• Nenhum resultado encontrado

Com vistas aos objetivos da Constituição Federal, a redação oficial está regulamentada, no território nacional, por diversos atos datados desde o período imperial, como por exemplo, o decreto imperial de dezembro de 1822 que obrigava a explicitação do número de anos transcorridos desde a independência ao final dos atos normativos.

Um desses documentos de regulamentação é a Instrução Normativa nº 133, de 02 de março de 1982, do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). Além desse, em janeiro de 1991, o Presidente da República criou uma comissão a fim de atualizar, uniformizar e simplificar as normas de redação de atos

52

Vale ressaltar que Tragtenberg não se refere ao tema no sentido ideal weberiano, uma vez que a abordagem deste teórico não se remete a nenhuma situação específica.

e comunicações oficiais. Nove meses depois, como resultado desse trabalho, a comissão apresentou o Manual de Redação da Presidência da República (MRPR). Em março do ano seguinte, foi publicada também a Instrução Normativa nº 4/1992 do Secretário da Administração Federal. Esse documento tinha como objetivo principal consolidar as regras no manual citado, afirmando sobre este o seguinte: “com a edição do Manual de Redação da Presidência da República busca-se racionalizar e padronizar a redação das comunicações oficiais, pela atualização da linguagem nelas empregadas e uniformização das diversas modalidades de expedientes”53

(BRASIL, 1992, p. 1).

É interessante observar que nessa instrução, apesar de se tratar de um ato normativo, o Estado já apresenta uma postura menos tradicional, com uma certa flexibilidade, quando expressa que é meta do Governo Federal “modernizar a Administração, permitindo acelerar o andamento de comunicações e processos e reduzir despesas”54 (BRASIL, 1992, p. 1). Sobre esse aspecto, o que se vê já é

reflexo do processo de desburocratização no serviço público que, na verdade, corresponde a uma adaptação da burocracia ao novo contexto histórico, ou seja, ao capitalismo flexível.

Segundo Paula (2002), com o advento do capitalismo flexível, a velocidade e variabilidade dos acontecimentos aumentou consideravelmente de modo que as características primordiais da burocracia já não eram capazes de garantir a mesma superioridade técnica, o que provocou grande transformação na organização burocrática, substituindo toda a rigidez pela flexibilidade. Essa mudança, como aponta Reis (2010), está relacionada ao fenômeno da globalização, que corresponde ao desenvolvimento tecnológico amparado pelo crescimento econômico, gerando a constante necessidade de respostas mais rápidas no que se refere à comunicação.

Pode-se afirmar, dessa forma, que o sistema hierárquico está diretamente sendo modificado, não no sentido de emancipar as pessoas, mas de conferir às organizações maior velocidade de resposta às demandas. De acordo com essa perspectiva, a iniciativa e a capacidade de inovar são atributos cada vez mais exigidos dos funcionários, observando, no entanto, essas características como

53

Grifo nosso. 54

regras a serem mantidas, conforme os princípios de dominação presente nesse sistema.

O paradoxo de permitir a flexibilidade e, ao mesmo tempo, manter o poder do Estado pode ser visto no texto de apresentação da segunda edição do Manual de Redação da Presidência da República, através da afirmação de que “a edição do Manual55 propiciou, ainda, a criação de um sistema de controle sobre a edição de atos normativos do Poder Executivo56 que teve por finalidade permitir a adequada reflexão sobre o ato proposto (...)” (BRASIL, 2002). Essa segunda edição do MRPR deve-se, principalmente, à necessidade de adequação das formas de comunicação usadas na administração às mudanças provocadas pelo avanço da informática e ao ajustamento às mudanças legislativas, conforme esclarecimentos em sua apresentação. Ressalta, ainda, o autor a necessidade de melhoria dos serviços prestados à sociedade e os princípios constitucionais, já citados, como base para a redação oficial. O princípio da impessoalidade se destaca como ferramenta para a continuidade do poder nessa estrutura burocrática.

De acordo com Medeiros (2010), a redação oficial é um meio pelo qual se procura estabelecer relações de serviço na administração pública, a partir de normas de linguagem e padronização no uso de fórmulas e estética para garantir eficiência nas comunicações escritas. Nas palavras do MRPR, trata-se da “maneira pela qual o Poder Público redige atos normativos e comunicações” (BRASIL, 2002, p. 4). Os atos normativos compreendem os documentos que regulamentam os atos administrativos, como, por exemplo, leis, decretos, regimentos, editais, portarias, entre outros. Já as comunicações estão relacionadas às correspondências oficiais57, ou seja, aos textos que são redigidos para estabelecer comunicação entre pessoas, no caso, entre órgãos da administração pública ou entre a administração pública e particulares. Nesse caso, chama-se oficial por se dar no âmbito da administração pública, obedecendo a regras específicas quanto à forma, ao conteúdo, ao trâmite, entre outros aspectos.

