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Campo, capital e habitus são três conceitos formulados por Pierre Bourdieu que servem como ferramentas de construção dos fenômenos empíricos a serem estudados (BRANDÃO, 2010). Este sociólogo compreende que o social é relacional, ou seja, através de interligações entre os conceitos é possível haver uma articulação que possibilite a análise de aspectos sociais. Esses conceitos devem ser repensados continuadamente, de maneira que não se tornem “dogmas teóricos”, impossibilitando a análise da realidade social. De acordo com Zaia Brandão (2010), a obra de Pierre Bourdieu não pretende ser um modelo fixo de teoria, em que a realidade tem que ser manipulada para encaixar nesse padrão. Pelo contrário,

Trata-se de uma obra que oferece um conjunto inesgotável de possibilidades de trabalho (empírico) e reflexão (teórica). Aliás, seu denso instrumental teórico- conceitual aplicado a um amplo elenco de objetos empíricos apresenta- se como um constante desafio aos pesquisadores que investem em objetos análogos em outros contextos espaciais e temporais (BRANDÃO, 2010, p. 229).

Nesta seção serão abordados os conceitos de campo e capital26. Bourdieu não utiliza a palavra sociedade, mas sim campos. Ao longo de sua vida, estudou distintos campos (científico,

26 O conceito de habitus será retomado no capítulo cinco quando ocorrerá a apresentação e análise das trajetórias

dos jovens entrevistados para este trabalho. De forma sucinta, pode-se definir o habitus como uma mediação entre o social externo e a subjetividade dos sujeitos. É um sistema construído no passado e que orienta as ações dos agentes no presente. Pode ser modificado de acordo com as experiências vividas, tornando-se uma matriz cultural

artístico, cultural, político, religioso, educativo) e retomou diversas vezes essas definições. Considerando sempre a pesquisa empírica, o sociólogo francês não pretendia criar “leis gerais” dos campos, apesar de considerar que essas definições conceituais poderiam ser pensadas para outros contextos além da França.

Sobre a palavra campo, Patrícia Thomson (2018) comenta as diferentes traduções para o termo e como as distintas analogias abordam aspectos relacionados a esse conceito, sem se referir totalmente a ele.

Em inglês, a palavra “campo” [“field”] pode muito bem conjurar uma imagem de uma campina. [...] Em francês, a palavra para esse tipo de campo é le pré. Entretanto, Bourdieu não escreveu sobre les prés bonitos e benfazejos, e sim sobre le champ, que é usado para descrever, inter alia, uma área de terra, um campo de batalha e um campo de conhecimento. Há muitas analogias para o champ de Bourdieu: (1) o campo onde se joga uma partida de futebol (le terrain, em francês); (2) o campo na ficção científica (como em “Ative o campo de forças, Spock!”); ou mesmo (3) um campo de forças na física. O conceito de champ ou campo de Bourdieu contém elementos importantes de todas essas analogias, mas não é igual a nenhuma delas (THOMSON, 2018, p. 96, destaque da autora).

Afrânio Catani (2011) ressalta que Pierre Bourdieu sempre advertiu que a noção de campo deve ser definida através da pesquisa empírica. Tanto o conceito de campo quanto as demais definições (habitus e capital) só podem ser compreendidas dentro de um sistema teórico que as constitua. Segundo o pesquisador: “os conceitos ou noções são caracterizados não por definições estáticas, mas pelo seus usos e interligações no processo de pesquisa, sendo o ato científico a construção do objeto (CATANI, 2011, p. 191-192)”.

Para Pierre Bourdieu, a sociedade contemporânea não possui uma lógica única, conflito central ou autoridade centralizadora. À proporção que as sociedades se converteram em maiores, com uma divisão social do trabalho mais complexa, alguns domínios de atividades se tornaram autônomos, produzindo seus regramentos e autoridades. Esses domínios autônomos seriam, para este sociólogo, os campos, microcosmos relativamente independentes, com regras próprias e necessidades específicas, com agentes que disputariam a posse do arbitrário cultural e da violência simbólica (isto é, a possibilidade de ditar, organizar e selecionar as regras que comandariam aquele microcosmo). Olga Cortés (2016) argumenta que os campos são atravessados pela história,

que indica as possibilidades para as escolhas dos agentes, de acordo com as posições que eles possuem dentro dos campos e com os capitais adquiridos pela socialização primária ou secundária (SETTON, 2002). Patrícia Thomson declara que “[...] o campo e o habitus constituem uma dialética através da qual práticas específicas produzem e reproduzem o mundo social que ao mesmo tempo os cria (THOMSON, 2018, p. 106)”.

