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O sujeito do inconsciente junguiano: a união com o inconsciente de Lacan

4 LINGUAGEM, DISCURSIVIDADE E PSICANÁLISE: FREUD,

4.3. Carl Jung e o inconsciente coletivo

4.3.4 O sujeito do inconsciente junguiano: a união com o inconsciente de Lacan

Jung (2000), ao formular sua tópica do aparelho psíquico, ensina que existe uma camada superficial individual inconsciente em todos os indivíduos, sendo este aparelho formado pela camada do consciente, do inconsciente, o qual é dividido em consciente pessoal e inconsciente coletivo, conforme ele próprio explica:

Uma camada mais ou menos superficial do inconsciente é indubitavelmente pessoal. Nós a denominamos inconsciente pessoal. Este, porém repousa sobre uma camada mais profunda, que já não tem sua origem em experiências ou aquisições pessoais, sendo inata. Esta camada mais profunda é o que chamamos inconsciente coletivo. Eu optei pelo termo "coletivo" pelo fato de o inconsciente não ser de natureza individual, mas universal; isto é, contrariamente à psique pessoal ele possui conteúdos e modos de comportamento, os quais são 'cum grano salis' os mesmos em toda parte e em todos os indivíduos. Em outras palavras, são idênticos em todos os seres humanos, constituindo, portanto, um substrato psíquico comum de natureza psíquica supra pessoal que existe em cada indivíduo. (JUNG, 2000, p. 15, grifei).

É no inconsciente individual que estão armazenadas as informações registradas ou não pela consciência do indivíduo, uma vez que o aparelho psíquico registra tudo o que ocorre a sua volta, consciente destes fatos ou não. Ao nascer, o indivíduo já traz consigo o inconsciente coletivo, enquanto instância, uma vez que herda dos antepassados as instâncias psíquicas inconscientes dos que o precederam.

O que faz o arquétipo germinar na psique do indivíduo, visto que é uma ideia latente, é a linguagem, uma vez que esta simboliza e torna possível o processamento das imagens arquetípicas que estão no inconsciente coletivo e surgem no inconsciente pessoal por meio de determinadas experiências. Resumindo, o conteúdo do arcabouço arquetípico é preenchido pela linguagem, e assim como todo arquétipo se torna uma ideologia, esta nada mais é do que um arquétipo nascido através da linguagem.

O arquétipo é um elemento vazio e formal em si, nada mais sendo do que uma facultas praeformandi, uma possibilidade dada a priori da forma da sua representação. O que é herdado não são as ideias, mas as formas, as quais sob esse aspecto particular correspondem aos instintos igualmente determinados por sua forma. Provar a essência dos arquétipos em si é uma possibilidade tão remota quanto a de provar a dos instintos, enquanto os mesmos não são postos em ação in concreto. (JUNG, 2000, p. 91). Lacan (1992), quando apresenta o conceito freudiano de sujeito clivado, demonstra que toda criança, ao nascer, é uma extensão do corpo da mãe, não sendo ainda um sujeito, mas um “anexo” ao corpo da mãe diante de sua dependência completa dos cuidados maternos, sendo

um ser que ainda ganhará uma constituição a partir de sua relação com o outro para a formação do sujeito, isto é, a partir de uma alienação.

O sujeito se constitui a partir de um outro, e nasce por ação da linguagem, das representações, da sua historicidade, pois o Grande Outro oferece significantes e representações a criança através da fala, por isso o sujeito se constitui a partir do outro. Antes mesmo de nascer, o sujeito já está mergulhado em um sistema simbólico, e quem ocupa o lugar de Grande Outro é a mãe, que lhe oferece significantes que o constituirão e lhe darão um lugar no mundo.

O ser, a priori, se constitui como um lugar vazio, pois ainda não é um sujeito. Nem ao menos é um indivíduo, pois é uma extensão do corpo da mãe. O ser, quando nasce, é um lugar vazio, o qual será preenchido pelos predicados a ele atribuídos, isto é, os significantes oferecidos pelo Grande Outro. Tais significantes ou predicados são atribuídos ao ser, por um outro, que faz daquele um significante, sendo que o outro que atribui ao ser esta predicação também é um significante, uma vez que a ele também é atribuída uma predicação por outros, e assim, sucessivamente.

Desta forma, o sujeito é o significante do que o sujeito representa para outro significante (LACAN, 2008). Eis que aí se desenrola uma cadeia de significantes que determina o sujeito. Antes, era uma extensão do corpo da mãe, até que passou a ser preenchido pelas características do Grande Outro, a princípio pela figura materna, mas também pelos Grande Outros, como a figura paterna, parentes, amigos e demais sujeitos que clivam o sujeito.

É no campo do Outro que os significantes se articulam e assujeitam o ser diante desta relação entre significantes.

Uma vez que na teoria arquetípica junguiana, o sujeito é o produto de conteúdos a priori, isto é, de inatismos, que traz consigo a partir de um inconsciente coletivo, este se manifesta na constituição do sujeito clivado, tendo em vista que a formação do inconsciente pessoal se dá com base nas experiências vividas, empiricamente, pelo indivíduo.

Se o sujeito clivado, para Lacan, é o resultado de um conjunto de predicados oferecidos pelo Grande Outro, posso dizer que estes predicados fazem parte da rede de experiências vividas pelo sujeito e que, tendo acesso ao inconsciente coletivo, formam o inconsciente pessoal.

Se o Grande Outro preenche o vazio do ser, são as experiências deste ser com o Grande Outro que irão preencher o conteúdo arquetípico do inconsciente pessoal deste mesmo ser.

A partir do uso da linguagem do Grande Outro (em Lacan) é que o sujeito é clivado, e o uso desta linguagem preenche o conteúdo arquetípico do inconsciente pessoal (Jung) do sujeito, que escolherá, dentro da cadeia de significantes ou da contingência, as categorias

necessárias ou que julgar convenientes para a formação de seu consciente pessoal e de seu inconsciente pessoal.

Posso dizer que esta linguagem do Grande Outro é a que dá forma ao conteúdo arquetípico do inconsciente coletivo do sujeito.

Assim, o sujeito preenche seu conteúdo arquetípico, o qual era, primordialmente, uma ideia, com uma linguagem arquetípica.

Sendo o inconsciente coletivo formado por arquétipos ou ideias vazias sem predicação, as quais são preenchidas pelo sujeito conforme suas experiências ulteriores ou empíricas, é que se conclui que a linguagem preenche o arquétipo do inconsciente pessoal com uma linguagem arquetípica.

Aí, acredito se configurar, tanto o inconsciente lacaniano estruturado como uma linguagem, quanto o inconsciente pessoal lacaniano estruturado como uma linguagem arquetípica. A linguagem dá forma ao conteúdo do arquétipo, o qual ganha uma linguagem arquetípica.