• Nenhum resultado encontrado

5 O GÊNERO REQUERIMENTO EM ANÁLISE PERSPECTIVA

5.2.2 O ambiente sociodiscursivo

Para tratar do ambiente sociodiscursivo do gênero, faz-se necessário olhar para o seu funcionamento, de modo que precisamos conhecer as circunstâncias que envolvem o seu uso.

Muitos são os gêneros que circulam no ambiente da academia. Nesse contexto plural e dinâmico, seus membros engajam-se na produção de conhecimento e interação social através do uso da linguagem por meio de gêneros, muitas vezes, específicos e, outras vezes, nem tanto, a fim de realizar diferentes propósitos, uma vez que este ambiente sociodiscursivo apresenta-se de modo amplo à atuação humana.

Especificamente no contexto administrativo de uma universidade, instauram- se relações sociocomunicativas específicas que permitem o surgimento de textos orais ou escritos que se formalizam a fim de dar conta das necessidades e demandas dos sujeitos que transitam nessas circunstâncias.

Na Pró-reitoria de Graduação da UFRN, observamos a existência de muitas práticas de escritas com variados propósitos comunicativos. Dentre elas, é muito frequente textos produzidos por alunos vinculados, de alguma forma, à graduação, com o intuito de solicitarem algo lhes é de direito, mas que, para serem atendidos, faz-se necessária a manifestação explícita via documento formal, de acordo com as normas que regem a instituição. Em outros termos, para que os pedidos dos graduandos sejam aceitos e acatados faz-se necessário a utilização de requerimentos.

Vejamos, no gráfico abaixo, o que dizem os alunos da graduação quando perguntados sobre a modalidade de linguagem usada para solicitarem algo à PROGRAD:

Gráfico 2 - Modalidade de língua utilizada pelos alunos de graduação para solicitarem algo à PROGRAD

Fonte: Acervo da pesquisa

Como vemos, no gráfico acima disposto, a maioria dos alunos que responderam ao questionário, no caso, 76% (setenta e seis por cento) indicaram que a maneira mais utilizada por eles para fazerem solicitações junto à PROGRAD é através do uso da escrita. Esse gráfico demonstra a dimensão e a importância que a modalidade escrita da língua tem nesse ambiente. Percebemos que, apesar do registro da solicitação discente ocorrer apenas através da escrita, ainda há alunos que optaram por responder que se dirigem à PROGRAD de outras maneiras, sem reconhecer que esta é a única modalidade aceita formalmente neste ambiente.

Podemos, dessa forma, afirmar que os atos de linguagem dessa comunidade, principalmente os escritos, devem ser vistos como atos responsivos a situações em um continuum das atividades, em que os gêneros desempenham seus papéis de respostas a situações tipificadas (SILVEIRA, 2005). Entendemos, então, que, como ato responsivo, esses requerimentos são diretamente afetados pelo formalismo presente no contexto.

A assertiva de ST2 ratifica os posicionamentos assumidos pelos alunos, com apresentação no Gráfico 02. Vejamos:

Os requerimentos são a ferramenta que eles [os alunos] têm pra agir de uma maneira formal e legalizada no sistema, pra ter sua solicitação atendida./ Porque se eles forem pedir oralmente.../ até porque não existe no regulamento63 nada legalizando uma solicitação verbal./ Tem que ser por escrito. [sic] (ST2)

63

Observamos, nessa declaração de ST2, a confirmação de que, realmente a maneira pela qual os alunos se dirigem à PROGRAD, quando querem fazer suas solicitações, é através do uso dos requerimentos. É válido salientar que no final da afirmação de ST2, ela chama atenção para a obrigação do cumprimento das normas estabelecidas, nesse contexto, em relação à produção dos requerimentos.

Esses dados evidenciam o formalismo, consequência do ambiente institucional, próprio das administrações públicas, alimentado e mantido pelas legislações vigentes. No caso do ambiente da graduação na UFRN, o melhor exemplo de normatização para os procedimentos adotados é o Regulamento dos Cursos de Graduação (RCG), citado por ST2, na declaração exibida acima. Este regulamento é o documento que estabelece os preceitos para o funcionamento da graduação. Desse modo, todos os procedimentos adotados para a realização dos requerimentos devem seguir as determinações estabelecidas no RCG.

