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4.2. APRESENTANDO OS RESULTADOS DO QUESTIONÁRIO ONLINE

4.2.3. Percursos Escolares

Continuando com as questões escolares, a quarta seção foi organizada a partir de oito perguntas relacionadas aos percursos escolares dos jovens. Questões sobre o ensino fundamental, se houve reprovação em alguma etapa escolar, possibilidades de abandono de estudos ou interrupções e se o estudante tinha bolsa-auxílio ou era beneficiário de programas sociais durante o período escolar. Há também indagações sobre o momento atual, se o jovem continua estudando e com qual propósito (graduar-se em um curso superior, cursinho pré- vestibular, possuir uma capacitação profissional a partir de cursos técnicos, etc.).

No que concerne ao ensino fundamental desses jovens, o gráfico abaixo indica que a maior parte dos respondentes cursou o ensino fundamental em escola pública. Houve 15 respostas indicando uma alternância, mesclando instituições públicas e privadas. Apenas dois sujeitos responderam que cursaram o ensino fundamental em escola particular.

Gráfico 20 - Sobre o ensino fundamental dos jovens

Fonte: elaboração da autora

Essa tendência permanece com os jovens entrevistados. Com exceção de Lucas, todos os demais cursaram o ensino fundamental em escola pública. Durante a entrevista, Lucas explicou que estava cursando o ensino fundamental em uma escola pública de Porto Alegre. Devido a separação dos pais, a mãe se mudou para Belo Horizonte e levou Lucas junto que passou a frequentar uma escola privada de alto nível em Minas Gerais. Pela entrevista, esse período, que durou dois anos, não foi muito feliz para o jovem:

Pesquisadora: Sempre pública?

Lucas: [...] Meus pais se separaram em 2007...2008, mais pro final do ano, minha mãe se mudou pra Belo Horizonte, mas ela ainda conseguia vir final de semana...então tipo, ela trabalhava a semana inteira, fim de semana vinha ver a gente... Aí em 2009 disse “Não, acabou”... “Vai pra lá” e como era menor de idade, não podia tá com meu irmão, tinha que tá sob a guarda...

[...]

Pesquisadora: Em escola pública?

Lucas: Aí lá foi particular...ainda bem, porque eu ia me ferrar muito em escola pública sendo gente de outro estado...porque o que eu sofri de bullying lá [risos]...foi preconceito reverso! [risos]... Ah tri!... [...] aí quando eu fui pra Minas Gerais pensei “Não, vou...ser um outro [Lucas] agora! Vou ser o malandro, vou meter o louco, vou ser o espertão, não vou me dedicar tanto aos estudos, né”...primeiro imaginei escola pública, mas na hora lá minha mãe “Ah, particular, tu vai ter essa sorte”... eu olhei tipo...a foto da escola e tal, tipo...baaaaahhhh...na real quero sim...Pô, o colégio era um dos top top de BH [BELO HORIZONTE]...E aí...bah, como eu odiei colégio particular... eu me sentia muito mal lá dentro. Era outra coisa...e no fim, eu cheguei lá, meu, me ferrei, meu, porque a exigência era outra... e eu pensei que não ia estudar, tive que estudar muito mais e ainda não era nem a metade do exigido...então, tipo, tema... tu deixava de fazer dois temas, tu ganhava um “BANC” [BLOCO DE ATIVIDADES NÃO CUMPRIDAS]...

Pesquisadora: Bah, de castigo...

Lucas: Sim...Tu deixava de fazer dois temas banais, era um bloco de dez folhas de atividade... aí tinha vezes que eu, pegava BANC de seis matérias, aí eram 60 folhas de exercícios...(LUCAS, 2018) 150 2 15 0 20 40 60 80 100 120 140 160

Escola pública Escola privada (particular) Um pouco em escola pública e

um pouco em escola privada (particular)

Com relação a situações de reprovação, foram elaborados dois gráficos. O primeiro se referia sobre a possibilidade de reprovação na trajetória escolar do sujeito. Nesse caso, 79% dos sujeitos que responderam ao questionário nunca tiveram experiências de repetir de ano na escola. Daqueles que reprovaram, seis pessoas tiveram essa experiência tanto no fundamental quanto no médio. A maior parcela das reprovações ocorreu no ensino médio.

Gráfico 21 - Se houve reprovação do jovem em algum momento de sua vida escolar

Fonte: elaboração da autora

Sobre a quantidade de reprovações, o próximo gráfico indica números parecidos. Os 132 sujeitos que responderam que nunca reprovaram de ano permanecem quando se soma a quantidade dos que não responderam essa questão (7) com aqueles que disseram que nenhuma vez reprovaram (125). Dos 35 sujeitos que tiveram essa experiência de reprovação, a maior parcela (20 pessoas) vivenciou esse momento uma vez. Apenas três pessoas reprovaram três vezes.