Quanto ao seu trâmite, a redação oficial pode ser externa ou interna. A primeira ocorre entre órgãos da administração, ou entre a administração e o

55

Grifo do autor (refere-se à primeira edição). 56

Grifo nosso.

57 Muitos teóricos usam o termo ‘redação oficial’ quando tratam de ‘correspondência oficial’. Então, é preciso esclarecer que o mesmo será feito nesta pesquisa, uma vez que não interessam os gêneros dos atos normativos. Portanto, desse momento em diante, quando lê ‘redação oficial’ entenda que estamos nos referindo ao que o MPRP denominou ‘correspondência oficial’.

particular, por meio de ofícios, relatórios, requerimentos etc. Enquanto a interna ocorre no âmbito de um determinado órgão administrativo, através de memorandos, pareceres, requerimentos, ofícios etc.

Quanto ao seu conteúdo, Biagioni (1977) classifica a redação oficial observando a natureza do assunto, de modo que ela pode ser secreta, nominal, reservada ou ordinária. O primeiro caso refere-se a documentos que exijam absoluto sigilo, já que a divulgação das informações neles contidas pode comprometer a integridade do próprio Estado. Ela é nominal quando as informações são de caráter pessoal, devendo o conhecimento ser restrito ou exclusivo do destinatário. Diz-se que é reservada se houver necessidade de um certo resguardo restrito ou transitório. É ordinária ou ostensiva nos casos em que a divulgação não prejudica a administração.

Uma das finalidades da redação oficial é manter o relacionamento interno e externo da instituição, em função das necessidades específicas e interesses peculiares. Sobre ela, afirmam Brügger e Querino:

Sua importância advém da necessidade cada vez mais evidente de uma comunicação efetiva dentro da própria empresa ou do próprio órgão, e destes com o mundo exterior, o que justifica o cuidado que deve merecer a correspondência em qualquer organização (2009, p. 20).

Como a administração pública, a redação oficial também possui seus próprios princípios decorrentes daqueles, citados no MRPR, que são impessoalidade, uso do padrão culto de linguagem, formalidade, uniformidade, concisão e clareza. O Manual aponta que essas características são fundamentais da redação oficial, por permitirem uma única interpretação e a tornarem estritamente impessoal e uniforme, ressaltando a exigência do “uso de um certo nível de linguagem” (BRASIL, 2002, p. 4).

A impessoalidade é necessária na redação oficial por tratar-se de um tipo de correspondência de ordem social, ou melhor, coletiva, em vez de individual. De modo que devem ser evitadas impressões individuais do emissor ou receptor e deve ser mantido o caráter impessoal do assunto tratado.

O princípio da impessoalidade está correlacionado a outro princípio - o do uso do padrão culto da língua. Uma vez que a finalidade é garantir a compreensão por todos os cidadãos, torna-se necessário observar as regras da gramática formal e

empregar um vocabulário comum aos usuários do idioma, evitando o uso de uma linguagem restrita a determinados grupos, como por exemplo, gírias, regionalismos vocabulares ou jargões técnicos. Vale destacar, como lembra o MRPR (BRASIL, 2002), que o padrão culto recomendado não implica o emprego de uma linguagem rebuscada. Ao contrário, deve-se buscar a simplicidade de expressão, sem confundi- la com pobreza de expressão, respeitando, assim, os outros elementos: a formalidade, a padronização, a concisão e a clareza.

A formalidade na redação oficial diz respeito à obediência a certas regras de forma e vincula-se à uniformidade das comunicações. A administração pública exige certa formalidade quanto ao tratamento, ressaltando que, mais que o emprego adequado dos pronomes de tratamento, essa formalidade diz respeito à polidez e à civilidade no enfoque dado ao assunto.

Essa formalidade aliada à ideia de unificação requer dos documentos que seja mantido um mesmo padrão, sob a justificativa de que a administração federal é uma. Essa padronização é justamente uma das metas do MRPR, e implica, por exemplo, o uso da diagramação nele recomendada.

O princípio da concisão consiste em expor um assunto de maneira breve, precisa e exata. De acordo com o MRPR (BRASIL, 2002), mais que uma característica, essa é uma qualidade que deve ser preservada na redação oficial e refere-se a um texto que consegue transmitir o máximo de informações com o mínimo de palavras, evitando palavras inúteis, redundâncias ou passagens que não acrescente nada relevante ao texto. Ele evidencia que para garantir a concisão a um texto é fundamental atender a dois requisitos, a saber: que haja conhecimento sobre o assunto em questão e que se faça uma revisão no texto. Com isso, chama a atenção para a importância de dois momentos na elaboração de um texto, o antes - ter o que dizer -, e o depois - através da releitura.