Apesar de a maioria dos requerimentos que circulam na PROGRAD ser produzida por alunos ativos, vale ressaltar que existem alguns casos, embora poucos, em que alunos egressos ou não alunos também produzem esse documento, nesse domínio, como lembra ST1:

Não são só alunos ativos que fazem esses processos, existem requerimentos de alunos inativos (...) e também requerimentos do público externo (...). Existem também de alunos concluídos/ para requisitar certificados de conclusão/ segunda via de diploma/ históricos (...). (ST1)

Compreendendo o gênero requerimento como um aspecto importante na constituição da estrutura comunicativa da Pró-reitoria de Graduação da UFRN, torna-se necessária uma compreensão da comunidade retórica que o utiliza (MILLER, 2009b), sem limitações geográficas precisas, uma vez que sua realização se dá em vários espaços da UFRN. Para nossa análise, é preciso caracterizar tanto o ambiente em que os requerimentos são produzidos quanto aquele em que eles são lidos, conforme as demandas sociorretóricas desse gênero. Nesse sentido, é interessante enxergar o processo de realização do gênero requerimento, observando os espaços em que transitam e as suas condições de sua atuação.

Quanto à produção do gênero requerimento, ela pode ocorrer tanto no ambiente da PROGRAD como nas coordenações dos cursos, sendo o atendimento sempre realizado no primeiro. Com base nas observações que fizemos nessa comunidade ao longo de nossa experiência como servidora da PROGRAD, apresentamos a figura a seguir que representa a movimentação das solicitações dos alunos, geralmente, executadas na Diretoria de Administração e Controle Acadêmico, na PROGRAD:

Figura 11 - Domínio discursivo das solicitações dos alunos de graduação da UFRN

Fonte: Acervo da pesquisa

Como podemos ver na Figura 11, as solicitações dos alunos podem ter início em ambientes diversos, ou seja, os requerimentos podem ser produzidos pelos alunos em dois locais: nas coordenações dos cursos ou na DACA/PROGRAD.

Sobre os ambientes em que os requerimentos são produzidos, ST1 e ST2 afirmam:

(...) nem sempre eles são produzidos na Pró-reitoria de Graduação./ Alguns processos são de competência64 das coordenações de curso, outros do departamento das disciplinas e, a maioria, aqui na Coordenadoria de Atendimento da PROGRAD. [sic] (ST1)

Os requerimentos são produzidos nas coordenações dos cursos ou nos departamentos e, aqui, na DACA, no setor da Coordenadoria de Atendimentos./ O motivo por que é produzido num lugar ou noutro é porque, dependendo do assunto, vai precisar passar pelo

64

Quando a servidora empregou o termo competência, na verdade, ela estava se referindo à determinação de local para produção dos requerimentos pela legislação específica.

coordenador ou pelo chefe do departamento pra que eles assinem autorizando o pedido./ Depois, então, é que esses processos são encaminhados pra cá pra o atendimento. [sic] (ST2)

Conforme podemos identificar nas afirmações de ST1 e ST2, o que vai indicar o local onde o requerimento deve ser produzido é, na verdade, o tipo de assunto. Em alguns casos, em que o regulamento prevê a exigência do consentimento do coordenador do curso, os requerimentos devem ser produzidos na coordenação do curso ao qual o curso do aluno é vinculado, a fim de que o responsável da unidade assine o documento, respaldando o pedido.

Vale esclarecer que, apesar dos servidores terem declarados que a produção pode ocorrer nos departamentos, não observamos nenhuma ocorrência desse tipo, pois os departamentos servem para tratar de assuntos referentes aos seus componentes curriculares, como docentes, turmas e outros, e assuntos referentes aos alunos dizem respeito às coordenações. No entanto, esses documentos podem circular pelos departamentos quando há, no processo, a necessidade de algum dado referente a esse setor, como por exemplo, no caso de uma retificação de nota, que é necessária a anuência do chefe do departamento.

