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4 LINGUAGEM, DISCURSIVIDADE E PSICANÁLISE: FREUD,

4.3. Carl Jung e o inconsciente coletivo

4.3.3 O aparelho psíquico junguiano

Jung (1875 - 1961), nascido na Suíça, é considerado um dos mais proeminentes estudiosos da psicanálise e da mente humana, tendo sido discípulo de Sigmund Freud (1856 - 1939), do qual assimilou os ensinamentos acerca do inconsciente e das tópicas freudianas para desenvolver sua própria tese sobre o aparelho psíquico humano.

Rompendo com Freud, no ano de 1913, veio a criar a denominada Psicologia Analítica, a partir da qual Jung desenvolve os conceitos de consciente e inconsciente. Para ele, o ego é o centro da consciência, porém não é o centro da personalidade, conforme a definição freudiana. A concepção do aparelho psíquico junguiano parte do pressuposto de que existe um inconsciente individual e um inconsciente coletivo. A noção de mente, para Jung, era a de que o ser humano é um todo integrado a partir de seu consciente e de seu inconsciente, sendo esta totalidade o que ele veio a chamar de psique17, que conforme Hall e Nordby (2000), “(...) abrange todos os pensamentos, sentimentos e comportamentos, tanto os conscientes como os inconscientes. Funciona como um guia que regula e adapta o indivíduo ao ambiente social e físico” (p.25). Nesta perspectiva junguiana, o indivíduo é um todo complexo, pois “o homem não luta para se tornar um todo: ele já é um todo, ele nasce como um todo” (HALL e NORDBY, p. 25).

No modelo junguiano, apresentado por Grinberg (1997), a psique seria composta de várias esferas concêntricas. A camada mais superficial representaria a consciência, enquanto as outras, mais internas, seriam os níveis mais profundos do inconsciente, até atingir o centro. Entre essas camadas ou, como diz Grinberg, “sistemas dinâmicos”, haveria uma constante

17 Do al. Psyche; fr. psyché; ingl. psyche; it. psiche) Palavra grega que, etimologicamente, significa o “sopro” que

anima e dá vida a um corpo. Neste sentido Aristóteles fala de ψυχ∼ como sinônimo de βíος, a vida. Os latinos traduziram “psique” por anima, mantendo o dualismo platônico da alma e do corpo que Descartes reformularia com o dualismo res cogitans e res extensa, no qual está clara a distinção entre o mental e o físico. Com o nascimento da psicologia científica, no século XIX, foi abandonado o termo “alma”, pois estava muito carregado de implicações filosóficas, metafísicas e morais, para adotar o termo “psique”, mais neutro e mais técnico. Seu significado depende dos diferentes sistemas de pensamento, que o determinam se baseando em sua estrutura categórica e em suas premissas teóricas reunidas e exposta na voz da psicologia. GALIMBERTI, Umberto. Diccionario de psicologia. Siglo XXI editores, Mexico, 2002, p. 928. Tradução minha.

interação e mudança. Esse modelo também é apresentado por Hall e Nordby (2000): “a psique compõe-se de numerosos sistemas e níveis diversificados, porém interatuantes” (p.26).

A grande inovação de Jung, entretanto, foi a conceituação de um inconsciente coletivo, o qual está ligado ao próprio passado arcaico da humanidade e cujo conteúdo psíquico é transmitido a cada nova geração, reproduzindo-se, transformando-se, inovando-se ou permanecendo os mesmos durante milênios, sendo praticamente os mesmos para várias culturas ao redor do mundo. São os chamados conceitos universais, como os que se referem à criação do mundo, deuses, maternidade, crenças, as quais se repetem e se reproduzem em diferentes estágios da evolução humana, mesmo que não tenha existido contato prévio entre as diversas culturas. São ideias criadas pelos antepassados do homem, e que foram se constituindo ao longo do tempo numa reação em cadeia, transmitida de geração a geração, de forma inconsciente.

