confl ito não se deu apenas por vontade dos agentes do Estado, como nos esclarece a agente da CPT:

Se não foi em 1999, foi em 2000. Mas, por quê [se começou a pôr bandeira nos acampamentos]? Porque bandeira não é o símbolo da CPT. A gente sempre cos- tuma dizer, é uma coisa bastante polêmica, só aqui no Nordeste que a gente usa a bandeira. A gente costuma dizer que o nosso símbolo mais importante é a Bíblia. Nossa motivação é evangélica. Não foi a CPT que disse que ia criar uma bandeira. Foram os trabalhadores, eles queriam uma bandeira. Eles viam o MST e viam outros movimentos. A Contag tinha bandeira, o MST tinha, o MT tinha bandeira. Por que a CPT não tinha bandeira? Era uma questão deles se identifi carem. Porque nós

não somos um movimento, nós não queríamos ter um símbolo ofi cial da CPT. Mas a gente procura estar junto com outros movimentos. Tinha marcha do MST que tinha bandeira e eles [os trabalhadores]: e nós? De princípio, a nossa vontade era de que eles segurassem a bandeira do MST. Mas eles viam por conta da metodologia que então eles não se identifi cavam tanto e daí eles queriam um símbolo próprio. O símbolo da CPT sempre foi uma cruz, nos acampamentos ainda tem. Acampava e fi ncava uma cruz de madeira. Mas depois eles vieram nas caminhadas e tudo com a cruz, primeiro botaram um pano branco na cruz. Porque queriam uma bandeira

18 Até mesmo em um de seus formulários, o Incra registrava e classifi cava os confl itos por

A “forma movimento” como modelo...

e fi caram forçando. O símbolo é este o que já existe, a logomarca da CPT. Aí bo- taram o verde, por quê? Verde porque era mais a questão da natureza, da reforma agrária com respeito à natureza, verde da esperança de ter terra. Depois a bandeira foi importada para a Paraíba, onde os outros movimentos são fracos. Ainda não é uma coisa assumida nacionalmente. [sic]

Ao se envolverem no mundo das ocupações, dos acampamentos e da intensa socialização nas atividades relacionadas às reivindicações por de- sapropriação de terras, os próprios trabalhadores dos engenhos envolvidos com a CPT passaram a incorporar os elementos da forma movimento. Ao longo das marchas de “sem-terra”, que acompanhei pela cidade de Recife entre 2001 e 2003, sempre se avistava, em meio às centenas de bandeiras, bonés e camisetas do MST, um pequeno grupo trajando as mesmas peças em cor verde, empunhando a bandeira da CPT.

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