Ainda conforme ST1 e ST2, a produção dos requerimentos também pode ocorrer na própria PROGRAD, quando o tipo da solicitação não exigir nenhum tipo de anuência.

Após a produção dos requerimentos, devem ser a eles anexados alguns documentos, observando as exigências do Regulamento dos Cursos de Graduação, como por exemplo, histórico escolar, programa de disciplina, documento de identidade, entre outros. Em seguida, um servidor que trabalha no local onde o requerimento é elaborado gera em um sistema online, denominado Sistema Integrado de Patrimônio, Administração e Contratos (SIPAC)65, uma capa que será adicionada ao requerimento, formalizando, assim, um processo, ou seja, o requerimento passa a circular em um processo administrativo. Esse processo recebe uma numeração com o propósito de permitir a identificação da solicitação dentre as tantas que tramitam nesse ambiente. Com essa numeração, os servidores podem

65

Esse sistema em que as capas dos processos administrativos são geradas também faz parte da política de modernização dos procedimentos administrativos na UFRN. Vale esclarecer que os alunos da instituição não conseguem acessá-lo, pois, como ele é de uso interno da Administração, apenas os servidores têm login de acesso.

acompanhar virtualmente o andamento desses processos. Os processos que não foram gerados na PROGRAD são remetidos a ela para atendimento.

Na PROGRAD os processos dão entrada primeiramente na Coordenadoria de Atendimento. Neste setor, atualmente, se encontram 4 (quatro) servidores e 2 (dois) bolsistas trabalhando. Conforme previsão do regulamento, ele é responsável tanto pela abertura de alguns processos como também pela recepção e distribuição dos processos gerados em outros ambientes, como na coordenação dos cursos, destinados aos demais setores da PROGRAD. A esse respeito, ST1 e ST2 esclarecem:

Todos os processos que entram na PROGRAD passam pela Coordenadoria de Atendimento./ Os servidores da coordenadoria (...), de acordo com o assunto, eles distribuem nos diversos setores da PROGRAD./ (...) cada setor tem a competência de fazer a análise desse processo. (ST1)

(...) depois, então, esses [processos] são encaminhados pra cá, pra o atendimento/ e do atendimento são distribuídos pra os outros setores da PROGRAD, inclusive pra Câmara, de acordo com o assunto do processo, que cada setor tem a competência de resolver. [sic] (ST2)

Depois de recebidos e analisados pelos setores internos da PROGRAD, conforme as afirmações de ST1 e ST2, os processos cujas solicitações são dadas como deferidas, são atendidos e os resultados dessas solicitações são lançados no SIGAA, mais precisamente na área referente à vida acadêmica dos alunos, pelos servidores, em seus respectivos setores.

Após a execução dos processos, eles são encaminhados para o setor de arquivo da PROGRAD, para que sejam guardados nas pastas dos respectivos alunos até o momento em que estes permanecerem ligados, com matrícula ativa, à universidade. Depois que o aluno é desligado, os documentos que estão na sua pasta sairão da PROGRAD e serão enviados para o Arquivo Geral da UFRN.

Quanto aos processos que não são prontamente deferidos, os servidores, por meio questionário aplicado em nossa pesquisa, relataram tais procedimentos:

Gráfico 3 - Atitude dos servidores diante da não compreensão às solicitações dos alunos ou da percepção da falta algum dado no requerimento para seu devido atendimento66.

Fonte: Acervo da pesquisa

Observe, no Gráfico 3, que todos os servidores demonstraram que não aceitam passivamente o indeferimento dos pedidos dos alunos, quando percebem que o problema está relacionado à elaboração do requerimento, uma vez que todos demonstraram uma reação a fim de resolver a dificuldade que impede o atendimento às solicitações. Em outras palavras, quando o indeferimento da solicitação se dá em razão da falta de algum dado que possa ser acrescido sem maiores dificuldades, como uma assinatura, por exemplo, os servidores, na sua totalidade, de acordo com os dados da pesquisa, revelaram que entram em contato com o interessado para que ele possa resolver o impedimento. Neste caso, vemos claramente que o texto nem sempre dá conta de seu propósito, haja vista que, às vezes, necessita de intervenção oral para que se estabeleça uma compreensão do que o aluno está solicitando no requerimento.