[...] sendo sua dinâmica compreendida sob dois níveis, a do agente que visa participar de determinado campo e busca posicionar-se a partir do que apreende desse campo, cuja existência o precede e a do campo que se constrói ao longo do tempo e que, portanto, possui mecanismos de conservação e manutenção assumidos por agentes que dele participam (CORTÉS, 2016, p. 67).

De acordo com a autora, o encontro entre agente e campo pode ser compreendido como o “reencontro de duas histórias”, uma relação dialética entre a historicidade do campo, suas regras, crenças, determinações e o habitus do agente, que incorpora essas regras e as atualiza a partir do momento em que aceita participar do jogo do campo. Cecilia Flachsland (2003) discorre sobre dois elementos importantes para a constituição do campo: a existência de um capital comum entre os agentes e a luta pela apropriação desse capital e do campo em si.

O texto “Algumas propriedades dos campos”, de Bourdieu (2003a), presente no livro “Questões de Sociologia”, discorre sobre características desse conceito. Segundo o autor, os campos são espaços estruturados com interesses específicos e agentes que lutam por posições dentro desses espaços. Cada agente se caracteriza por sua trajetória social, seu habitus e a sua posição dentro do campo. Esses posicionamentos não são equivalentes, pois alguns contêm mais poder e prestígio que os demais. Assim sendo, quem está em posições privilegiadas consegue elaborar e delimitar as regras do campo. Conforme o autor:

A estrutura do campo é um estado da relação de força entre os agentes ou as instituições envolvidas na luta, ou se se preferir, da distribuição do capital específico que, acumulado no decorrer das lutas anteriores, orienta as estratégias posteriores. Esta estrutura, que está no princípio das estratégias destinadas a transformá-la, está ela própria sempre em jogo: as lutas cujo lugar é o campo têm por parada em jogo o monopólio da violência legítima (autoridade específica) que é característica do campo considerado, quer dizer, em última análise, a conservação ou a subversão da estrutura da distribuição do capital específico. Falar de capital específico é dizer que o capital vale em relação com um certo campo, portanto nos limites desse campo, e que não é convertível numa outra espécie de capital a não ser em certas condições (BOURDIEU, 2003a, p. 120-121).

Cada vez que o novo adentra no campo ocorre uma disputa, pois o dominante vai tentar defender seu lugar e excluir essa concorrência. Essas lutas são revoluções parciais, porque o objetivo não é excluir o campo, mas sim disputar seu domínio. Ou seja, os dominados não querem acabar com tudo e as estratégias de subversão estão limitadas em manter o campo existindo.

Um dos fatores que põe os diferentes jogos ao abrigo das revoluções totais, de molde a destruir não só os dominantes e a dominação, mas o próprio jogo, é precisamente a importância do investimento, em tempo, em esforços, etc, que a entrada no jogo supõe e que, como as provas dos ritos de passagem, contribui para tornar impensável

praticamente a destruição pura e simples do jogo (BOURDIEU, 2003a, p. 122, destaque do autor).

Se cada campo possui sua especificidade, suas regras e interesses específicos, o agente que queira adentrar nesse campo necessita investir seu tempo e interesse para aprender como esse espaço se constitui (em aspectos como linguagens, códigos, regras, posturas). Por isso, as revoluções são parciais, buscando adquirir melhores posições dentro do campo sem o destruir. Se houver a destruição, o tempo investido em aprender esses códigos será perdido. Para que um campo funcione é preciso que os agentes estejam dispostos a “jogar o jogo”, com conhecimento dos códigos presentes na historicidade desse campo.

