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POR UM “DIREITO LITERÁRIO”

VELIZ FRANCO

Outro caso que trata da questão da violência contra a mulher no Sistema Interamericano teve sua sentença ditada em 2014 contra o Estado da Guatemala. Os fatos ocorridos se desenrolam a partir do desaparecimento e morte da menor María Isabel Veliz Franco.

María Isabel era estudante, se encontrando naquele momento em seu período de férias, tendo um trabalho temporário e vivendo com sua mãe, seu irmão e seus avós maternos. No dia 16 de dezembro de 2001, a menina não voltou para a casa depois do trabalho, como fazia todos os dias. O depoimento feito por sua mãe, Rosa Elvira Franco Sandoval, para a polícia foi que a fi lha nunca havia voltado depois do trabalho para casa. A senhora Franco Sandoval também declarou que ao fazer sua denúncia à polícia, os ofi ciais lhe disseram que somente poderiam começar as buscas após 72 horas do desaparecimento de sua fi lha.

No dia 18 de dezembro de 2001, através de uma denúncia anônima feita por telefone, a polícia se dirigiu a um prédio abandonado, onde encontrou o corpo morto de uma mulher, que em um primeiro momento não foi identifi cado por não haver qualquer documentação em suas proximidades. É importante salientar que neste momento no Estado da Guatemala

atravesaba una escalada de violencia homicida, y que la misma presentaba índices altos en comparación con otros países. En ese marco, hubo, al menos a partir del año 2000 o del año 2001, un crecimiento numérico de homicidios en general, y con ello, un aumento proporcional- mente signifi cativo de los homicidios de mujeres. Asimismo, hay datos indicativos de que cierta parte de los atentados sufridos por mujeres, inclusive en 2001, serían homicidios por razones de género. (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2014, par. 74-76).

No mesmo dia 18 de dezembro, a senhora Rosa Elvira viu pelas notícias na televisão que haviam encontrado um corpo de uma jovem e se dirigiu ao necrotério. Ao chegar ao local, ela reconheceu o corpo como o de sua fi lha. Neste momento, a senhora Franco Sandoval perguntou a um trabalhador do necrotério sobre a morte da menor, sendo informada que este acreditava que ela havia sido estuprada e morta na noite do dia 17 (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2014, par. 98).

Também, na ata de levantamento de cadáver, foi constatado que a menina havia sido enforcada, tendo sido encontrado um plástico amarrado ao redor do pescoço do corpo. Entretanto, em nenhum momento se realizaram os exames para constatar a violação sexual. Foram entrevistadas possíveis teste- munhas, sem grande sucesso e foi constatado no dia seguinte que o local do crime havia sido conta- minado. (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2014, par. 101).

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No início do processo relacionado ao caso, houve um atraso de vários meses causado por um confl ito de competência entre dois juízos, causado pelo local onde o corpo foi encontrado, uma vez que os juízos se declaravam incompetentes pela localidade do crime (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2014, par. 107).

No dia 31 de janeiro de 2003, a senhora Rosa Elvira apresentou uma denúncia perante o Procu- rador de Direitos Humanos da Guatemala, alegando a falta de cumprimento do direito ao devido processo. Este Procurador emitiu um informe no qual relatou que

“el Ministerio Público no procedió acorde al principio de objetividad en el ejercicio de la acción penal […] dentro de los plazos establecidos por la ley” y los fi scales de la Agencia No. 32 de Guatemala y la Agencia No. 5 de Mixco “incurrieron en dilación de justicia al solicitar y tramitar la inhibitoria para conocer el caso en razón de territorio que al fi nal se declaró sin lugar”. (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2014, par. 115).

Entretanto, há mais de doze anos do assassinato da menina María Isabel, ainda não há qualquer decisão no âmbito interno, tendo no momento da sentença interamericana, passando-se quase dois anos da última diligência realizada pelo juízo.

A decisão da Corte interamericana

No caso Veliz Franco, a Corte declarou sua preocupação com a questão da dupla situação de vulnerabilidade da vítima María Isabel Veliz Franco, por tratar-se de mulher menor de idade que sofreu de violência.

De lo anterior se colige que, conforme el marco normativo expuesto, en relación con la violencia contra la mujer, el deber de garantía adquiere especial intensidad en relación con niñas. Esto es así debido a que la vulnerabilidad consustancial a la niñez puede verse enmarcada y potenciada debido a la condición de ser mujer. (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2014, par. 134). O Tribunal se utilizou muito do que já havia sido desenvolvido no caso Campo Algodoeiro, principalmente para demonstrar que apesar de o Estado não ser responsável por qualquer atuação de particulares, ele continua sendo passível de responsabilização no caso de uma situação de violações generalizadas de Direitos Humanos.

Entretanto, neste caso, a Corte Interamericana encontrou evidências de que não apenas após a morte da vítima houve falta da devida atuação do Estado, como aconteceu no caso Gonzales e outras. Isto porque se constatou pelo exame do legista que a senhora Rosa Elvira realizou a denúncia perante as autoridades devidas antes do assassinato da menina María Isabel.