Esse gráfico indica que, no caso de o processo ser indeferido, ele poderá retornar a sua unidade de origem para ser retificado e, depois, seguir o mesmo andamento, anteriormente submetido, tramitando, dessa forma, pelos mesmos lugares, seguindo o que rege os parâmetros burocráticos adotados nesse ambiente. No caso dos processos que não são atendidos, cujo indeferimento não pode ser revertido, este é, simplesmente, arquivado no setor de arquivo da PROGRAD, seguindo o mesmo trâmite dos processos deferidos.

66

Por se tratar de uma questão de múltipla escolha, é admitido que a soma das respostas ultrapasse o total de 100% (cem por cento).

Como vemos, o domínio sociodiscursivo em que os requerimentos atuam se constitui como uma instância discursiva na vida social ou institucional dos alunos e servidores que lidam diretamente com esse gênero, uma vez que as práticas sociais ligadas a ele determinam as formas de comunicação e compreensão. Assim, os requerimentos funcionam como modelos de ação comunicativa que, através da instituição de práticas sociais, se estabilizam e se expandem às gerações subsequentes na perspectiva de atingir propósitos e efeitos definidos e claros (MARCUSCHI, 2008).

É importante destacar que, como o requerimento é um gênero da comunicação oficial, o ambiente em que circula está amparado em um contexto burocrático, cujas principais características são controle, formalismo, impessoalidade e racionalização. Essas características afetam e restringem de maneira acentuada o uso da linguagem nessas interações, gerando gêneros administrativos regrados e padronizados através de normas, manuais oficiais e guias específicos (SILVEIRA, 2005), como é o caso dos requerimentos.

Julgamos que, em razão de a UFRN ser uma instituição que segue os princípios da administração pública, sua comunicação interna ou externa é regida por normas específicas. Dessa forma, é possível inferir que os requerimentos, de algum modo, sofrem implicações desse ambiente em vários aspectos: linguísticos, retóricos e culturais (JOHNS et al., 2006).

Ao analisar o ambiente de atuação dos requerimentos, percebemos que eles circulam, simultaneamente, em dois tipos de ambientes. O primeiro refere-se ao espaço físico, um ambiente mais amplo, cujas mediações são as da própria universidade, uma vez os requerimentos são regidos pela legislação que rege a universidade. Ao mesmo tempo, esses requerimentos se constituem como um gênero próprio de um domínio peculiar dentro desse ambiente maior. Esse seria o segundo tipo de ambiente que corresponde ao domínio sociodiscursivo acadêmico- administrativo, que, por sua vez, possui uma legislação própria, que regulamenta os procedimentos específicos desse domínio.

Entendemos que o gênero analisado, apesar de se realizar dentro de uma universidade, não se define como um gênero acadêmico propriamente dito, já que faz parte de um domínio específico. Nessa situação, ele se mantém como um gênero da esfera burocrática da organização, por circular em três espaços que constituem parte da esfera administrativa da instituição, que são as coordenações e

os departamentos dos cursos e, também, a PROGRAD. Vale esclarecer que, apesar de os requerimentos poderem ser produzidos em espaços diferentes, as circunstâncias de produção são praticamente as mesmas, em razão do predomínio de uma mesma legislação que ampara a universidade.

Nesse sentido, os dois ambientes, o físico e o sociodiscursivo, vão afetar as condições de uso dos requerimentos. A análise apresentada, na Tabela 01, das implicações do crescente número de cursos/alunos na UFRN é exemplo disso. Como vimos, à medida que o número de curso/alunos vai crescendo, o sistema administrativo precisa incorporar essas novas demandas de solicitações, o que gera consequências para a produção dos gêneros.