Sobre essa ideia de jogo, Zaia Brandão (2010) destaca que cada campo possui uma lógica particular de funcionamento, estruturando as relações, as interações e os objetivos específicos a serem alcançados pelos agentes. Sendo assim, há uma estruturação de um “jogo” que precisa ser aprendida pelos agentes, que através de suas ações práticas vão exercitando o “sentido do jogo”, ou seja, improvisando de maneira regrada as ações a partir do habitus e dos capitais de cada agente

Nesse sentido, cada campo funciona como um espaço de possibilidades – como um "jogo" em que nas “tomadas de posição” dos agentes decorrem das suas posições relativas na estrutura do campo, e cujas estratégias (sens du jeu) estarão relacionadas, simultaneamente, aos meios disponíveis (capitais) e aos objetivos a alcançar (conservar ou transformar a posição que detém no campo) (BRANDÃO, 2010, p. 231, destaque da autora).

Para explicar essa ideia de investimento em aprender as regras do campo e entender e sua lógica de disputa, Pierre Bourdieu apresenta outro conceito: capital. Esse termo pode remeter a ideia de investimento financeiro, uma moeda corrente dentro do campo, onde os agentes apostam, investem, gastam ou adquirem para manter posições e/ou disputar melhores colocações dentro do campo. Contudo, o capital não se restringe a economia. Segundo Rob Moore:

Portanto, o propósito de Bourdieu é estender o sentido do termo “capital” ao empregá- lo num sistema mais amplo de trocas onde bens de tipos diferentes são transformados e trocados dentro de redes ou circuitos complexos dentro de campos diferentes, e entre eles. Ele tenta afastar da economia a instância estreita da troca mercantil e trazê-la para uma antropologia mais ampla de trocas e avaliações culturais na qual a troca econômica é apenas um tipo (ainda que o mais fundamental) (MOORE, 2018, p. 136- 137).

Esta concepção, juntamente com habitus e campo, formam a tríade de conceitos que o sociólogo francês utilizou para entender como a desigualdade social se reproduz na sociedade francesa. De acordo com Olga Cortés (2016):

Partindo do pressuposto que o mundo social é resultado da acumulação histórica irredutível aos acontecimentos momentâneos e considerando que os agentes não são operadores e criadores livres de seu mundo, a noção de capital, sua acumulação e seus efeitos em conjunto com o habitus e o campo possuem papel primordial na compreensão dos mecanismos de reprodução social. Por outro lado, o autor [Pierre Bourdieu] exige uma visão dinâmica da inter-relação campo, habitus e capital para não recair na tendência rápida de considerar sua teoria uma teoria reprodutivista. Ao contrário, compreender a dinâmica da reprodução social por meio da tríade de elementos permite compreender a dinâmica à qual estão expostos os agentes inseridos nos campos sociais (CORTÉS, 2016, p. 69, destaque da autora).

Há quatro tipos diferentes de capital: econômico, social, cultural e simbólico. Cada agente possui de alguma forma esses capitais, porém podem estar distribuídos de maneiras desiguais. Isso vai interferir nas disputas dos campos em que esses agentes estiverem inseridos. As decisões de investimento desses capitais não ocorreriam por um cálculo racional e consciente. Maria Nogueira e Cláudio Nogueira ressaltam:

Dada a posição do grupo no espaço social e, portanto, de acordo com o volume e os tipos de capital (econômico, social, cultural e simbólico) possuídos por seus membros, certas estratégias de ação seriam mais seguras e rentáveis e outras, mais arriscadas. Na perspectiva de Bourdieu, ao longo do tempo, as melhores estratégias acabariam por ser adotadas pelos grupos e seriam, então, incorporadas pelos agentes como parte do seu habitus (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2017, p. 45).

O capital econômico está relacionado ao mundo financeiro: é a quantidade de dinheiro que o agente possui. Esse dinheiro possibilita formas de consumo, estilos de vida, compra de produtos ou serviços. Esse capital econômico pode “abrir portas” dentro dos campos, porém sozinho não proporciona muitas conquistas. Para Bourdieu, as disputas não se restringem à economia, mas ao simbólico. Os novos ricos podem dispor de dinheiro para adquirir bens ou frequentar espaços de elite. Entretanto, esses novos ricos não terão capital cultural para parecer “distintos”. Em comparação com outros indivíduos, que nasceram em famílias dominantes, e que aprenderam “naturalmente” as maneiras de se portar, conversar, interagir em ambientes “distintos”, sem precisar estudar ou se dedicar a isso, esses novos ricos terão que se empenhar e aprender esses novos códigos para parecer como os demais.

