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Partindo da noção de que a pesquisa qualitativa não trabalha com ideias pré- concebidas, priorizamos estabelecer um diálogo entre as teorias que fundamentam esta pesquisa (MILLER, 2009a; SWALES, 1990; BAZERMAN, 2009) e as informações advindas dos dados gerados. Com isso, observamos como se dá a prática social do gênero requerimento produzido por graduandos no domínio administrativo da instituição em que estudam para eleger as categorias devidamente apropriadas ao questionamento central deste trabalho.

Baseado na perspectiva sociorretórica dos gêneros, que compreende a atividade de linguagem como ação social situada (MILLER, 2009a; SWALES, 1990; BAZERMAN, 2009) e considerando a complexidade dos dados coletados e os métodos etnográficos de análise de gênero recomendados por Devitt, Reiff e Bawarshi, que fornecem o acesso tanto às comunidade como também aos usos dos gêneros, (apud JOHNS et al., 2006), as categorias de análise foram exploradas de forma mais amplas, haja vista que ao olhar o texto, olhamos também para a sua situação retórica. Nesse sentido, adotamos as seguintes categorias para análise do gênero requerimento: os aspectos constitutivos; o ambiente em que se realiza; a situação de uso e os usuários.

Buscando entender como esses documentos funcionam e a interpretação que os sujeitos dão a eles, no seu contexto de funcionamento, utilizamos vários instrumentos de pesquisa, já citados, que permitiram examinar os requerimentos centrando-se muito mais na ação induzida pelo discurso do que na sua substância, como recomenda Miller (2009a).

Quanto à análise documental, a apreciação dos textos produzidos pelos graduandos, ou seja, dos requerimentos, levou-nos a investigar, nos exemplares que compõem parte do corpus, alguns aspectos constitutivos referentes à macroestrutura do gênero, à organização retórica e aos assuntos tratados, que estão relacionados aos propósitos. Neste momento, a análise teve como referência

os apontamentos de Swales (1990), embora tenhamos feito uma transposição de suas ideias. Essa análise foi triangulada com informações obtidas por meio dos questionários e das entrevistas, que foram realizados tanto com os produtores quanto com os receptores do gênero.

A análise dos questionários e das entrevistas também possibilitou estabelecer uma interpretação social do gênero através da observação de características gerais da comunidade retórica (MILLER, 2009b). Com isso, foi possível compreender o papel dos sujeitos, suas opiniões sobre esse gênero, dificuldades e sugestões de melhorias para o sistema de atividade no qual o gênero requerimento se insere.

Especificamente, sobre as condições de uso desses textos, depreendemos onde e como ocorre o funcionamento desses requerimentos nesse sistema, constatamos fragilidades, identificamos outros gêneros que participam desse sistema e depreendemos como ocorrem as interações através desse gênero.

Finalmente, com a análise dos protocolos verbais de escrita, buscamos identificar as etapas que constituem o momento da escrita, as mudanças contempladas na segunda escrita dos textos, ou seja, dos requerimentos deferidos, e, consequentemente, os critérios privilegiados pelos escritores.

2 CONCEITO DE GÊNERO TEXTUAL/DISCURSIVO - EVOLUÇÃO

Quando aprendemos um gênero não é apenas um padrão de formas ou mesmo um método de realizar nossos próprios fins. Mais importante, aprendemos quais fins podemos alcançar.

Carolyn Miller

O termo gênero desenvolveu-se ao longo da história com função destacada no campo da História das Artes e da Literatura. Trata-se de um conceito que surgiu ainda na Grécia antiga, mas que até hoje continua sendo utilizado nos mais variados campos do conhecimento e com as mais diversas conotações, principalmente nos últimos trinta anos.

De modo geral, o termo é usado para classificar propriedades comuns que caracterizam determinado conjunto de seres ou de objetos. Em razão disso, esse termo, de aparente fácil compreensão, estendeu-se às artes, às ciências, e chegou ao uso cotidiano sendo empregado nos mais diversos domínios sociais com a função de nomeação. Exemplo de uso frequente e atual do termo é a classificação adotada pelas artes, especificamente na cinematografia, para designar tipos de filmes, como comédia, drama, suspense, ação, musical, entre outros.

Em relação aos estudos científicos, é possível afirmar que o conceito de gêneros passou por mudanças ricas em detalhes e perspectivas, uma vez que ele sempre esteve ligado, de alguma forma, à tentativa de classificação de diferentes aspectos da realidade, acompanhando, assim, mudanças sociais profundas, principalmente, no que diz respeito a fatos linguísticos.

Nos estudos linguísticos, a apropriação do termo gêneros discursivos/textuais7resulta de uma nova compreensão e ampliação deste objeto de pesquisa, cujo foco se desloca do que Bakhtin (2010) chamava “unidades da língua”, as palavras e as orações, para um estudo mais contextualizado e voltado para uma

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Com base em Rojo (2005), o estudo dos gêneros se apresenta a partir de duas diferentes vertentes de acordo com critérios de análise, ambas com raízes na teoria bakhtiniana. Enquanto a teoria de

gêneros discursivos centra-se nos aspectos sócio-históricos, a teoria de gêneros textuais discute a

perspectiva discursivo-social que tem como real unidade da comunicação, o enunciado.

Com esse novo modo de conceber os gêneros, assentado-se em uma perspectiva de base social, permite-se enxergar as várias faces que o fenômeno comporta, possibilitando o surgimento e desenvolvimento de diferentes estudos, em diferentes áreas do conhecimento, como a linguística, a literatura, a retórica, além das teorias sociais.

No caso do Brasil, na área de Linguística Aplicada, o interesse pelos gêneros textuais tornou-se mais presente após documentos oficiais de ensino (PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais), especificamente no que se refere à língua portuguesa, indicarem explicitamente os gêneros como objeto de ensino. Essa indicação provocou a curiosidade de muitos estudiosos gerando, assim, um grande número de pesquisas interessadas em compreender melhor este objeto de estudo e suas implicações para o ensino/aprendizagem de línguas.

Neste capítulo, apresentamos, primeiramente, uma retrospectiva histórica do surgimento e desenvolvimento do conceito de gênero a partir da retórica clássica, quando o termo passou a ser usado nas suas vertentes jurídica e literária. Em seguida, abordaremos alguns pressupostos advindos da teoria literária e re- elaborados por Bakhtin, os quais discutem os gêneros discursivos ultrapassando o limite entre a teoria literária e o saber linguístico propriamente dito, resultando em uma teoria centrada nas práticas discursivas. Prosseguindo, apresentaremos algumas teorias atuais de análise de gêneros textuais/discursivos.

2.1 Entre a Retórica e a Literatura - origens do conceito de gênero textual/