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OS INCENTIVOS FISCAIS E A MIGRAÇÃO PARA A AMAZÔNIA

dos. Dessa forma, categorias como “velhos posseiros”, “novos invasores” e “comerciantes de terra” compuseram o quadro analítico, que abordou as principais causas e conseqüências do ciclo de violência que ainda se reproduz em várias cidades paraenses.

OS INCENTIVOS FISCAIS E A MIGRAÇÃO PARA A

AMAZÔNIA

A causa do aumento e agravamento dos confl itos agrários na Amazônia, que remontam principalmente à década de 1970, com a construção da rodovia Transamazônica e o asfaltamento da Belém-Brasília, está ligada ao chamado “milagre brasileiro” do governo Médici e à política agrária sintetizada na consigna de “terras sem homens, para homens sem terra”.

Entre l960 e l970, quando já estava em prática a política de incentivos fi scais para o desenvolvimento da Amazônia, 35,3% das chamadas “terras novas”, concentradas principalmente nessa região, originaram estabeleci- mentos com menos de 100 hectares e 64,7% estabelecimentos com mais de 100 hectares. Em 1975, apenas 0,2% das terras novas foram para esta- belecimentos com menos de cem hectares, enquanto 99,8% foram para estabelecimentos com mais de cem hectares (75% dessa terra foi ocupada

por estabelecimentos com mais de mil hectares).5

3 O conceito de “imagem” só se revela operacional para defi nição das condições de produção

e recepção da mensagem na medida que possibilita a explicitação do processo de correlação que se estabelece entre o locutor, como agente imediato do discurso, e o ouvinte, como ob- jeto de interesse e, ao mesmo tempo, como infl uente nesse mesmo discurso. Portanto, uma análise das condições gerais de produção de um discurso contém dois tipos de informações a serem obtidas: as imagens mútuas sobre as quais o locutor constrói seu discurso e os atos visados com a realização do discurso (OSAKABE, 1979, p.81). O referencial teórico elabo- rado por autores da Semiologia dos Discursos Sociais (SDS) e da Escola Francesa de Análise do Discurso (AD), no qual se encontra o conceito de “imagem” formulado por Pêcheux, foi utilizado na composição do quadro analítico das categorias discursivas presentes neste artigo. Para um aprofundamento sobre este referencial teórico, consultar Costa (2006).

4 Tendo como único objetivo resguardar a integridade física das pessoas que concederam en-

trevistas, os nomes de pessoas e propriedades não serão explicitados ou serão modifi cados. A medida ainda torna-se necessária em virtude das práticas de violência que persistem no estado.

5 Conforme IBGE, Censo Agrícola de 1960; Fundação IBGE, Censo Agropecuário de 1970;

Lutas camponesas contemporâneas: condições, dilemas e conquistas

O governo federal concedeu um desconto de 50% do imposto de renda a grandes empresas nacionais e internacionais interessadas em estender seus negócios para a Amazônia. O imposto se referia aos investimentos dessas empresas, localizados, em sua maior parte, na região Sudeste do país. A condição, conforme observou José de Sousa Martins, era de que esses recursos fossem depositados no Banco da Amazônia e, após aprovação de um projeto de investimentos pelas autoridades governamentais, fosse constituir 75% do capital de uma nova empresa, agropecuária ou industrial, na região. “Tratava-se de uma doação e não de um empréstimo”, conforme concluiu o autor (Martins, 1995, p.3).

Do ano de sua criação, 1980, a junho de 1984, o Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (Getat), órgão subordinado ao Conselho de Segurança Nacional, havia distribuído 41.367 títulos, no total de 5.038 mi- lhões de hectares, atendendo a 15.447 famílias (Meaf, 1984 apud Almeida, 1986, p.273).

Com a chamada Operação Amazônia, em 1966, o desenvolvimento da região foi pensado pelos militares, tendo por base a pecuária de larga escala. Não obstante o fracasso do projeto poucos anos depois, o governo realizou investimentos vultosos durante quase dez anos na região, benefi ciando, principalmente, grandes empresas capitalistas (Costa, 1992a, p.13).

Os custos da ocupação capitalista da Amazônia, com a política de incen- tivos fi scais do governo, foram divididos com toda a sociedade. Essa política direcionou-se no sentido da não-realização de uma reforma agrária de tipo distributivista, reivindicada nas pressões sociais anteriores ao Golpe Militar de 1964. O governo optou por um modelo concentracionista de propriedade, garantindo o poder político e econômico de uma importante base social de sustentação do golpe de Estado e do regime militar: os proprietários de terra e as oligarquias locais de base fundiária (Martins, 1995).

A grande controvérsia quanto à reforma agrária, antes do golpe de Esta- do, não era quanto a fazê-la ou não. Era quanto à forma de pagamento da terra. De um lado, os capitalistas e proprietários reivindicavam pagamento em dinheiro; de outro, os interessados na reforma distributivista queriam o pagamento em títulos da dívida pública resgatáveis a longo prazo (Martins, 1983, p.168).

Dessa forma, a opção pela pecuária por parte do governo federal, na fase posterior ao Golpe de 64, objetivou conjugar abundância de terras com escassez de trabalho e capital. Além disso, o movimento e a modernização do conjunto da agricultura brasileira dependeriam do desenvolvimento de sua “margem extensiva”, ou seja, quanto menor o seu peso, maior a intensi- fi cação e a tecnifi cação possível em terras de colonização antiga. Buscava-se a anulação do campesinato, nas áreas antigas, por meio da modernização e tecnifi cação do latifúndio e, nas áreas novas, com a entrada massiva de

As faces ocultas de um confl ito

capital, representado, principalmente, por grandes empresas agropecuárias (Costa, 1993, p.38).

O gado é considerado, no Brasil, uma reserva de valor de bastante liqui- dez, o que somado aos subsídios governamentais, estimulou a presença da grande empresa pecuária na Amazônia. Almeida, referindo-se a análises realizadas pelo economista Aloísio Biondi, observa que o interesse de gru- pos industriais e fi nanceiros do Centro-Sul do país em extensos domínios territoriais na Amazônia atinha-se não apenas aos benefícios creditícios e fi scais, mas também à especulação. “Entre 1972 e 1974, os preços de terra conheceram aumentos nunca inferiores a 500% e que chegaram a 10.000% conforme a região do país” (Almeida, 1989b, p.93).

A violência nos confl itos acentuou-se a partir da década de 1970. No estado do Pará, de 1964 a 1992, 397 trabalhadores rurais foram assassinados em confl itos agrários (Almeida, 1994, p.276-322). Em 1993, foram regis- trados mais catorze assassinatos (CPT, 1994, p.47-8) e, no ano seguinte, o

número total chegou a 12.6 Em 1995, segundo dados da Comissão Pastoral

da Terra, morreram catorze trabalhadores (CPT, 1996, p.11). A tabela a seguir traz informações referentes ao número de assassinatos no Brasil de 1996 a 2005, mostrando que o quadro de violência não estava restrito ao Pará.

Costa, a partir de um estudo comparativo de microrregiões paraenses, concluiu que a maior freqüência de confl itos agrários se deu em áreas que receberam um elevado volume de incentivos fi scais por parte do governo federal (Costa, 1992b, p.14).

O CONFLITO EM ELDORADO E A UNIÃO