Desta maneira, o Estado foi responsabilizado por não haver protegido a menor antes de seu assassinato e também pela falta de devida diligência durante a investigação e o processo judicial. Além de ter falhado para evitar o feminicídio, a Guatemala falhou ao não conseguir dar à família da vítima o direito à verdade, justiça e reparação.

Tal como ha reconocido el Estado, en el momento de los hechos, no había legislación ni procedi- mientos específi cos para investigar casos de violencia contra la mujer. La mayoría de las leyes y medidas

138 para luchar contra dicho fenómeno han sido adoptadas por el Estado con posterioridad a los hechos del presente caso (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2014, par. 210).

Neste caso também houve o reconhecimento dos familiares como vítimas no presente caso, já que não conseguiram uma resposta por parte do poder judiciário guatemalteco, além de sofrerem repressões por parte da polícia, pelo simples fato de quererem buscar justiça. Ademais, foi percebido pela Corte que a demora injustifi cada por parte da Guatemala se deu de maneira mais acentuada porque se tratava da morte de uma mulher, que segundo a visão dos próprios investigadores não condizia com atitudes de alguém correto e de sua idade.

Assim sendo, apesar do assassinato da vítima ter ocorrido por uma clara questão de gênero, a investigação realizada não teve qualquer viés de gênero, além de erros claros pela falta de preocupação por parte dos agentes estatais com a solução do presente caso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Sistema Interamericano vem se manifestando sobre a questão de violência contra a mulher há algum tempo. Dentre os casos paradigmáticos analisados pela Corte Interamericana encontram-se os três apresentados no presente trabalho: González e outras v. México, Fernández Ortega e outros v. México e Veliz Franco e outros v. Guatemala.

Em comum, podemos perceber que todos os casos se passaram em situações nas quais a violência se encontrava generalizada contra as mulheres, sempre advinda de uma tradição machista na qual a mulher é colocada como ser inferior. Também, exatamente por esse contexto no qual estão inseridos, os casos demonstram a difi culdade que as vítimas e seus familiares tiveram para conseguir buscar justiça, uma vez que casos relacionados à violência contra a mulher não são vistos pelo próprio sistema judicial como de maior importância.

Desta forma, é possível perceber a importância da existência de um Sistema Regional de Proteção aos Direitos Humanos, uma vez que ele pode criar parâmetros mínimos a serem seguidos pelos Estados que são signatários dos Tratados, além de desenvolver assuntos que muitas vezes seriam considerados tabus nos judiciários internos dos Estados.

Em relação ao feminicídio, a Corte Interamericana é a vanguardista no Direito Internacional, por ser o primeiro Tribunal Internacional a utilizar o termo e condenar um Estado por cometimento desse crime.

Outro ponto importante é o reconhecimento de que há grupos de mulheres em maior vulnerabi- lidade que outros, como, por exemplo, as meninas, as mulheres de comunidades indígenas e mulheres moradoras do campo. Essa dupla vulnerabilidade é reconhecida pelo Tribunal e faz com que em suas sentenças existam condenações aos Estados para um maior desenvolvimento na proteção desses grupos específi cos.

Resta claro que ainda há muito que se desenvolver na temática, em especial no âmbito interno dos países latino-americanos. Entretanto, em comparação com o momento de todos os delitos come-

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tidos nos três casos, ou seja, no começo dos anos 2000 até a presente data, é possível perceber que já existem novas medidas criadas para a proteção da mulher, além de a temática vir se tornando mais visível e mais desenvolvida.

Por fi m, o grande problema a ser solucionado em relação à violência contra a mulher, é a violência estrutural vigente reforçada pela cultura machista ainda existente, que além de facilitar o cometimento de novos delitos, ajuda na manutenção da impunidade dos perpetradores que, em sua maioria, são homens.

REFERÊNCIAS

Cladem. (2010). Campo Algodonero. Análisis y propuestas para el seguimiento de la sentencia de la Corte Interamericana de

Derechos Humanos en contra del Estado mexicano. Distrito Federal, México.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos. (2001). Informe Nº 54/01– Mérito, Caso 12.051, Maria da Penha Maia Fernandes

(Brasil).

Corte Interamericana de Direitos Humanos. (2009). Caso González y otras (“Campo Algodonero”) Vs. México. Excepción Preliminar,

Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 16 de noviembre de 2009. Serie C No. 205.

Corte Interamericana de Direitos Humanos. (2010). Caso Fernández Ortega y otros Vs. México. Excepción Preliminar, Fondo,

Reparaciones y Costas. Sentencia de 30 de agosto de 2010. Serie C No. 215.

Corte Interamericana de Direitos Humanos. (2014). Caso Veliz Franco y otros Vs. Guatemala. Excepciones Preliminares, Fondo,

Reparaciones y Costas. Sentencia de 19 de mayo de 2014. Serie C No. 277.

Mac-Gregor, E.F.; García, F.S. (2010). Homicídios de mujeres por razón de género. El caso campo algodonero. Cidade do México: UNAM-Max Plank.

Organização dos Estados Americanos. (1969). Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Organização dos Estados Americanos. (1985). Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura.

Organização dos Estados Americanos. (1994). Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a

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A MENINA MORTA

E NUA:

No documento http://www.conpdl.com.br/anais5conpdl (páginas 136-140)

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