Gráfico 22 - Quantas vezes o jovem reprovou em algum momento da sua vida escolar

Fonte: elaboração da autora 132 11 18 6 0 20 40 60 80 100 120 140

Não Sim, no ensino

fundamental

Sim, no ensino médio Reprovei tanto no ensino fundamental quanto no médio 125 20 12 3 0 0 7 0 20 40 60 80 100 120 140

Nenhuma 1 vez 2 vezes 3 vezes 4 vezes Mais de 4

vezes

Não respondeu

Estes dois gráficos indicam a seleção que vai ocorrendo dentro do sistema escolar com o passar dos anos. O sujeito que se matricula no ensino médio e consegue concluir é um aluno diferenciado, porque de certa forma passou por diversos filtros ao longo dos anos e possui a "boa vontade cultural", segundo Bourdieu e Passeron (1992). Esses sujeitos são persistentes por vivenciarem uma escola conservadora (que não foi pensada para incluir, mas sim para selecionar e reproduzir a desigualdade diante do discurso do mérito) e conseguirem conclui-la. Quando se observam com detalhes as respostas do questionário, percebe-se que uma parte desses jovens vivenciaram momentos difíceis em suas vidas e, mesmo assim, conseguiram permanecer estudando e finalizaram a educação básica. Mesmo que se tenham verificado casos de reprovação, essa situação ocorreu poucas vezes, de maneira que esse estudante não desistiu da instituição escolar. Além disso, a família pode ter apoiado a continuidade dos estudos, formulando estratégias para que o sujeito não interrompesse seu percurso educacional.

No que diz respeito aos jovens entrevistados, esse grupo segue a tendência maior das respostas do questionário. Nenhum entrevistado reprovou de ano ou ficou um tempo sem estudar. Retomando Bernard Lahire (1997), todos são “bem-sucedidos” dentro de seus percursos escolares. Até mesmo quem considerava a escola como uma prisão, como Ana, seu desempenho escolar foi suficiente para conseguir a aprovação em todos os anos. Mesmo que a quantidade de faltas fosse alta, correndo o risco de reprovação por infrequência, a jovem conseguiu concluir seu percurso escolar sem repetir de ano. Durante a entrevista, Ana comenta sobre essas experiências no Colégio Godói:

Ana: Bah, pra mim aquilo lá parecia uma prisão pra gente, incrível...tipo, eu ia pra lá meio que obrigada assim...porque eu não iria...tanto que...no primeiro trimestre do terceiro ano eu já tava quase rodada por falta, assim...

Pesquisadora: Sim, tu nunca aparecia...

Ana: Eu, tipo, tive que assinar uma ata lá que eu tava com 74% de presença no primeiro trimestre, tipo, imagina...

Pesquisadora: Tu não ia...

Ana: Sim... exatamente... e daí tipo... eu fico pensando da onde que surgiu presença, sabe? Porque tipo...eu simplesmente não ia nas aulas...eeee....e foi o ano em que eu fui melhor na escola...tipo, desde a quinta série até o segundo ano eu peguei provão, todos os anos no final do ano...e no terceiro ano eu não peguei nada...tipo...da onde que isso surgiu, sabe? Porque eu não ia nas aulas, tipo... (ANA, 2018)

Gráfico 23 - Ocorrência de abandono dos estudos

Fonte: elaboração da autora

Gráfico 24 - Quanto tempo o jovem ficou sem estudar

Fonte: elaboração da autora

Entre aqueles que abandonaram, o tempo foi variável. É interessante analisar esses dois gráficos em conjunto. Sobre a ocorrência de abandono dos estudos, no gráfico 23, nove pessoas afirmaram terem abandonado e 157 afirmaram que não. Entretanto, o próximo gráfico que indica por quanto tempo ocorreu o abandono, a quantidade de pessoas que afirmaram nunca terem ficado sem estudar diminuiu para 145. Mesmo que se some esse valor (145) aos sujeitos que não responderam (8) ou não lembram (1), não fecha a mesma quantidade de sujeitos do gráfico 23.