Sendo assim, o capital cultural está relacionado a posse ou o conhecimento dos bens culturais tidos como superiores e legitimados como “alta cultura”. Maria Nogueira e Cláudio

Nogueira (2017) alegam que o capital cultural é a legitimação dos bens simbólicos do grupo dominante. Os autores ressaltam que em cada campo de produção simbólica haveria disputas entre o grupo dominante, que está ditando as regras, e os grupos que pretendem assumir esse domínio do campo. O grupo dominante possui o poder de classificar e hierarquizar os bens simbólicos dentro do campo. A partir disso, as pessoas e instituições que produzem e possuem esses bens também são classificadas.

Certos padrões culturais são considerados superiores e outros inferiores: distingue-se entre alta e baixa cultura, entre religiosidade e superstição, entre conhecimento científico e crença popular, entre língua culta e fala popular. Os indivíduos e as instituições que representam as formas dominantes da cultura buscam manter sua posição privilegiada, apresentando seus bens culturais como naturalmente ou objetivamente superiores aos demais (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2017, p. 33).

Se o grupo dominante dita as regras e define o que é culturalmente privilegiado, há uma arbitrariedade historicamente imposta no que é definido como “distinto”, como cultura legítima. Esse arbitrário cultural transforma-se em uma violência simbólica, pois passa por natural, como se sempre fosse dessa maneira. Por isso, esquece-se que essas definições ocorreram diante de disputas de legitimação, sendo a cultura dominante um exemplo desses embates. À vista disso, quem já nasce dentro desses espaços sociais e familiares que reproduzem essa cultura dominante, aprende como sendo natural essa forma de expressão e de visão de mundo. Já quem nasce em espaços dominados, entende que o “refinamento” depende disso. Reconhece essa forma cultural como legítima e valoriza a sua aprendizagem (acima da aprendizagem familiar e a primeira socialização).

Para Pierre Bourdieu, essa classificação não ocorreria somente pelos bens culturais como literatura, música, obras de arte. As representações e práticas cotidianas construiriam “estilos de vida” que produziriam hierarquias a partir da posse desse capital cultural. À vista disso, o gosto, preferências esportivas, hábitos culinários, vestuário, decoração da casa, expressões corporais, opções de lazer e turismo formam hierarquias culturais que reforçariam e reproduziriam hierarquias sociais. Pierre Bourdieu (2007) destaca que o capital cultural pode existir de três formas: estado incorporado, estado objetivado e estado institucionalizado. O estado incorporado refere-se ao corpo e à internalização da cultura legitimada pelo indivíduo. É um trabalho de assimilação e cultivo, em que o agente “cultiva-se”:

O capital cultural é um ter que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da pessoa, um habitus. Aquele que o possui "pagou com sua própria pessoa" e com aquilo que tem de mais pessoal, seu tempo. Esse capital

"pessoal" não pode ser transmitido instantaneamente (diferentemente do dinheiro, do título de propriedade ou mesmo do título de nobreza) (BOURDIEU, 2007, p. 74-75).

O estado objetivado do capital cultural está em suportes materiais, como livros ou obras de arte. Esses objetos possuem um capital econômico (podendo ser vendidos, herdados ou leiloados) e um capital cultural. O proprietário deve possuir um capital cultural incorporado para entender o valor cultural que um quadro de Van Gogh possui, por exemplo, de maneira a desfrutar dessa posse. Por fim, o capital cultural no estado institucionalizado refere-se a posse de certificados escolares e a formação cultural do indivíduo reconhecida institucionalmente. Podem ser certificados escolares, diplomas ou a posse de cargos adquiridos através de concursos e legitimados por instituições. De acordo com o sociólogo:

Ao conferir ao capital cultural possuído por determinado agente um reconhecimento institucional, o certificado escolar permite, além disso, a comparação entre os diplomados e, até mesmo, sua "permuta" (substituindo-os uns pelos outros na sucessão); permite também estabelecer taxas de convertibilidade entre o capital cultural e o capital econômico, garantindo o valor em dinheiro de determinado capital escolar (BOURDIEU, 2007, p. 78-79).