De acordo com Jung (2007), o inconsciente coletivo,

Como estrutura cerebral generalizada, é um espírito “onipresente” e “onisciente” que tudo percebe. Conhece o ser humano como ele sempre foi e não como é neste exato momento. Conhece-o como mito. É por isso também que a relação com o inconsciente supra-pessal ou Inconsciente Coletivo vem a ser uma expansão do ser humano para além de si mesmo, uma morte de seu ser pessoal e um renascer para uma nova dimensão, segundo nos informa a literatura de certos mistérios antigos. (p.15). O conteúdo do inconsciente coletivo foi denominado por Jung (2008) como Arquétipos ou Imagens Primordiais, os quais se encontram em “nossa mente inconsciente, bem como nosso corpo, é um depositário de relíquias e memórias do passado. Um estudo da estrutura do inconsciente coletivo revelaria as mesmas descobertas que se fazem em anatomia comparada” (p.36).

Não se tratam de conteúdos esquecidos, mas, sim, de ideias que atuam na vida mental e no comportamento do indivíduo em determinado momento de sua existência, pois são tendências ou fatores de predisposição passados de uma geração para a outra, repetidamente, desde os primórdios, e que se tornaram conceitos universais, tais como os mitos, lendas e religiões da humanidade, muitas delas com várias semelhanças entre si. De acordo com Jung, o indivíduo possui tendências ou predisposições para agir de uma determinada maneira, isto é, assumir um determinado padrão de comportamento, o qual é inato e, em certo momento da vida, tal como sementes encontra o terreno fértil para sua germinação. Trata-se de um padrão de comportamento ou de funcionamento que se expressa por meio de imagens ou formas arquetípicas.

inconsciente coletivo e se manifestam no sujeito na forma de potencialidades, isto é, algo que poderá ou não se desenvolver, a depender de suas condições de produção, ao longo da vida, quando as ideias encontram condições propícias para que se desenvolvam na forma de arquétipos.

Arquétipos possuem uma base biológica, uma vez que são inatos, e se constituíram por meio das experiências reproduzidas pela humanidade ao longo da história. Ao mesmo tempo, tais arquétipos ou tendências inatas só se manifestarão no indivíduo a partir do momento em que encontrar um campo fértil para seu surgimento, estando totalmente dependente das experiências do ser com o mundo a sua volta. Isto é, um arquétipo só se desenvolverá em determinado indivíduo a partir do momento em que o mesmo é assujeitado

Nesta linha de pensamento, o arquétipo encontra o substrato ideal para seu surgimento a partir do consciente do indivíduo, uma vez que são elementos individuais, isto é, são universalmente reproduzidos ao longo dos séculos, mas somente quando determinados indivíduos, capturados por uma discursividade consciente, são capazes de lhes oferecer o desenvolvimento de que necessitam para se transformar numa ideia. Por isso, um determinado arquétipo irá se desenvolver de forma autônoma, com personalidade própria, a depender do sujeito do inconsciente, formado por determinados fatores da psique.

Assim, há inúmeros arquétipos com potencial para se desenvolverem no inconsciente coletivo da humanidade, porém apenas algumas possuem potencialidade suficiente para ganharem o campo da reprodução e se individualizarem por meio de sujeitos discursivos.

De acordo com Jung (2008b, p. 156), “a imagem do sujeito, tal como se comporta em face dos conteúdos do inconsciente coletivo ou então é uma expressão dos materiais inconscientes coletivos, que são constelados inconscientemente pelo sujeito”. Sendo que a

anima é “uma imagem coletiva de mulher no inconsciente do homem, com o auxílio da qual

ele pode compreender a natureza da mulher”. (2008b, p.66)

O inconsciente pessoal carrega os elementos vividos e que foram reprimidos pelo sujeito, em algum momento de sua vida, enquanto que o inconsciente coletivo contém todos os elementos não vividos pelo ser, por isso mesmo, não são lembrados, mas são potencialidades herdadas por fazerem parte do inconsciente coletivo da humanidade.

É neste sentido que o inconsciente coletivo contém os arquétipos, que são manifestados no indivíduo por meio de complexos ou ideias em seu inconsciente pessoal.

Durante as experiências do sujeito, ao longo da vida, a depender da vivência e das situações individuais, é possível que ele possa manifestar determinados complexos a partir das experiências recalcadas pelo inconsciente pessoal, e que encontram terreno fértil para

germinarem no campo do inconsciente coletivo.