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O CASO CAMPO ALGODOEIRO

No documento http://www.conpdl.com.br/anais5conpdl (páginas 130-133)

POR UM “DIREITO LITERÁRIO”

O CASO CAMPO ALGODOEIRO

Conforme foi relatado anteriormente, o caso González et al v. México tem seu início em 2001 quando se encontram os corpos de algumas mulheres jovens em um campo algodoeiro. Três são identi- fi cadas, sendo duas delas ainda menores de idade. É importante ressaltar que nesse momento, a cidade de Juarez, onde são encontradas essas mulheres era reconhecidamente uma região em que a violência contra a mulher se proliferava.

Nos autos do caso, o próprio Estado mexicano reconheceu que “la problemática que enfrenta por la situación de violencia contra las mujeres en Ciudad Juárez[,] particularmente, los homicidios que se han registrado desde principios de los 90s del siglo pasado” (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2009, par. 115). Também,

[d]iversos informes establecen los siguientes factores en común en varios de los homicidios: las mujeres son secuestradas y mantenidas en cautiverio, sus familiares denuncian su desapari- ción y luego de días o meses sus cadáveres son encontrados en terrenos baldíos con signos de violencia, incluyendo violación u otros tipos de abusos sexuales, tortura y mutilaciones (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2009, par. 125-126).

Era perceptível neste momento que grande parte da situação de violência contra as mulheres encon- trada na cidade de Juárez vinha de uma sociedade com valores arraigados no estereótipo errôneo da inferio- ridade das mulheres, construindo a partir de referidos valores um contexto de discriminação sistemática de mulheres. Também foi constatada a falta de esclarecimento das situações e irregularidades tanto nas investi- gações como nos processos neste tipo de casos (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2009, par. 147).

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Tais irregularidades derivavam do tratamento estatal dado aos homicídios de mulheres, que “se manifestaba en la percepción de los funcionarios estatales que la búsqueda y protección de mujeres reportadas como desaparecidas no era importante e implicaba que en un principio las autoridades se negaban a investigar” (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2009, par. 151). Por este motivo, muitos dos casos que foram levados ao conhecimento das autoridades estatais não haviam chegado a um fi nal no momento em que a Corte Interamericana se pronuncia.

Laura Berenice Ramos Monárrez, de 17 anos e estudante do Ensino Médio, desapareceu no dia 22 de setembro de 2001. Outras alunas de seu colégio já haviam desaparecido e sido assassinadas. A jovem também trabalhava em um restaurante. Claudia Ivette González, de 20 anos e trabalhadora de uma empresa de costura, no dia 10 de outubro de 2001. Ela cuidava das crianças de sua família e por isso muitas vezes se atrasava no trabalho. No dia de seu desaparecimento não a deixaram entrar na empresa por ter chegado dois minutos atrasada. E Esmeralda Herrera Monreal, de 15 anos, no dia 29 de outubro de 2001. Ela havia chegado há dois meses em Juárez, não tendo ainda amigos na cidade. Também trabalhava, em uma casa como empregada doméstica (Cladem, 2010).

Os três corpos das jovens foram encontrados em um campo algodoeiro em 6 de novembro de 2001, e a maneira como foram encontrados os corpos demonstrava que elas tinham sido estupradas e abusadas com extrema crueldade (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2009, par. 210). Foram indicados peritos que fi zeram a análise da situação dos cadáveres, que já se encontravam em decom- posição. Tais peritos chegaram a conclusão de que seria possível que as vítimas tenham sido violadas e sofrido tratos de extrema agressividade.

Entretanto, a quarta sala do Tribunal de Chiuaua simplesmente declarou que “peritos hablan de probabilidad y éstas no son más que suposiciones, conjeturas, las que por su carácter de índole subjetivo […] no son, en este caso, medios adecuados para llegar a la verdad histórica y legal de los verdaderos acontecimientos” (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2009, par. 217).