O capital social, para Bourdieu, é o conjunto de relações sociais que uma pessoa possui. Essa rede de relações (familiares, colegas de escola, amigos, colegas de trabalho, sócios de clubes, etc.) favorece um interconhecimento e trocas de favores (materiais e simbólicos) entre indivíduos que são semelhantes e que compartilham habitus em comum.

O volume do capital social que um agente individual possui depende então da extensão da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está ligado (BOURDIEU, 2007, p. 67).

Para que essa rede de relações ocorra e que proporcione lucros sociais e simbólicos, é necessário um trabalho de conservação e manutenção de relações duráveis e úteis. Para Bourdieu são necessárias estratégias de investimento social, alquimia da troca (por palavras ou presentes, por exemplo) para que essas relações sejam mantidas, reafirmadas e que prosperem em relação a maiores ou menores possibilidades de poder de ação e reação dos agentes a partir de seus vínculos. De acordo com Maria Nogueira e Cláudio Nogueira:

O volume de capital social de um indivíduo seria definido em função da amplitude de seus contatos sociais e, principalmente, da qualidade desses contatos, ou seja, da posição social (volume de capital econômico, cultural, social e simbólico) das pessoas com quem se relaciona (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2017, p. 44).

Por fim, o capital simbólico está relacionado com o prestígio, boa reputação ou reconhecimento dos agentes sociais em um ou mais campos. Para Olga Cortés (2016), o capital simbólico é uma lógica de distinção e diferenciação que perpassa os demais tipos de capitais. Esse reconhecimento proporciona vantagens ao indivíduo que o possui, pois é o modo como esse agente é considerado pelos demais.

Assim, o crédito ou a autoridade conferida a determinado agente por meio do reconhecimento em conjunto com a posse das outras três formas de capital em um dado campo é o que confere vantagens concretas na posição ocupada pelo mesmo. O ato de reconhecer e ser reconhecido significa também o poder de reconhecer, de designar o que e quem deve ser reconhecido ou o que é pertinente de ser dito ou não em dado momento em dado campo (CORTÉS, 2016, p. 75)

Pierre Bourdieu compara o campo a um jogo. Essa metáfora encontra-se no livro “Una invitación a la sociologia reflexiva”27, organizado por ele e Loïc Wacquant (2005), ressaltando que essa comparação deve ser realizada com cautela, pois há diferenças importantes, como primeiro: o campo não é resultado de uma criação deliberada e suas regras não estão codificadas. Segundo: não há um manual de instruções que ensine como “jogar” dentro de qualquer campo. Terceiro: os agentes que decidem participar do jogo, ou lutar dentro do campo, acreditam e confiam no mesmo. Retomando a ideia de revoluções parciais, cada jogador deseja ganhar o jogo e não o destruir. Consequentemente, o campo permanece e a disputa é pela sua dominação.

As cartas que os jogadores possuem para cada rodada podem ser comparadas ao conceito de capital. Para Bourdieu, o capital (econômico, cultural, social, simbólico) permite aos seus possuidores disporem de um poder, uma influência dentro do campo em questão. Dessa forma, os participantes não possuem as mesmas condições de jogo, pois as cartas (capitais) possuem valores e hierarquias distintas. Dependendo da posição que o jogador possui dentro do jogo (campo), suas cartas podem ser coringas ou cartas-mestras que resultam em vantagens dentro da partida. De acordo com Bourdieu e Wacquant:

Em outras palavras, há cartas que são válidas, eficazes em um campo – estas são a espécie fundamental de capital – porém seu valor relativo como cartas coringas

27 Este livro foi originalmente publicado em 1992. Surgiu a partir de gravações dos seminários sobre a obra de

Pierre Bourdieu organizados pelos dois professores com seus alunos dos cursos de pós-graduação da Universidade de Chicago e da École des Hautes Études en Sciences Sociales entre 1987 e 1988. O livro está dividido em três partes: a primeira elaborada por Wacquant e versa sobre a sociologia de Bourdieu, a segunda parte é o seminário que aconteceu em Chicago e a última é o seminário na França. A metáfora do jogo foi comentada com os estudantes dos Estados Unidos.

[cartas-mestras] é determinado por cada campo e incluso pelos sucessivos estados do mesmo campo (BOURDIEU; WACQUANT, 2005, p. 151, tradução nossa).