Para explicar essa situação, sugere-se que a possibilidade de números distintos entre os gráficos esteja na alternativa “alguns meses”. Talvez as pessoas que responderam que não abandonaram os estudos no gráfico 23 interpretaram que deixar a escola por alguns meses não caracterizava abandono. Por exemplo, o estudante percebeu que estava reprovado, por isso

9 157 1 0 50 100 150 200

Sim Não Não respondeu

1 8 2 1 1 0 1 145 8 0 20 40 60 80 100 120 140 160 Não me lembro Alguns meses 1 ano 2 anos 3 anos 4 anos Mais de 4 anos Nunca fiquei sem estudar Não respondeu

deixou de frequentar o ano letivo para recomeçar novamente no próximo. Dessa forma, passou- se alguns meses sem frequentar a escola, porém houve um retorno aos estudos no próximo ano. Sendo assim, ao ver essa opção “alguns meses” na outra pergunta, tenha marcado, modificando os resultados entre os gráficos.

No gráfico que apresenta por quanto tempo o respondente ficou sem estudar, temos uma resposta que indica “mais de quatro anos”. Essa resposta foi assinalada por Letícia, que teve uma interpretação distinta da pergunta. Essa jovem nunca repetiu de ano e nunca ficou sem estudar enquanto estava na educação básica. Porém, ela finalizou o ensino médio em 2013 e desde lá não voltou a estudar. No momento da entrevista, em 2018, Letícia comentou que havia começado a frequentar um cursinho pré-vestibular popular para se preparar melhor para o vestibular da UFRGS. Durante o período em que ela terminou a escola, estudou por um tempo para concursos públicos por conta própria. Sendo assim, essa jovem indicou que ficou mais de quatro anos sem estudar, pensando no tempo decorrido entre a escola e o atual cursinho, sem perceber que a questão se referia à educação básica.

No que concerne ao momento atual (ano de 2018), os gráficos a seguir indicam se esses jovens estão trabalhando ou estudando.

Gráfico 25 - Condição de trabalho e/ou estudo dos jovens atualmente (2018)

Fonte: elaboração da autora 45 25 87 2 8 0 20 40 60 80 100

Só estudo Só trabalho Estudo e Trabalho Não estudo e

nem trabalho

Estou à procura de um emprego no momento

Gráfico 26 - Onde o jovem estuda

Fonte: elaboração da autora

Dos 167 respondentes, mais que a metade (52,1%) estuda e trabalha. Somente duas pessoas indicaram que não estudam e nem trabalham, enquanto oito pessoas estão à procura de empregos. Dos jovens que responderam onde estudavam, a maior parcela está cursando faculdade presencial. Dezoito pessoas estudam em cursos técnicos ou profissionalizantes (10,8% do total).

Sobre os entrevistados, Ana assinalou que estava procurando um emprego no questionário, mas no momento da entrevista (dezembro de 2018) estava trabalhando em uma pâtisserie em Porto Alegre. Letícia respondeu que estava somente trabalhando, pois seu cursinho ainda não havia começado75. Sete jovens (Bruna, Beatriz, Bernardo, Fernando, Vítor, Júlio e Natália) afirmaram que estudavam e trabalhavam. E mais seis sujeitos responderam que somente estudavam (Lucas, Laura, Mateus, Ricardo, Virgínia e Valentina). Com relação aos locais em que esses jovens entrevistados estudam, Ana e Fernando cursavam um curso técnico profissionalizante. Laura estava matriculada em um cursinho pré-vestibular e os demais (com exceção de Letícia) cursavam faculdades presenciais, tanto públicas quanto privadas.

Para finalizar essa seção, a última pergunta se referia a bolsas ou auxílios através de programas sociais na época de estudante. Dos 167 respondentes, 154 sujeitos não eram beneficiados por nenhuma bolsa-auxílio ou programa social, representando 92,2% do total. Apenas 13 pessoas afirmaram serem beneficiárias, porém não foi possível saber por qual programa ou bolsa76. No que concerne aos entrevistados, Mateus, Natália e Ricardo afirmaram

75 No dia da entrevista, Letícia havia se matriculado no cursinho pré-vestibular popular. Era o momento da “Revisão” para a UFRGS (meses de novembro e dezembro).

76 Esse foi um erro da construção do questionário que perguntou se havia ou não auxílio, sem pensar em deixar

espaço para o respondente escrever em qual programa era beneficiário. 25 18 9 98 9 3 5 0 20 40 60 80 100 120

Não estou estudando Faço um curso técnico/profissionalizante Faço um cursinho Pré-vestibular/ENEM Faço faculdade presencial Faço faculdade à distância Estudo para concursos públicos Não respondeu

que eram beneficiários de bolsa-auxílio ou programa social enquanto estavam no Colégio Godói. Contudo, não mencionaram esse aspecto em suas entrevistas.

O próximo conjunto de perguntas está relacionado ao trabalho e renda, pretendendo entender que tipos de ocupação e qual a jornada de trabalho desses jovens e se eles estão em uma relação trabalhista com carteira assinada.