A decisão da Corte Interamericana

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao analisar os fatos do caso, declarou que no basta que los Estados se abstengan de violar los derechos, sino que es imperativa la adopción de medidas positivas, determinables en función de las particulares necesidades de protección del sujeto de derecho, ya sea por su condición personal o por la situación específi ca en que se encuentre (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2009, par. 243)

Desta maneira, entendeu que o simples fato de os crimes não terem sido cometidos por agentes estatais não tira a responsabilidade do Estado mexicano, uma vez que na região em questão e no período de tempo em que os delitos foram cometidos, havia uma situação generalizada de discriminação e violência contra a mulher, com total conhecimento do Estado. Para embasar tal decisão, foi utilizada a Convenção de Belém do Pará que em seu artigo 7.b declara que os Estados devem “agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher” (Organização dos Estados Americanos, 1994).

Assim, no presente caso, foi levado ao conhecimento do Estado que estavam desaparecidas as três mulheres, e que corriam real risco de violência, pelo contexto em que se encontravam na cidade

132 de Juarez. Entretanto, as autoridades policiais mexicanas simplesmente se retiraram a obrigação de realizar uma investigação célere e efi ciente, dizendo que somente poderiam começar a investigação após 72 horas do desaparecimento (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2009, par. 178). Os ofi ciais inclusive questionaram aos familiares sobre a idoneidade das desaparecidas, e até se negavam a investigar porque acreditavam que uma delas “habría salido con un novio y no tardaría en volver al hogar” (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2009, par. 147).

Mesmo após o momento em que foram encontrados os corpos das mulheres, o tratamento dado pelos agentes estatais mexicanos continuava sendo de completo desdém e de falta de profi ssionalismo. O próprio Estado mexicano assumiu “[e]l impropio proceso de identifi cación de los cuerpos y de deter- minación de la causa de muerte” (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2009, par. 309), uma vez que diversos erros foram cometidos, desde a entrega de corpos sem uma identifi cação positiva, até a demora de mais de dois anos para o início da análise de DNA.

Referida demora e falta de diligência são vistos pela Corte Interamericana como uma demons- tração da discriminação estatal contra as mulheres. Assim,

el Tribunal considera que el estereotipo de género se refi ere a una pre-concepción de atributos o características poseídas o papeles que son o deberían ser ejecutados por hombres y mujeres respectivamente. Teniendo en cuenta las manifestaciones efectuadas por el Estado [...], es posible asociar la subordinación de la mujer a prácticas basadas en estereotipos de género socialmente dominantes y socialmente persistentes, condiciones que se agravan cuando los estereotipos se refl ejan, implícita o explícitamente, en políticas y prácticas, particularmente en el razonamiento y el lenguaje de las autoridades de policía judicial, como ocurrió en el presente caso. La crea- ción y uso de estereotipos se convierte en una de las causas y consecuencias de la violencia de género en contra de la mujer (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2009, par. 401). Além da condenação por discriminação, a Corte também ressaltou o fato de entre as mulheres assassinadas se encontravam duas menores de idade, que deveriam ser ainda mais protegida pelo Estado por tratar-se de crianças por sua maior vulnerabilidade, através do estipulado no artigo 19 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Organização dos Estados Americanos, 1969).

Além da condenação pela discriminação e violação à integridade e à vida de Laura, Ivette e Esmeralda, o Tribunal também analisou o sofrimento causado aos familiares das vítimas, causado pelo desaparecimento de suas familiares e pela busca individual pela verdade. Foram escutadas as mães das vítimas, que disseram que

tuvieron que pasar cinco meses para que me pudieran mostrar el cuerpo de mi hija, y no era cuerpo, eran huesos [...] Yo me pasaba las noches imaginándome lo que a mi hija le hicieron, cómo me la violaban, cómo me la torturaban. Era una cosa horrible, que yo no podía dormir, por estar imaginando. De igual manera, por estar esperándola, yo tenía la esperanza y la ilusión de que mi hija iba a aparecer (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2009, par. 416-418) Além de todo o sofrimento causado pela situação das assassinadas, os familiares ainda foram perseguidos pelo Estado mexicano, por não desistirem de buscar a verdade por trás do que havia

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acontecido com suas desaparecidas. Inclusive, a mãe de Laura teve que mudar-se para os Estados Unidos, conseguindo status de refugiada devido à perseguição que sofria pelo Estado mexicano (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2009, par. 428).

Desta maneira, a Corte Interamericana condenou o México também por perseguir e ameaçar os membros da família das três mulheres assassinadas, sendo eles considerados também vítimas do caso em questão, por tudo que passaram.

No documento http://www.conpdl.com.br/anais5conpdl (páginas 130-133)

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