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O RECALCAMENTO DA SEXUALIDADE NA VELHICE

No documento http://www.conpdl.com.br/anais5conpdl (páginas 174-177)

É notório o silêncio que ainda existe em torno da velhice, principalmente no que diz respeito à sexualidade Na psicanálise, chama a atenção o fato de haver poucas referências

O RECALCAMENTO DA SEXUALIDADE NA VELHICE

Tendo pincelado sobre as ideias que venho construindo sobre essa possibilidade de leitura do envelhecimento, marcando a proximidade com os tempos originários de sedução e o surgimento do sexual, proponho retomar algumas das perguntas e apontamentos feitos no texto, para pensar possíveis motivações para as tentativas de silenciamento - que entendo como recalcamento - da sexualidade na velhice, principalmente das mulheres.

Sobre o estranhamento ainda muito presente na associação entre velhice e sexualidade, Mucida (2004) traz uma interpretação que considero muito pertinente, mas que proponho fazer trabalhar: “falar em sexualidade do idoso é abordar a sexualidade dos pais; no inconsciente os pais são sempre os velhos” (p. 160). A difi culdade, segundo a autora, de lidar com a sexualidade dos velhos estaria marcada, assim, pela mesma difi culdade de todo neurótico ao lidar com a sexualidade do par parental. Essa interpre- tação, apesar de sua relevância e constatação clínica, me parece muito ligada às construções edípicas, portanto ligada ao recalcamento secundário. Isso se justifi ca, já que a autora trabalha a velhice como mais um avatar da castração. Penso que, do ponto de vista do imaginário social e das fantasias de cada um, a castração é, sim, uma leitura possível e bastante comum para as vivências do processo de enve-

175 lhecimento. Todavia, sendo a própria ideia de castração já uma tradução de algo ainda anterior e mais disruptivo, tendo a pensar que haveria algo mais acerca desse silêncio/recalcamento da velhice e da sexualidade na velhice, dada sua força e permanência ao longo do tempo: um mais aquém da castração. É na sua aproximação com o traumático fundante do psiquismo, com as experiências sexuais difusas e autoeróticas, as invasões sofridas na sedução e a passividade, através da reabertura da situação origi- nária, que penso se localizarem as resistências dos indivíduos e do social. Desse modo, algo relativo ao recalcamento primário seria reconvocado a partir das experiências no processo de envelhecimento, o que se constitui como mais um argumento para a necessidade de recolocar o sexual em cena nesse momento da vida. Se há uma forte relação com a aproximação da morte e o passar do tempo, bem como as perdas reais e imaginárias a que cada velho ou velha tem de encarar, há também, como sempre houve, um embate com o sexual, que parece se apresentar de uma forma peculiar nessa fase.

A situação de passividade das origens é trazida, assim, com toda a força na velhice, principal- mente numa cultura que, mais do que facilita, praticamente impõe uma tradução dessa fase colada à inutilidade e passividade. Velhos e velhas encontrariam, desse modo, uma dupla passividade: de um lado, diante do discurso dominante que tende a apagá-los e silenciá-los, alegando sua inutilidade pela perda da capacidade produtiva; e de outro, diante da alteridade interna, da excitação que ataca de dentro, e que encontra menos recursos no discurso social para traduzir e sexualizar/ligar, por meio das pulsões sexuais de vida, tais excitações provocadas pelo corpo e pela resposta do sexual – aqui em sua vertente de desligamento - a tais alterações.

O que a velhice, mas principalmente a velhice feminina, através da menopausa, vem escancarar é o distanciamento radical da sexualidade humana das funções reprodutivas e adaptativas. A indi- cação de Henning e Debert (2015) sobre o processo de desgenitalização da sexualidade na velhice nos aponta justamente para isso: o sexual não é, nem de longe, predominado pelo genital ou pela função reprodutiva. Essa predominância ilusória é apenas, como diversas outras questões, inclusive de gênero, uma defesa contra a sexualidade perversa e polimorfa infantil: a sexualidade do tempo auto, disrup- tiva, parcial, fragmentada e fragmentadora. Isso torna bastante clara a resistência tão assinalada dos homens em abrir mão do primado da virilidade, que é o que tais conselhos apontam para eles. Cons- truir esse novo projeto sexual, como nomeiam Henning e Debert (2015), traria para eles fantasmas de feminização, tema que é abordado em muitas vertentes de estudos sobre velhice e sexualidade. Desse modo, essa resistência contra a velhice incapacitante teria uma estreita ligação com esses fantasmas de feminização, bem como as indicações a respeito da desgenitalização, que envolveriam a exploração de novas zonas erógenas e outros modos de obtenção de prazer para além da penetração. Essa ainda tão presente, mesmo que criticada, associação entre feminilidade e passividade, se não constitui a essência da sexualidade feminina ou do que é o feminino, não deixa de estar presente no imaginário social e individual, impondo-se das mais variadas formas e desembocando em mecanismos de defesa extrema- mente rígidos e perpetuando violências, como a violência de gênero.

Nesse sentido, a hipótese que apresento é a de que seria depositado nas mulheres, através de facilitações sociais ainda reiteradas e também associações inconscientes, as projeções da velhice incapa-

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citante que os homens, e também mulheres, tanto temem, em associação com a passividade das origens. A utilização de fi guras femininas para tratar da velhice e da morte na arte não é incomum. Essa velhice decrépita, deformada, incapacitante. Uma visão que vai na contramão do que as pesquisas apontam sobre o processo vivido pelas mulheres, que é da possibilidade de libertação de amarras sociais e subjetivas, a possibilidade de lidar de outra forma com seus corpos e sua sexualidade, de marcar, mais do que nunca, o seu desejo. Sem regras (ciclo menstrual), sem normas (repressoras sobre a sexualidade das mulheres), lembra-nos Sanabria (2016) da frase enunciada por autoras espanholas, como Anna Freixas. Mas, como apontou Simone de Beauvoir, é isso que assusta. Os homens, em primeiro lugar, porque, me parece, tanto essa autonomia da mulher intimida quanto a via facilitada de projeção desse estranho familiar que é velhice torna-se mais fugidia, fazendo com que eles se aproximem de sua própria condição. E as próprias mulheres, que, ainda pautando suas vivências sexuais, em grande parte, nos homens, veem-se entre a cruz e a espada: desejarem ou serem desejadas.

É claro que nem de longe tais interpretações e possíveis encaminhamentos são unívocos e universais. Como sinalizam Henning e Debert (2015) e também Beauvoir (1970/1990), é preciso singu- larizar as velhices, para entendermos melhor os determinantes dos vários encaminhamentos possíveis. Nesse sentido, falar sobre essas questões já se coloca como um movimento importante de refl exão no sentido de trazer à tona esse habitante do silêncio tão estranho, mas também imensamente familiar, que é a velhice.

REFERÊNCIAS

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O DIÁRIO E O

PHÁRMAKON EM

VIRGINIA WOOLF E

SYLVIA PLATH

Autora: Nathalia de Aguiar Ferreira Campos

Mestre e doutoranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais.

RESUMO

Este trabalho investiga a relação entre a experiência da criação literária e o recurso à

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