Gold (2010) ressalta a importância desta característica nos textos da comunicação empresarial58 contemporâneos, considerando o avanço e uso da tecnologia nas comunicações e acrescenta que sua finalidade deve ser valorizar e destacar as informações de fato relevantes para o interlocutor.

58

Esta autora usa o termo Comunicação Empresarial referindo-se aos textos tanto das empresas privadas quanto públicas, embora ela dedique parte do seu livro aos textos redigidos no âmbito dos órgãos públicos.

O último princípio é o da clareza. Este, apontado como qualidade básica de todo texto oficial pelo MRPR (BRASIL, 2002), está presente no texto que possibilita uma imediata compreensão pelo destinatário, tanto no que se refere à disposição da ideias no que diz respeito à articulação dos mecanismos linguísticos. Para escrever com clareza, é necessário colocar o interlocutor em primeiro plano, procurando fazer com que o texto se estruture de tal maneira que até um leitor que não esteja familiarizado com o assunto compreenda a mensagem.

Essa característica está relacionada diretamente com a eficiência do texto, de modo que quanto mais nítida for a mensagem mais eficiente será o intercâmbio de ideias. Para maior clareza é imprescindível o uso de vocabulário simples, embora formal (no caso da redação oficial), assim como o uso de parágrafos menores, com divisão mais explícita de ideias principais e secundárias (GOLD, 2010).

Além disso, o próprio MRPR (2002) esclarece que, para redigir um documento oficial com clareza, é necessário observar que ela não é algo que se atinja por si só, pois depende estritamente dos demais princípios da redação oficial, já citados. Ressalta, ainda, a necessidade de dispor de tempo para a elaboração bem como para a revisão textual para evitar a ocorrência de trechos obscuros ou erros gramaticais, comprometendo a eficiência do texto.

A fim de oferecer condições para a produção dos gêneros da redação oficial são elaborados os manuais de redação oficial e empresarial. Esses manuais seguem os preceitos do MRPR e têm como objetivo apresentar procedimentos técnicos para uso em determinadas situações, estabelecendo a maneira como os profissionais da escrita nas instituições públicas e privadas ou cidadãos comuns devem proceder para elaborar os documentos e as comunicações neste ambiente. Na maioria dos casos, esses manuais constituem-se como a única fonte a que os profissionais têm recorrido para orientar suas produções textuais nesse contexto (NASCIMENTO, 2010).

Considerando a questão dialógica da linguagem, isso tem sido um problema, uma vez que os manuais desconsideram a realidade de uso. Baseando-se em uma concepção normativa ou estruturalista da língua, como indica Nascimento (2010), eles apresentam modelos ideais de estruturas, de documentos e de textos e fazem a distinção das modalidades falada e escrita da língua, classificando a primeira em uma relação de inferioridade em relação à segunda, sem expor sobre a questão de adequação à situação de produção. Além disso, a característica da impessoalidade

e a padronização dos documentos são abordadas de forma descontextualizada, provocando uma distância entre a língua e as interações reais dos sujeitos e manifestando, assim, uma visão reducionista da própria língua.

Como lembra Ferreira (2007), não se pode tratar o gênero independente de sua realidade social, consequentemente, de sua relação com as atividades humanas. Assim, no exercício de reconhecimento das características dos gêneros, inclusive os da redação oficial, deveria ser explorado o conhecimento dos mais diversos gêneros, explicitando os aspectos que caracterizam e diferenciam cada um a fim de contribuir para um estudo reflexivo. A autora lembra que o conhecimento dos gêneros através da análise cuidadosa e recorrente precisa anteceder qualquer atividade de produção de qualquer tipo genérico.

Assim sendo, esses manuais acabam por não contribuírem com o desempenho de uma prática reflexiva por parte dos sujeitos atuantes nessas instituições, pois não favorecem nem a análise nem o uso da língua contextualizado. O simples fornecimento de modelos de documentos e a exposição de uma padronização de formas não garantem aos usuários da língua uma produção de textos com eficiência, pois isso “é muito pouco para produzir um bom texto, adequado às intenções do sujeito no uso real da linguagem” (NASCIMENTO, 2010, p. 129).

Seria importante que os manuais esclarecessem que suas orientações estão a serviço das necessidades próprias de cada circunstância de uso, de modo que os sujeitos compreendessem que a modificação dos padrões é possível assim como a sua adaptação ou até mesmo a sua ignorância, observando os propósitos da comunicação e respeitando as condições de produção. Dessa forma, os consultores dos manuais teriam condições de desenvolver uma prática textual mais reflexiva e eficiente.